Rodolfo Queiroz Laterza *
O Senado aprovou em plenário, por unanimidade, o Projeto de Lei 4503/2023, que dispõe sobre a organização, direitos e garantias das Polícias Civis conforme exigência prevista no artigo 24, XVI , da Constituição Federal de 1988, que outorga à União Federal a competência para definir normas gerais às Polícias Civis em vários aspectos, devendo os Estados legislar em caráter suplementar naquilo que não for contrário.
Desde a promulgação de nossa carta política, quatro projetos de lei distintos tramitavam pela Câmara dos Deputados, sem avanço ou perspectiva de aprovação, diante de impasses corporativistas, dissonâncias setoriais e ausência de clima político favorável.
Desde junho de 2019 a Adepol do Brasil, entidade de classe de âmbito nacional representativa da categoria de Delegados de Polícia desde 01 de novembro de 1970 buscou junto a entidades de classe como a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobracol) um texto de consenso, logrando êxito em atingi-lo em dezembro de 2022, após diversas discussões sensíveis e complexas, tendo em vista o alcance e abrangência do diploma legal em tramitação.
A construção de uma articulação política suprapartidária foi essencial para que o então PL 1949/2007, originalmente encaminhado em 2007 no governo Lula sob a égide do então ministro Tarso Genro, avançasse e atingisse o ponto de maturidade política para votação em plenário.
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O trabalho dos deputados relatores – João Campos na legislatura passada e o abnegado Fábio Costa neste momento – foi hercúleo e fundamental para que as categorias atingissem o ponto máximo de convergência, ainda que cedendo em pleitos específicos.
O texto votado no plenário da Câmara foi tão bem debatido e construído com lideranças de variados matizes políticos e ideológicos que no Senado os relatores, senadores Alessandro Vieira (na Comissão de Segurança Pública) e Fabiano Contarato (na Comissão de Constituição e Justiça e em plenário), mantiveram o conteúdo original na íntegra e lutaram incansavelmente juntamente com as entidades envolvidas (Adepol do Brasil, Cobrapol, ABC, Fenappi e Feneme) para que não houvesse alteração que levaria o texto novamente à Câmara dos Deputados.
Merece reconhecimento o empenho do Ministério da Justiça, que desde o início assimilou a importância da aprovação das Leis Orgânicas das Polícias Civis e Militares e foi determinante para a aprovação escorreita do projeto de lei.
Um detalhe a destacar foi a decisiva postura dos delegados gerais das 27 polícias civis brasileiras, cujo colegiado, presidido por Roberto Gurgel, chefe da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, mostrou plena integração e convergência para aprovação do texto da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis.
Quanto ao mérito, a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis a ser sancionada pelo presidente Lula nesta semana será a certidão de nascimento das Polícias Civis em nível institucional federal, gerando segurança jurídica, padronização organizacional básica, prioridade de uma gestão profissional e qualificada com ênfase na repressão aos crimes hediondos, corrupção, lavagem de dinheiro, homicídios, violência doméstica e familiar e outros delitos que atentam contra a paz social e a dignidade do cidadão brasileiro.
A delimitação das competências específicas no artigo 6° finalmente trará o início de uma pacificação institucional definitiva das Polícias Civis com as demais corporações policiais e com o Sistema de Justiça Criminal, trazendo melhores resultados e previsibilidade objetiva de atuação.
A definição de princípios instrucionais como o uso racional da força e a investigação pautada pela efetividade da tutela penal e pelo respeito aos direitos fundamentais serão marcos de interpretação decisivos para a atuação imparcial e técnica das Polícias Civis.
Os direitos aos policiais civis a serem regulamentados nos Estados serão um mínimo de garantia de respeito à dignidade de centenas de milhares de profissionais que servem com devoção à sociedade, situação de risco contínuo e uma irrestrita plêiade de adversidades diuturnas.
O cidadão brasileiro e a sociedade civil finalmente terão agora policias civis com altos padrões qualitativos de gestão e de profissionalização do sistema de investigação e de inteligência, permitindo melhores respostas no enfrentamento à criminalidade e atuação sistêmica na elucidação de delitos que acometem a sociedade.
Resta agora o maior desafio: implementar a novel legislação sem improvisos ou procrastinação, impedindo que um instrumento legislativo tão positivamente impactante se torne um conjunto de letras mortas. A Adepol do Brasil não permitirá que isso ocorra e a sociedade civil será fundamental para que todos os entes federados cumpram a legislação.
* Rodolfo Queiroz Laterza é delegado de Polícia; historiador; pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica; mestre em Segurança Pública; e presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil).
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