Dayana Rosa *
Não é de hoje que as políticas de saúde mental vêm sofrendo com a fragilização de direitos, normas e avanços conquistados com a Reforma Psiquiátrica, que teve como marco a Lei nº 10.216/2001, responsável pelo fechamento gradual de manicômios e hospícios que proliferavam país afora. Ao longo das últimas décadas, o fenômeno das Comunidades Terapêuticas vêm se alastrando pelo país. Ou seja: entidades privadas, que oferecem internação para pessoas com transtornos decorrentes do uso de drogas ou outros fatores, sem cumprir os princípios da Saúde Mental, estão crescendo e se beneficiando do orçamento público.
É importante destacar que a maioria das comunidades terapêuticas propõe “tratamento espiritual” e trabalho sem remuneração, além de se basear no isolamento dos internos e de já terem sido alvo de diversas denúncias, de acordo com a nota técnica Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras, publicada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e como também demonstrou o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de 2018.
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Na contramão de evidências científicas e dos direitos humanos, o governo está fortalecendo as comunidades terapêuticas ao criar, em janeiro deste ano, um departamento exclusivo para elas por meio do Decreto nº 11.392/2023, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
É importante destacar que, de acordo com o estudo Financiamento Público de Comunidades Terapêuticas, realizado pela Conectas Direitos Humanos e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entre 2017 e 2020, o investimento federal em Comunidades Terapêuticas chegou a R$300 milhões. Se considerados os valores repassados por governos e prefeituras de capitais, atingiu-se R$560 milhões.
Conforme levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), esse valor daria para manter mais de seis mil unidades de Centros de Atenção Psicossociais (Caps) funcionando 24h no Brasil ou para implantar mais de 11 mil novas unidades. Em 2022, existiam apenas 261 Caps 24h no Brasil, sejam eles específicos para álcool e drogas ou não, como mostram os dados da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2022.
Mas quais são as alternativas?
O SUS deve ser a principal estratégia para as ações de saúde mental, pois nele há fiscalização, controle social e respeito aos direitos humanos, diferente do que ocorre nas Comunidades Terapêuticas, que são instituições difíceis de fiscalizar. É o que mostra o Diagnóstico de Saúde Mental, publicação que integra a Agenda Mais SUS, projeto do IEPS e Umane. Por isso, revogar o atual decreto para mudarmos essa situação é urgente. O governo federal precisa ampliar a cobertura dos Caps 24h e das Unidades de Acolhimento, além de centralizar a fiscalização e monitoramento das internações psiquiátricas no Departamento de Saúde Mental, do Ministério da Saúde.
* Dayana Rosa é administradora pública formada pela UFF, mestre e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Foi coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e consultora do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes. Também tem experiência nos Poderes Executivo e Judiciário, onde trabalhou com temas relacionados à vulnerabilidades, violência contra mulheres e desencarceramento. Possui especial interesse nos temas de saúde mental e política de drogas.
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