A pandemia do novo coronavírus dá sinal de que está arrefecendo: e agora? Como conciliar urgências e prioridades, especificamente no que diz respeito à educação? Os graves problemas do passado continuam. As desigualdades aumentaram. Há emergências a serem contempladas. Há uma nova geração que já começa em desvantagem. E os parceiros e competidores estão caminhando a passos mais velozes. E agora? Por onde começar? O que priorizar?
Focamos aqui num aspecto do drama – a transição escola-trabalho. Temos uma população de aproximadamente 210 milhões de habitantes, uma força de trabalho de aproximadamente 106,4 milhões. Dentre os empregados, temos 47,5 milhões no setor formal, 25,5 milhões de conta própria e 20 milhões sem carteira assinada. E ainda temos os nem-nem, um batalhão de cerca de 11,6 milhões de brasileiros de 15 a 29 anos – jovens que nem trabalham nem estudam.
O mercado de trabalho é particularmente cruel em relação aos jovens e mais ainda em relação aos jovens de menor escolaridade. Esses são os que têm maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho e, em época de crise, os primeiros a sair. Apenas para dar um exemplo, quase 40% dos trabalhadores com curso superior encontram-se em ocupações de nível formalmente inferior para as quais, em tese, estariam “superqualificados”, restringindo ainda mais a chance de emprego dos trabalhadores menos qualificados. A pandemia tornou esse quadro ainda mais crítico. No futuro próximo, as novas gerações chegarão ao mercado mais cedo – devido a um possível aumento da evasão escolar. Serão jovens com qualificação ainda mais precária – devido aos dois anos praticamente perdidos. A tudo isso acresce a falta de experiência – as oportunidades também se reduziram nesses últimos anos. E, pelo andar da carruagem nas redes públicas de ensino, ainda não sabemos o que vai acontecer com os que permanecem na escola. O futuro dessa geração não é promissor.
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O que fazer? Quais são os desafios?
Durante a pandemia priorizamos – de certa forma – as populações com maior risco de morte. Não foi bem assim, mas vamos fazer de conta que foi. Agora a prioridade é outra, devem ser as crianças e jovens, pois são o futuro do país. O que isso significa para os governantes? Como estabelecer o tema na pauta das prioridades? Como fazer ecoar essas questões junto aos responsáveis pelos planos econômicos dos candidatos? Junto aos jornalistas que entrevistam os candidatos?
Vejamos o que é preciso fazer, de forma concreta. Primeiro, trazer para a escola os que devem estar dentro dela. A busca ativa deve ser prioridade, e os benefícios dos programas sociais devem rigorosamente estar atrelados com a volta e frequência escolar. Todos sabem o que fazer – se não o fazem é por inércia. Faria sentido, mas é difícil responsabilizar e punir 5.500 redes de ensino. É mais viável estimular com incentivos.
Uma vez na escola, é preciso diagnosticar e organizar as turmas e implementar estratégias adequadas. Existem conhecimentos científicos e experiências de outros países a respeito do que é recomendável fazer. Poucas redes de ensino fizeram isso até o momento – algumas se mobilizam para fazer, mas sequer sabem diferenciar entre testes e diagnósticos. Limitam-se a fazer testes. E o mais difícil é aceitar o resultado do diagnóstico, reenturmar os alunos de forma adequada – e, mais difícil ainda, implementar práticas recomendadas pela literatura científica. Aqui também há pouco o que fazer – o Ministério da Educação não possui competência substantiva no assunto nem possui os requisitos básicos para cuidar da questão. Infelizmente, isso também é verdade para grande número das redes estaduais. Os futuros governos estaduais, para mudar os rumos, precisarão entrar com pleno conhecimento de causa. A campanha eleitoral é um bom momento para testar os seus conhecimentos sobre o tema. No caso das redes estaduais de ensino, há ainda a questão do ensino médio técnico – um tema que o país ainda não conseguiu entender e debater de forma adequada. Quem sabe os economistas-chefes das campanhas terão ouvidos para isso?
E finalmente há as questões de emprego. A prioridade são os nem-nem. Se é fato consumado que não voltam para a escola – mesmo porque muito já concluíram o ensino médio -, cabe conseguir emprego. E para que a solução seja duradoura é importante que sejam empregos qualificantes, ou seja, que permitam aos indivíduos aprender algo e se motivar – para obter uma qualificação profissional ou voltar para a escola. Há inúmeros exemplos bem-sucedidos na literatura internacional. Os candidatos a governo não poderão ser omissos nem declarar desconhecimento do tema.
Existem outras dezenas de desafios. Aqui tratamos de como lidar com os passivos e o passado. No próximo artigo, trataremos dos desafios que já começam a ser apresentados pelo futuro.
Em tempo: nesta terça, 15 de fevereiro, às 12h, vou falar, juntamente com o pesquisador Bruno Ottoni, da consultoria IDados, sobre “A formação de capital humano no Brasil diante das transformações no mercado de trabalho” em uma live do Valor Econômico que será transmitida pelo site e pelas páginas do jornal no YouTube e no LinkedIn.
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