“Segundo dados do Conselho Federal de Farmácias (CFF), há cerca de 90 mil farmácias no País em comparação com 55 mil em 2003, crescimento de 63% em 20 anos. Os números consideram farmácias com inscrição ativa no órgão, requisito legal para funcionarem. Muitas vezes, farmácias concorrentes ficam uma ao lado da outra”. Essa notícia foi veiculada no dia 26 de abril de 2024 no jornal O Estado de S. Paulo.
Essa fortíssima presença de farmácias e drogarias na cena urbana brasileira é um dos fatores mais visíveis da ênfase na comercialização de medicamentos na promoção da saúde. Percebe-se, com relativa facilidade, que a saúde é tratada predominantemente como um produto de consumo. A perspectiva da saúde como um direito fundamental com múltiplas facetas experimenta dificuldades enormes de vingar.
O grande número de farmácias e drogarias também revela uma tendência mais ampla de medicalização da sociedade. Essa abordagem foca, como mais relevante na solução dos problemas de saúde, o uso de remédios. Assim, as ações preventivas e um conjunto de hábitos fundamentais, que passam por alimentação saudável, exercícios físicos, controle de estresse, sono reparador, atenção à respiração, consumo adequado de água, exposição ao Sol, suplementações e acompanhamento médico, são tristemente postos em segundo, terceiro e quarto planos.
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Confira uma impressionante ocorrência vinculada à indústria farmacêutica relatada pelo economista Ladislau Dowbor: “Sexto grupo farmacêutico do mundo, a GSK está pagando 3 bilhões de dólares de multas por fraudes de diversos tipos em medicamentos. (…) A GSK vendeu Wellbutrin, um poderoso antidepressivo, como pílula de emagrecimento, o que é criminoso. Vendeu Avandia, escondendo os resultados das suas pesquisas que apontavam o aumento de riscos cardíacos provocados pelo medicamento. Vendeu Paxil, um antidepressivo usado para jovens com tendências ao suicídio que, na realidade, não tinha efeito mais pernicioso do que qualquer placebo, com efeitos desastrosos. A condenação da empresa só aconteceu porque quatro técnicos da GSK fizeram uma denúncia. (…) Depois da condenação, das manifestações de indignação de usuários enganados e dos artigos na mídia, as ações da empresa subiram, contrariamente ao que se esperaria se a empresa fosse julgada pelas suas contribuições para a saúde. Com essas fraudes, a GSK obteve lucros incomparavelmente superiores aos custos do acordo judicial obtido em 2012, e os grandes investidores institucionais que detêm o grosso das ações, reagiram positivamente” (fonte: livro “Era do Capital Improdutivo”).
O modelo de negócios da indústria farmacêutica, que só perde em faturamento para a indústria bélica, distorce uma série de procedimentos fundamentais na área da saúde, notadamente as pesquisas voltadas para produção de medicamentos, as relações com a comunidade médica, as consultas com profissionais de saúde e o uso do marketing.
As pesquisas relacionadas com a produção de medicamentos são acusadas, com intensidade crescente, de adotar protocolos científicos pouco rigorosos. Os prazos muito curtos para efetivação dos testes são fragilidades recorrentes. A interação entre medicamentos é algo praticamente desconsiderado, apesar da quantidade de vítimas fatais de overdose de medicamentos legais aumentar claramente. A atuação extremamente leniente das agências reguladoras é um capítulo extremamente preocupante. Existe um significativo número de casos de financiamento empresarial explícito e implícito de estudos científicos para corroborar a eficiência de certos remédios. É enorme a lista de medicamentos amplamente utilizados e depois proscritos em função de reconhecidos malefícios à saúde das pessoas. Em inúmeros casos, efeitos físicos danosos e mesmo mortes foram constatados. Vários remédios, frequentemente receitados, estão envolvidos, para dizer o mínimo, em fortíssimas polêmicas (como as estatinas, os indutores de sono, os emagrecedores, os inibidores do canal de cálcio e betabloqueadores, certos fármacos para demência, os anti-inflamatórios não esteroides, vários antidepressivos, etc).
As relações “estranhas” entre a indústria farmacêutica e boa parte da comunidade médica são duramente criticadas. Essas atividades envolvem, entre outros: a) influência decisiva nas diretrizes acadêmicas dos cursos de medicina (tornando a medicina alopática o paradigma dominante e quase exclusivo. A alopatia está assentada no uso de medicamentos e intervenções físicas); b) patrocínio de viagens, aulas, palestras, despesas diversas, envio de amostras grátis, brindes, etc (93% dos médicos paulistas recebem essas benesses, segundo pesquisa do Conselho Regional de Medicina) e c) fixação de indicadores (glicemia, pressão arterial, colesterol, etc.) cada vez menores com o consequente aumento do uso de medicamentos.
O padrão, amplamente majoritário, das consultas médicas na atualidade é muito sintomático. São sessões de poucos minutos (segundo o Manual de Auditoria da Atenção Básica do Ministério da Saúde, o padrão de produtividade no SUS é de quatro consultas por hora). A condição de saúde do paciente é avaliada, em regra, por intermédio de exames laboratoriais. São prescritos, diante do menor indício de dado fora dos padrões estabelecidos, uma série de medicamentos.
Os gastos monumentais com um marketing extremamente agressivo coloca em xeque a indústria farmacêutica. Apurou-se que nove das dez maiores farmacêuticas do mundo gastam mais em propaganda do que em pesquisas (fonte: livro “Tarja Preta” de Marcia Kedouk).
Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, fez, recentemente, essa observação: “Para quem almeja, de fato, melhores saúde e educação públicas, o ponto de partida para tanto é resgatar e enfrentar seus gargalos operacionais sistêmicos. No âmbito do SUS, o desafio é efetivamente resguardar a resolutividade da atenção primária à saúde de 80% a 90% dos problemas mais comuns de saúde da população (a esse respeito, vide estudo da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva) (fonte: conjur.com.br)”. Em outras palavras, o caminho mais eficiente, no âmbito coletivo ou geral, é o foco das atenções e recursos financeiros em ações preventivas de saúde.
Já no plano individual, a “receita” foi bem sintetizada nas palavras do doutor Ícaro Alves Alcântara: “Basicamente, saúde é bem-estar (e não ‘perfeição’) de corpo, mente, espírito e relações sociais (entenda melhor isto acessando os materiais, incluindo vídeo, em www.icaro.med.br)/E hábito é tudo que você faz tantas vezes que agora você repete regularmente, de maneira ‘eficaz’, automaticamente, no seu dia a dia, podendo ser positivos ou negativos e danosos (vícios)/Ou seja, o que mais importa para ajudar seu organismo a recuperar, manter e melhorar a saúde, prevenir ou melhor tratar doenças, é o que você mais faz no seu dia a dia, são seus hábitos” (fonte: livro “Domine sua saúde”).
Nesse campo, a sabedoria popular é insuperável: “é melhor prevenir do que remediar”.
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Excelente matéria. Está na hora de proibir qualquer tipo de serviço implantados dentro das clínicas por laboratórios, acabar com o recolhimento dos crms que estão prescrevendo e o que estão prescrevendo, além de proibir a chamada educação médica continuada- congressos inclusive na Europa.