Fernando Peregrino*
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
(…)
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo
Bertolt Brecht (1898-1956)
Embora o cidadão comum não saiba exatamente o que são Fundações de Apoio, provavelmente já leu ou tomou conhecimento, na imprensa, muitas vezes de forma equivocada e distorcida por operações estridentes de órgãos de controle sobre projetos de pesquisa em universidades federais de ensino superior (IFEs) – apoiados por essas fundações.
Essas informações acabam chegando rapidamente ao público sem permitir um esclarecimento ao cidadão sobre a realidade dos papeis das fundações de apoio a uma universidade.
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As matérias sobre irregularidades em projetos de pesquisa das universidades, que são geridos pelas fundações de apoio, têm provocado danos a imagens e reputações afetando o conjunto dessas entidades responsáveis por mais de 20 mil projetos das universidades apoiadas. Foi o caso recente de um projeto da Universidade de Brasília (UnB).
As fundações, pela lei vigente, são apenas gestoras de um plano de trabalho elaborado e executado com ordenação de despesas a cargo de um responsável acadêmico, que por sua vez, é professor da IFES apoiada. A análise de mérito, avaliação jurídica e procedimentos de aprovação do plano de trabalho se dão tanto nos órgãos financiadores, como nas instâncias das IFES, sempre sob a orientação e resoluções dos órgãos superiores das universidades.
Porém, para dar conta dessa tarefa e melhorar a comunicação é preciso ter mais solidariedade ao sistema IFES-Fundação de Apoio. Ou seja, o posicionamento contundente de solidariedade é fundamental no momento de crise. Como exemplo, o CONFIES se solidarizou imediatamente na ocasião da prisão do reitor Cancellier, da UFSC, e, igualmente, quando reitores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) foram detidos. Entretanto, a reação em relação às ações nas fundações não tem sido reciprocamente imediata, clara e contundente.
Nem precisa dizer, mas cabe aqui ressaltar que o CONFIES está totalmente de acordo com qualquer investigação que se faça, mas dentro da legalidade e com responsabilidade com a imagem das fundações e pessoas envolvidas. O problema central é outro: as operações policiais são precedidas de avaliação dos órgãos de controle, os quais estão muito afastados da realidade do ambiente de pesquisa nas IFES, e emitem pareceres que colocam sob suspeita algumas despesas de projetos de pesquisa, que no ambiente científico e acadêmico são absolutamente normais e legais. Como consequência, as operações policiais têm sido desproporcionais, acompanhadas de divulgação na mídia com excessivo alarde e pré-julgamento de supostos autores. O contexto se transforma em um tribunal que condena antecipadamente através da opinião de todos, desde a visão desconfiada dos órgãos de controle, à desproporção policial e o juízo de valor excessivo dos textos divulgados.
Senão vejamos. No caso do reitor Cancellier, da UFSC, que foi indiciado por desvio de R$ 80 milhões, restou dúvida apenas sobre a concessão de uma bolsa de R$ 7 mil.
Por outro lado, houve um intervalo de vários dias entre a prisão do reitor e notas de solidariedade. Ora, todos sabem que essas arbitrariedades resultantes da visão pré-julgada dos agentes do sistema de controle, polícia e mídia, podem até ser punidas, mas virá tarde demais, depois da desonra que não será recomposta.
Assim foi o caso do reitor da UFSC, veio tarde demais, ele se matou. No caso mais recente, a Operação Koplês que envolveu a Finatec, mobilizou 50 policiais federais acompanhados da imprensa, às 6 horas da manhã, que cumpriram mandados de busca e apreensão nas instalações da fundação que está funcionando com trabalho remoto por conta da pandemia. No que diz respeito ao acesso aos dados dos projetos investigados, a Finatec possui um programa de compliance com Portal da Transparência que disponibiliza os dados dos projetos sob gestão da fundação. Portanto, tal contexto nem justificava a desproporção do que se viu nas notícias.
Por isso, o CONFIES, como representante de mais de 90 fundações de apoio, conclama as universidades e ICTs apoiadas a assumirem uma nova posição, de responderem rápido, firme e veementemente a essas condenações precipitadas, que não dão direito à defesa anteriormente ao escândalo, irresponsável quanto aos impactos nas imagens das fundações e nas vidas dos acusados, e que despeitam o sagrado artigo 5º da Constituição, dos direitos individuais, como o da presunção da inocência e do direito a preservação de sua imagem.
* Presidente do Conselho das Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (CONFIES), diretor da Fundação Coppetec (UFRJ)
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