A convite do Centro Lemann de Sobral, junto com outras pessoas ativistas, militantes e acadêmicas, passei parte da semana passada conhecendo o sistema de educação em Sobral (CE), no I Colóquio Centro Lemann – Pesquisas em Equidade na Educação.
Para chegar lá, foi um dia inteiro de viagem. Saí de casa em Curitiba no domingo (6/12) às 6 da manhã. Viagem de avião com escala, depois van, depois ônibus. Cheguei a Sobral às 23h40! É uma cidade no interior do Ceará, a 260 km de Fortaleza, com em torno de 211 mil habitantes. Atualmente tem 65 escolas municipais.
No encontro tinha em torno de 50 convidados/as, 23 dos quais eram pessoas negras, pesquisadoras, ativistas, integrantes de ONGs. Houve um verdadeiro esforço para garantir a equidade racial entre os/as participantes.
Na segunda-feira de manhã discutimos muito a respeito de pesquisas sobre equidade na educação, a partir de quatro dimensões: pedagogias que promovam a equidade; pedagogias específicas para estudantes em situação de vulnerabilidade e exclusão; pedagogias para promoção de equidade na aprendizagem de componentes curriculares específicos; pedagogias voltadas à educação para a equidade. Também discutimos sobre pesquisa aplicada e uso de dados para a promoção da equidade na educação.
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Foram abordados também os seguintes tópicos: gestão de pessoas e alocação de recursos para a equidade educacional; formação profissional para a equidade educacional; criação de ambientes para a promoção da equidade educacional; governança e arcabouço legal para a equidade educacional; medidas, monitoramento e avaliação para a equidade educacional.
Foi enfatizado que equidade não é equivalente à igualdade. Não se trata somente de condições iguais, mas também leva em consideração as diferentes características e realidades dos sujeitos, oportunizando estratégias específicas para assegurar os direitos de cada um. Equidade educacional pressupõe a preocupação com processos justos, de modo que a educação de todos/as os/as estudantes seja considerada como sendo de igual importância. Neste sentido, também foram abordadas questões de diversidade e de desigualdades educacionais.
À tarde fomos visitar escolas da rede municipal de educação de Sobral. Depois, tivemos uma conversa com o atual secretário de Educação de Sobral, Hebert Lima, e sua equipe. Está constatado e comprovado que em Sobral há uma política de Estado de educação, não uma política que muda de nome à medida que os governos se sucedem, ou que acaba quando muda o governo. Lá existe uma política que permanece já há pelo menos 20 anos. A qualidade da educação melhorou em Sobral devido ao investimento. Sobral subiu do 1.366º lugar para o primeiro lugar nacional no Ideb.
Tive a felicidade de ser aleatoriamente escolhido para visitar a Escola Gerardo Rodrigues. Fica entre duas comunidades infelizmente dominadas por duas facções diferentes. Mas tem crianças e adolescentes de classe média também. O que me chamou a atenção já de imediato é que tinha uma placa acrílica com a missão e a visão da escola, construída pela comunidade escolar. Fomos recebidos pela diretora Viviane e pela equipe pedagógica, todos com crachá e cordão lindo. Observei que todas as escolas usam o mesmo crachá, até o próprio secretário usa.
Entramos em todas as turmas, cada uma com em torno de 15 a 20 crianças, todas excitadas e felizes porque tinham prova e exame no dia seguinte. As professoras e os professores em números iguais – já estranhei porque geralmente no Ensino Fundamental I e II a maioria é professora.
Numa das salas perguntei para os/as estudantes se sabiam o que era bullying. Três crianças já responderam na hora: discriminação, preconceito, violência… uma falou usando um termo que acredito ser cearense, dizendo que “é mangar de outra criança”. Eu como estudioso do assunto fiquei surpreso. Para tirar prova dos 9, perguntei se alguém entre eles já tinha sofrido bullying. Uma menina respondeu que sim, “porque sou negra”.
A merenda me lembrou a música “tô com fome e quero merendar”. Perguntei “o que estão comendo?”. Resposta: “cuscuz”. Perguntei, “está gostoso?” Um menino falou que estava faltando carne de sol e outra menina achou que estava salgado. Ninguém agrada ninguém, mas todos comendo cuscuz!
Numa das salas tinha um professor de língua portuguesa. A sala estava cheia de banners, uns dez, com regras de gramática da língua culta. Fiquei extasiado de ver aquela iniciativa.
Com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Sobral está em primeiro lugar no Brasil, tanto nos anos iniciais como nos anos finais do ensino fundamental, além de alcançar níveis de qualidade educacional comparáveis aos dos sistemas de educação de excelência mundial, conforme medido pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Os excelentes resultados educacionais dos/das estudantes de Sobral estão bem acima do que se esperaria do contexto socioeconômico em que eles vivem e aprendem.
Entre uma sala e outra conversei com pessoas terceirizadas (serviço de limpeza) e perguntei o que faziam. Entre eles, um rapaz e uma moça falaram que “estamos fazendo a melhor educação do país”. Uma lágrima escorreu do meu olho.
Fomos para uma sala que sinceramente achei que eu estava entrando na Nasa (North American Space Agency), toda decorada com marcas da Google, do Gmail, Facebook… Era a sala de informática. Na sala da “Nasa” a diretora apresentou um powerpoint de com funciona a escola. Ela sabia tudo sobre o Ideb, tanto quanto nossos estudiosos do Inep, sobre provas do Ceará e provas de Sobral, e afirmou que os testes e as provas servem para avaliar a escola, os/as profissionais de educação, a direção e os/as estudantes.
Há trabalho em equipe. Correm do “salvador da pátria”. A solução tem que ser sistêmica. O ser humano em primeiro lugar, motivado. A nota na escola não é punitiva. Todo ano todo mundo é avaliado, não para punição, mas para melhoria. Há muita motivação, valorização através de premiação, compram até medalhinhas e bótons no 1,99. As crianças querem estudar. Estão sedentas por conhecimento. Parecia uma turma de doutorado.
Uma frase da diretora que me marcou demais foi que as provas e pesquisas são nosso norte, não fazemos nada que não seja baseado nelas, todo o planejamento da escola é baseado em pesquisas, dados e evidências para promover educação de qualidade com equidade para cada estudante. A educação em Sobral está firmemente fundamentada na Ciência da Aprendizagem, que enfatiza três princípios-chave: primeiro, que o aprendizado precisa acontecer com alegria, rigor e propósito; segundo, que a melhoria requer prontidão, oportunidades e incentivos para melhorar; e terceiro, que a melhoria sustentada do desempenho requer uma devolutiva constante e focada. Eu percebi que o “eu” é muito importante, mas o “nós” é imperativo em Sobral.
Na manhã seguinte continuamos a discussão sobre pesquisas e propostas para uma educação mais equitativa. Discutimos sobre indicadores para indução de equidade na educação; experiências de parceria entre centros de pesquisa e redes de educação, inclusive para a promoção de mudanças sistêmicas em educação.
Uma digressão: uma senhora me abordou na frente da escola e falou “Ciro, quero ver você presidente! Posso tirar foto com você? O seu foi o melhor governo!” Falei, “mas eu não sou Ciro!” Mesmo assim, pediu uma selfie!
Neste ano foi aprovado no Senado o Sistema Nacional de Educação. Esperamos que contemple os segredos de Sobral. Uma coisa está certa, aplicar recursos em educação não é “gasto”, é investimento, como estão pautando as Conferências de Educação, sejam elas oficiais (Conae) ou populares (Conep).
Tenho causa, não tenho partido. Minha causa é educação e diversidade, com muita equidade.
Obrigado ao Centro Lemann de Sobral pela oportunidade!
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