Bianca Stella Azevedo Barroso *, Raquel Branquinho ** e Maurício Assuero Lima de Freitas ***
Esse artigo objetiva trazer algumas considerações, de forma simples e objetiva, sobre o financiamento das campanhas eleitorais das mulheres pelos partidos políticos brasileiros. Estamos cientes da dificuldade que envolve esse tema, principalmente porque causa polêmicas e nenhum sistema de distribuição de valores na política está livre de críticas ou sugestões de aprimoramento.
Vale rememorar que, no Brasil, há um total de156.454.011 pessoas alistadas aptas a votar, destas, 82.733.164 são mulheres, correspondendo a 53% do eleitorado, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
A par disso, o Sistema de Filiação Partidária, também do TSE, registra que existem 15.838.326 eleitores filiados aos partidos políticos, sendo 46% mulheres. O que permite dizer que as agremiações partidárias hoje, ao menos numericamente, são compostas por quase 50% de mulheres.
No entanto, essa proporcionalidade majoritária não é vista no Congresso Nacional, nem nas demais casas legislativas. Pelo contrário, o Brasil amarga o 133º lugar no ranking de mulheres nos parlamentos, considerando a análise de 185 países realizada pela União Interparlamentar em 2023, onde obteve a média de 18,5%.
Leia também
É fato que, entre idas e vindas, esforços e alguns sinais de retrocesso, o Estado brasileiro tem adotadoações afirmativas em prol da participação das mulheres na política, como a destacada imposição legal do percentual de cotas mínima de gênero para registro de candidatura, o que vem efetivamente contribuindo gradativamente para presença das mulheres nos cargos eletivos.
Menos conhecida, mas de suma importância, são as regras para a distribuição de recursos pelos partidos políticos para financiamento das campanhas eleitorais das mulheres.
Importa anotar que o financiamento da política pode ser compreendido por financiamento partidário e financiamento de campanha, e está regulamentado pela Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), bem como pela Resolução nº 23. 607/2019 do TSE.
As duas formas de financiamento contemplam a possibilidade de arrecadação de recursos privados, como as provenientes de recursos próprios, doações financeiras ou advindas de comercialização de bens ou promoção de eventos para arrecadação, na forma do art. 15 da citada Resolução nº 23. 607/2019.
Vamos nos ater, neste ensaio, à parte do financiamento político sustentada por recursos públicos, assim seja no aporte público empenhado ao Fundo Partidário (FP)seja ao Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), que são considerados como recursos próprios dos partidos.
Vale esclarecer que o Fundo Partidário tem previsão constitucional no art. 17 §3º, possui natureza pública, e se destina ao custeio, funcionamento e finalidade dos partidos políticos, mas uma parte deve ser direcionada às campanhas eleitorais atendendo à discricionariedade partidária, sem ultrapassar os limites legais que serão detalhados adiante.
Por sua vez, o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas é formado por dotação orçamentária da União em ano eleitoral, cujos valores são calculados, definidos e distribuídos aos partidos políticos pelo Tribunal Superior Eleitoral na forma da Lei das Eleições.
Para proporcionar o acesso de grupos sociais minoritários na política, como mulheres e pessoas negras, a fim de viabilizar uma participação efetiva e competitiva, o Tribunal Superior Eleitoral vêm estabelecendo novos critérios para lançamento dessas candidaturas através de decisões em processos de consultas e, mais especificamente, pelas Resoluções nsº 23.605/2019 e23.607/2019, que determinaram regras de percentual mínimo, avalizadas, de certo modo, pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 738-DF.
Nessa toada, o Congresso Nacional, a fim de suprir a omissão legislativa, promulgou a Emenda Constitucional nº 117, de 05/04/2022, inserindo no texto constitucional disposições que constituem verdadeiras ações afirmativas já praticadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, estabelecendo o percentual mínimo de 5% dos recursos do fundo partidário na criação e manutenção de programas para participação de mulheres na política, e a garantia de 30% do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário para candidaturas femininas.
No entanto, em razão de pesquisa utilizando os dados estatísticos disponíveis no site do TSE sobre investimentos nas campanhas de homens e mulheres nas eleições gerais de 2022, obtivemos como um dos resultados que, mesmo considerando o maior valor de investimento em campanha eleitoral para mulheres, o percentual chega a apenas 28,54%, comparando-se aos valores destinados a campanhas masculinas.
Tais dados nos permitem concluir que os investimentos nas candidaturas das mulheres ainda estão aquém do mínimo legal.
Neste contexto, a transparência das finanças partidárias, especialmente em relação a clareza na distribuição dos valores destinados às campanhas femininas será fundamental para vigilância do cumprimento das ações afirmativas nas eleições de 2024, e mais, impedir que a regra caia no radar das anistias.
Com foco na fiscalização, a Procuradoria-Geral Eleitoral recomendou aos partidos políticos, em 14/12/2023, que os critérios de distribuição dos recursos para candidaturas femininas e de pessoas negras do Fundo Especial de Financiamento de Campanha sejam realizados de forma detalhada, indicando de forma pormenorizadas quais as razões de escolha, inclusive para seleção dos municípios.
Para além do percentual mínimo, a Procuradoria-Geral Eleitoral sugere que haja um mínimo de recursos a cada candidatura de mulheres e pessoas negras que viabilizem condições para realização de atos de campanha, e que na distribuição do tempo de propaganda seja considerado para efetivamente dar conhecimento ao eleitorado dessas candidaturas.
O texto e o contexto da recomendação eleitoral trazem ínsita a forma como vêm sendo tratadas as candidaturas campanhas eleitorais destes grupos sociais vulnerabilizados. Pois, se para uns as orientações parecem óbvias, não podemos descurar que, por vezes, é preciso escrever e subscrever o óbvio dentro de um Estado Democrático de Direito para se prevenir do benefício da dúvida.
Para completar esta breve análise, voltamos ao começo. Se as mulheres integram, ao menos em números, os partidos políticos de forma proporcional, é justo que esses números também apareçam em valores financeiros investidos nas campanhas eleitorais femininas na mesma proporcionalidade.
Diante da pesquisa realizada, o sentimento latente é que a mulher está inserida no contexto partidário apenas por uma obrigação legal, mas não como um agente capaz de contribuir, de forma efetiva, no processo democrático, haja vista que, para além da sub-representatividade feminina, observa-se que os partidos políticos filiam as mulheres, mas não as financiam na mesma proporção.
* Bianca Stella Azevedo Barroso é membra auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público, promotora de Justiça do MPPE, mestra em Políticas Públicas pela UFPE, diretora da associação do Ministério Público Democrático e integra vários grupos de trabalho na temática de direitos humanos.
** Raquel Branquinho é procuradora regional da República e coordenadora do grupo de trabalho de Combate e Prevenção à Violência Política de Gênero da Procuradoria Geral Eleitoral.
*** Maurício Assuero Lima de Freitas é professor-doutor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Pernambuco.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário