Se alguém quiser uma explicação mais amena do que é o debate que corre em torno do PL das Fake News no Congresso, uma dica é procurar o filme “O Círculo” em algum canal de streaming ou em alguma Sessão da Tarde da vida, preparar um balde de pipoca, encher um copo de refrigerante e sentar no sofá. E, enquanto se deleita com as atuações de Emma Watson e Tom Hanks, abrir a mente para refletir sobre o que está vendo.
O filme está além de ser somente uma diversão pipoca. Está além de ser mesmo somente um filme de ficção científica. O que aparece ali não é uma visão distópica de futuro. O que aparece ali, na verdade, já está acontecendo.
Dirigido por James Ponsoldt, “O Círculo” conta a história de uma Big Tech, esse nome pomposo que a sociedade adotou para tratar as empresas que administram as redes sociais. Emma Watson, mais conhecida por ser a bruxinha Hermione da saga Harry Potter, vai trabalhar nessa empresa, de nome “The Circle”, entusiasmada com todas essas coisinhas descoladas e bacanas que a turma do Vale do Silício vende como oportunidades sensacionais de emprego: mesa de totó e videogame na sala, trabalhar de bermuda, etc.
A empresa “The Circle” se dispõe a resolver todos os problemas do cidadão a partir da sua única conta na rede social. Com o tempo, todo cidadão americano vira usuário da mesma rede social. Ora, se todo mundo está conectado ali, por que não usar a rede para tratar dos problemas do país? Por que não votar pela rede? Por que não fazer pela rede os grandes debates nacionais? Por que não o presidente da República tomar suas decisões pela rede?
E, assim, as coisas acabam acontecendo. Até a personagem de Emma Watson conseguir obter a resposta para aquele “por que não?”. Não porque aquela rede social é uma empresa privada. Porque, como empresa privada, existe para ganhar dinheiro com o seu negócio. Porque aquela empresa privada passa para cada usuário a sensação de que ele é dono do seu pedaço na rede social. Mas, no fundo, o usuário não é dono de nada. As redes sociais têm donos. E os donos não somos nós.
O que a personagem de Emma Watson descobre é que o dono da rede social, interpretado por Tom Hanks, especulava alto no mercado financeiro com as decisões da sociedade que ele manipulava por ali. Quando um presidente era escolhido, quando um plebiscito decidia por alguma coisa, quem lucrava com aquilo era ele.
PublicidadeEis aí, ao custo de um balde de pipoca, um copo de refrigerante e talvez algum aluguel de streaming, a resposta para o debate.
Talvez o PL das Fake News que tramita na Câmara tenha problemas. Talvez haja pontos ali que precisam ser mais bem delineados. Talvez haja questões que ainda precisam ser debatidas.
Mas, definitivamente, não se trata de uma discussão sobre censura. Sobre falta de liberdade de expressão. Porque quem está do outro lado, as Big Techs, não entregam exatamente liberdade de expressão. Como ninguém sabe ao certo de que forma isso acontece, como esses dados não são transparentes, no fundo é das próprias Big Techs que pode estar vindo um tipo de censura.
O que bomba na internet, o que tem alcance, o que irá para os Trend Tops, é fruto de uma série de algoritmos que nós desconhecemos. Que ingredientes entram nessa receita de bolo nós não sabemos. Tomando-se exatamente a ideia da receita de bolo (e um código algorítmico é uma receita de bolo), é como incluir farinha de trigo (mas você não pode comer glúten), mais açúcar (mas você é diabético), mais sal (mas você é hipertenso). Ou seja: essa receita é feita ao gosto do patrão, e não ao gosto do cliente. Para atender aos interesses dele, e não aos seus.
Se não houver transparência nisso, poderá ser aí que estará havendo censura, e não ao contrário. E nós, iludidos por uma falsa ideia de que somos os donos dos nossos canais de expressão nas redes sociais, entregaremos a empresas, cujos donos às vezes nem sabemos direito quem são (o Telegram, por exemplo, nem sede direito tem no Brasil), o comando do nosso destino.
Assista a “O Círculo”…
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