Se fosse para escolher uma trilha sonora para a greve dos professores da rede pública do Distrito Federal, eu iria de Rise, um clássico da banda Public Image Ltd., aquela em que o ex-punk John Lydon grita repetidamente no refrão: “Anger is a energy”. Foi na pura força da raiva que a categoria decidiu iniciar o movimento em Assembleia realizada no último dia 26, indo contra a própria orientação do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), que tentou de todos os modos evitar a deflagração da greve. Foi inútil: a energia era forte demais para que fosse convencida do contrário pela força da argumentação. E não é difícil entender o porquê.
Os últimos anos não foram flores para a categoria: após o período inicial de “fecha tudo” da pandemia, voltamos ao trabalho com a inglória missão de reinventar todo o nosso modo de ensinar — passando do presencial para o remoto — sem o mínimo de planejamento, capacitação ou estrutura para tal. E todo o esforço dispendido para dar aulas pela plataforma, elaborar materiais impressos, manter o vínculo e o interesse dos alunos foi, para dizer a verdade, praticamente em vão: o aprendizado foi mínimo, a evasão escolar foi grande e a frustração de todos, enorme. Como diz a letra da nossa canção: “The cost was so high and the gain so low”.
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Voltamos então para a sala de aula e encontramos — além do déficit de aprendizado já esperado — crianças e jovens despreparados para retomarem a rotina escolar, com dificuldades de socialização e sofrimento psíquico profundo: eu mesmo perdi a conta de quantos ataques de pânico ou ansiedade presenciei nesse período. Mas não há nada que esteja ruim que não possa piorar, certo? Pois eis que chega o famigerado Novo Ensino Médio: e lá vamos nós correndo mais uma vez para reinventar tudo de novo em cima da hora. O trabalho simplesmente triplicou da noite para o dia: se antes eu dava dois conteúdos diferentes por semestre, hoje são seis — tendo que aprender alguns deles do zero e sem poder contar nem com o apoio de um livro didático. Se vira, malandro!
Weintraubs e companhia
Last, but not least, enfrentamos uma conjuntura política completamente adversa. No âmbito federal, o MEC foi tomado de assalto pelos olavistas, transformado ora em picadeiro (drop the mic, MC Weintraub!), ora em balcão de negócios e propinas, com direito a bíblias e barras de ouro. Teve de um tudo — xingamentos a Paulo Freire, currículo de ministro falsificado, censura ideológica no ENEM etc. —, menos o óbvio, ou seja, ações ou políticas públicas em prol da educação.
No âmbito distrital, não foi muito diferente: nos primeiros quatro anos do governo Ibaneis, tivemos cinco secretários de educação, sendo que apenas dois deles eram efetivamente da área. Dos restantes, um acabou sendo alvo de operação policial contra fraude na merenda escolar enquanto outra simplesmente desistiu de assumir o cargo um dia após ser nomeada — um recorde! A área da educação, definitivamente, não é (e nunca foi) uma prioridade desse governo que, no melhor estilo Joaquim Roriz, só tem olhos para obras e programas assistenciais.
Do teto ao piso
Anos e anos nessa batida e, na hora de abrir o contracheque… Aí não tem jeito, a raiva toma conta mesmo. Se antes podíamos nos orgulhar de termos os melhores salários do Brasil, hoje somos ultrapassados pelos estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Roraima e São Paulo (veja aqui). Hoje o salário inicial dos professores do DF é praticamente o mesmo definido como o Piso Nacional da categoria. Fomos então do teto ao piso em poucos anos! Também pudera, o último reajuste salarial que recebemos foi em 2013 — e ainda por cima, parcelados, sendo que a última parcela só foi paga no ano passado.
É verdade que o GDF vai conceder um reajuste de 18% a todos os servidores públicos distritais, parcelado em 3 vezes (trauma!). Parece bom, mas basta olhar com cuidado para perceber que esse percentual não repõe nem a inflação dos últimos três anos — que foi de 20,37% pelo IPCA. Mais do que isso, esse reajuste nos distancia ainda mais do cumprimento da meta 17 do Plano Distrital de Educação, que estabelece como objetivo a equiparação do vencimento básico dos professores à média da remuneração das demais carreiras de servidores públicos do DF com o mesmo nível de escolaridade. Afinal, como o aumento de 18% é igual para todos, as categorias que já recebem mais vão receber um reajuste maior do que o dos professores, aumentando ainda mais essa diferença. “The written word is a lie”, já nos advertia John Lydon.
Para que a meta 17 fosse cumprida na íntegra, a remuneração dos professores teria que ser reajustada em 87% até o ano que vem, de acordo com cálculos do Sinpro-DF. Realisticamente, ninguém espera que isso seja alcançado em breve ou numa tacada só, mas que ao menos o GDF apresente um plano que aponte nessa direção. Afinal, alguém consegue justificar o fato de os professores receberem menos do que outras carreiras? Acho que nem o ChatGPT é capaz de responder essa.
Outras perguntas são incapazes de serem respondidas: quanto tempo irá durar essa greve? Será que conseguiremos arrancar alguma coisa do governo? Só sei dizer que teremos dias difíceis pela frente, já que o GDF não parece disposto a negociar pra valer. Sigamos então na luta, movidos pela nossa raiva mais do que justificada, mas sem perder a esperança: afinal, “May the road rise with you!”
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