Considerado um dos melhores correspondentes internacionais do Brasil, Jamil Chade, que escreve para o UOL a partir de Genebra, na Suíça, relembra uma experiência que teve na Cisjordânia, onde se ergueu um muro que separa Israel da Palestina e é considerado um dos mais graves exemplos de apartheid social dos nossos tempos.
Passando pelas comunidades palestinas da região, Jamil perguntava: “Mas como foi erguido esse muro? Quem o ergueu?”. E a resposta era sempre um silêncio constrangedor. Até que alguém chegou ao lado dele e pediu: “Não pergunte mais isso, por favor”. Jamil ficou intrigado: “Por quê”. E a resposta: “Porque nós ajudamos a construir”.
Jamil Chade lembrou-se da história ao lançar, na noite de terça-feira (13), junto com a jornalista Juliana Monteiro, o livro que escreveram: “Ao Brasil, com Amor”. Durante os anos de 2021 e 2022, Jamil e Juliana trocaram cartas, que foram publicadas na revista Pessoa, onde trocavam suas impressões sobre o que acontecia no Brasil, no governo Jair Bolsonaro, durante a pandemia de covid-19, e as repercussões que viam de tudo isso no mundo, dos seus respectivos postos de observação. Jamil observa o mundo de Genebra, Juliana de Roma, na Itália, onde vive com sua família. As cartas estão agora reunidas no livro. Nós teremos, na próxima quinta-feira (22), mais chances de conversar com Jamil e Juliana. Eles estarão ao vivo, a partir das 18h30, no Congresso em Foco Talk. Aguarde mais informações.
No lançamento do livro, na Livraria da Travessa, em Brasília, Jamil contou essa história, que Juliana emendou com outras reflexões que merecem ser levadas em conta. Em Brasília por estes dias, com sua família, Juliana resolveu ir até a Esplanada dos Ministérios no dia Sete de Setembro, quando Bolsonaro sequestrou as comemorações pelo bicentenário da Independência e as transformou em um ato de campanha.
A primeira constatação de Juliana: havia muita gente na Esplanada dos Ministérios. Como houve também muita gente nos atos do Rio de Janeiro e de São Paulo. E ela afirma: não viu ali uma horda de boçais rugindo e espargindo o seu ódio contra a humanidade. Juliana viu famílias, de diversos níveis sociais. “Aquelas pessoas podiam até ser equivocadas, mal informadas, movidas por avaliações erradas. Mas o que levava muitos ali não era o ódio, de alguma forma era esperança”.
Ao fazer tais constatações em alguns grupos, Juliana conta que começou a ser hostilizada e cancelada por segmentos da esquerda. Ela, na visão deles, não deveria expressar que Bolsonaro de fato arregimentara um grupo grande de pessoas. Ela não deveria olhar para aquelas pessoas como se seres humanos fossem.
Publicidade“A julgar pelas pesquisas de agora, nós temos algo em torno de 50 milhões de pessoas que consideram Bolsonaro a melhor opção. O que nós vamos fazer depois da eleição com elas? Nós vamos construir um muro e deixá-las do outro lado?”, pergunta Juliana.
A jornalista considera que a forma das reações a ela por essas constatações pelo campo da esquerda ajuda a explicar também muito do nosso drama. E quem conhece Juliana sabe que, a essa altura, ela não tem a menor dúvida quanto à opção que irá tomar no dia 2 de outubro quando entrar na cabine eleitoral. Mas é preciso refletir sobre a forma como fomos construindo todo esse processo. Como todos fomos eliminando as nuances. Como fomos cancelando e hostilizando cada um que não se adequava inteiramente ao nosso pensamento. Quem acompanha este espaço, sabe que essa é aqui também uma preocupação há muito tempo.
No encontro de terça-feira (13), Jamil lembrou ainda o quanto que até hoje é difícil à Alemanha superar a chaga do nazismo. E, sobre a Alemanha, Hannah Arendt já refletira sobre como o mal se dissemina, se entranha, se torna banal, a explicar como as pessoas podem acabar seguindo e admirando valores e ações que normalmente repudiariam. Mas porque estão tomadas por uma interpretação totalmente distorcida da realidade. E Hannah Arendt, ao tentar refletir e compreender isso, também foi no início muito mal compreendida.
A pouco mais de duas semanas das eleições, ainda não somos capazes de dizer qual será o resultado. O que fica, porém, da leitura do livro de Jamil e Juliana, das impressões de quem ama o Brasil e, pelas circunstâncias, hoje o enxerga de longe, é que, qualquer que seja o resultado, o país terá que se reconstruir. Terá que se reconciliar. Terá que destruir os muros que foram sendo construídos.
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