Alexandre Ribondi foi muito mais do que um artista. Ele foi um pioneiro do movimento LGBT na capital do Brasil e desempenhou um papel crucial na formação dos direitos e da visibilidade da nossa comunidade. Nascido em Mimoso do Sul, no Espírito Santo, chegou à capital federal, Brasília, aos 15 anos em 1968. Enviado por sua família, se tornou parte integrante do crescimento e transformação da cidade e do país.
Sua vida foi marcada por eventos e realizações significativas. Ele foi vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) em maio, aos 70 anos. Faleceu em um sábado, no dia 10 de junho de 2023, no mesmo mês em que o mundo comemora o Orgulho LGBT, um dia antes da realização da maior marcha do orgulho LGBT do mundo, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Ele suportou uma jornada turbulenta, incluindo tortura e prisão durante a ditadura militar, e viveu exilado na França. Em Brasília, ele se especializou como jornalista cultural, trabalhando para jornais proeminentes como Correio Braziliense e Jornal de Brasília.
Em 1979, Ribondi fundou o Grupo Homossexual Beijo Livre, a primeira organização LGBTQ+ no Distrito Federal e uma das primeiras no Brasil. O nome do grupo foi derivado de um evento significativo que ocorreu naquele mesmo ano. Um casal de amigos foi repreendido por um membro da equipe do Bar Beirute – que seria logo mais um renomado estabelecimento LGBTQ+ na Asa Sul, em Brasília – depois de trocar um beijo. Indignado, Ribondi e seus amigos voltaram ao bar no final daquele ano para encenar uma exibição coletiva de afeto chamada “Beijo Livre”, semelhante à versão brasileira da revolta de Stonewall. A voz que deflagrou o protesto era de Alexandre Ribondi.
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Ao longo das décadas seguintes, Ribondi conduziu inúmeras oficinas de teatro, escreveu livros e dirigiu peças, muitas das quais se concentraram em temas LGBT. Em 2016, ele co-fundou a Casa dos Quatro, um espaço multicultural em Brasília que enfatiza a defesa dos direitos LGBT. Em sua militância, às vezes de linha de frente, às vezes na própria forma de ser, sempre esteve na vanguarda dos debates sobre liberdade e democracia. Liderou movimentos sociais, escreveu para jornais alternativos, produziu peças de cunho crítico, como “a Felicidade”, sobre a Vivência LGBT na Periferia, contada por jovens da Cidade Estrutural, uma das regiões mais vulnerabilizadas do Distrito Federal e que abrigava o maior lixão da América Latina, a 13 quilômetros de Brasília.
Não há exagero em reafirmar a importância no protagonismo de Alexandre Ribondi na fundação do grupo Beijo Livre em 1979. Um grupo de amigos de jornalismo, artes e origens intelectuais abriu o caminho para o progresso significativo visto nos dias de hoje. O coletivo que plantou essa semente foi chamado Beijo Livre e contribuiu para a história transformadora do movimento LGBT na capital bem como no pais.
Pioneiro, é assim que definimos esse coletivo, que surgiu alguns meses depois que o primeiro grupo LGBT nacional do Brasil, o Grupo Somos, foi formado em São Paulo em 1978. Uma revolução do arco-íris estava se desenrolando no país, e o Beijo Livre trouxe a capital, Brasília, para a vanguarda com apenas 19 anos de existência. Uma das figuras mais proeminentes deste movimento foi Alexandre Ribondi, um jornalista, dramaturgo, ator, diretor e escritor que deixou uma marca indelével no cenário cultural do Distrito Federal.
PublicidadeEmbora a data exata seja perdida, um marco significativo ocorreu no Bar Beirute, na 109 Sul. O bar, um ponto de encontro para “entendidos” (como os gays eram referidos na época) em Brasília, era conhecido por discussões sobre arte, política, relacionamentos e outros tópicos relacionados. Foi o local para o lançamento do grupo e ficou conhecido como o Beijo Livre após o incidente histórico.
De um beijo a um grito por mudança, o coletivo formado por amigos se revoltou e voltou ao bar para neutralizar as restrições que enfrentaram. Eles encenaram uma das primeiras demonstrações públicas de afeto do mesmo sexo no Brasil, possivelmente a primeira. O ato destemido transformou o bar em um símbolo de empoderamento. No entanto, nem tudo são flores. Como o bar ganhou uma reputação como um local de convivência LGBT. Nem todos os membros da comunidade abraçaram o local como um símbolo de empoderamento. Alguns preferiram evitar o bar, com medo de serem rotulados ou estigmatizados. Essa reação mostra como as percepções e atitudes podem variar dentro de uma comunidade diversa, onde cada indivíduo tem suas próprias experiências e perspectivas.
Mesmo assim, o beijo destemido teve um impacto significativo. Ele tornou o Bar Beirute um marco na capital do Brasil, sendo referência não apenas para a comunidade “entendida” mas também para outras pessoas que buscavam a liberdade de serem elas mesmas. Essa ação corajosa mostrou que a expressão afetiva e a busca pela felicidade não deveriam ser limitadas ou reprimidas, mesmo em um contexto social desafiador como a Ditadura Militar.
Em 2019 eu estive mais uma vez com Ribondi, dessa vez para lembrar daquele episódio que se deu há mais de 40 anos atrás no Beirute e para hastear a nossa bandeira do arco-íris em símbolo ao movimento protagonizado por Alexandre e seus companheiros naquele local. Uma carta de memórias compartilhadas por Romário Schettino e lida por Alexandre Ribondi naquele ato, nos recordavam a luta histórica do Grupo Beijo Livre e sua contribuição para a conquista dos direitos e a visibilidade da comunidade LGBT em Brasília e no Brasil.
“Quando vejo hoje jovens, homens e mulheres, senhores e senhoras, andando de mãos dadas, se abraçando e se beijando em público me lembro de nossas primeiras reuniões do Grupo Beijo Livre, em plena Ditadura Militar. Era 1979 e um grupo de gays “entendidos” resolveu discutir políticas de inclusão (nem sabíamos que o nome seria esse) e levantar a bandeira da liberdade sexual. E, mais do que isso, ir atrás do afeto e da união das pessoas em torno de um objetivo: a felicidade. Naquele tempo, éramos poucos. Reuníamos em uma sala pequena, emprestada pela coordenadora do SESC, a Maria Duarte, para ler as cartas que chegavam ao Beijo Livre via Caixa Postal e preparar ações que pudessem repercutir de alguma forma na sociedade brasiliense. Participamos dos primeiros encontros nacionais em São Paulo. Fizemos o primeiro beijaço no Bar Beirute porque dois de nossos membros tinham sido expulsos do bar porque estavam se beijando na semana anterior. Escrevemos uma carta ao Papa João Paulo II exigindo respeito aos homossexuais e, sobretudo, acolhemos as angústias dos gays que não tinham com quem conversar”
Essas palavras de Romário Schettino refletem a importância e coragem do Grupo Beijo Livre durante a Ditadura Militar no Brasil. Eles se reuniam secretamente para discutir políticas de inclusão, buscar liberdade sexual e promover o afeto e a união entre as pessoas em busca da felicidade. Mesmo enfrentando desafios e repressão, o grupo realizou ações como o primeiro beijaço no Bar Beirute em resposta à expulsão de membros do grupo por estarem se beijando.
As contribuições dadas por Alexandre Ribondi e demais membros do Beijo Livre à democracia, direitos humanos, civis e luta pelo direito de ser e amar são incalculáveis. Por isso Alexandre Ribondi se imortaliza como uma das personalidades mais imprescindíveis dos últimos tempos. Daqueles que não se conformaram com as injustiças e as limitações impostas e se levantou corajosamente para transformar a dura realidade. Por toda a sua arte, vida e coragem vamos celebrar a alegria de ter tido a oportunidade de conhecer a potência que representou Alexandre Ribondi. Ribondi presente!
✊🏾🏳️🌈Linha do tempo
- 1952: Alexandre Ribondi nasce em 12 de dezembro em Mimoso do Sul (ES).
- 1968: Aos 15 anos, Ribondi se muda para Brasília, a capital federal, enviado pela família.
- 1979: Ribondi funda o Grupo Homossexual Beijo Livre, a primeira entidade LGBT do Distrito Federal e uma das primeiras do Brasil. O grupo nasce meses depois do Grupo Somos, de São Paulo.
- 1979: Ribondi protagoniza o primeiro beijaço LGBT registrado no Brasil, em resposta a uma advertência por beijar seu então namorado no Bar Beirute, em Brasília.
- 1980: Houve o I Encontro de Grupos Homossexuais Organizados (EGHO) e o I Encontro Brasileiro de Homossexuais (EBHO) em São Paulo. Beijo Livre estava presente nesses e nos seguintes.
O Beijo Livre produziu o jornal “Manga Preta”, para expor as ideias do grupo, que era panfletado nas boates LGBT e em bares da cidade. O Beijo Livre produzia shows na Boate Aquarius (SDS-Conic), peças de teatro e criou a Bunda do Delírio, uma ala desorganizada do Pacotão. - 1982: O Beijo Livre desmobiliza-se, mas o desejo por liberdade e igualdade nunca mais voltaria para o armário no Distrito Federal.
- 2016: Ribondi é um dos fundadores da Casa dos Quatro, um espaço multicultural em Brasília que defende os direitos LGBT.
- 2019: Durante a Parada do Orgulho LGBT de Brasília, Ribondi lê trechos da carta escrita por Romário Schettino, seu ex-namorado, que descreve a história e as conquistas do Grupo Beijo Livre nos seus 40 anos de existência e os 50 anos da Revolta de Stonewall.
- 2023: Ribondi falece aos 70 anos após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), um dia antes da maior parada do orgulho LGBT do mundo.
Ao longo de sua vida, Alexandre Ribondi foi um jornalista, dramaturgo, ator, diretor e escritor que contribuiu significativamente para a cultura do Distrito Federal. Ele enfrentou a ditadura militar, sendo preso e torturado, e viveu em exílio na França. Ribondi foi uma figura importante na formação da identidade LGBT em Brasília, fundando o Grupo Beijo Livre e lutando pelos direitos e visibilidade da comunidade. Seu legado inclui oficinas de teatro, livros, peças teatrais e a criação da Casa dos Quatro, um espaço multicultural que defende os direitos LGBT.
Hoje, enquanto escrevo estas palavras, meu coração transborda de gratidão e tristeza ao me despedir de um verdadeiro herói: Alexandre Ribondi. Ele, cujos primeiros passos na luta LGBTQIAP+ no Distrito Federal e no Brasil abriram caminho para a liberdade que hoje desfrutamos. Sua coragem inabalável e determinação incansável romperam barreiras e deram voz a tantos corações silenciados. Sem sua bravura, talvez eu não tivesse a liberdade de expressar minha verdade nesta carta de despedida. Alexandre, seu legado viverá eternamente em nossa memória e conte comigo para continuar a travar esta batalha pela igualdade e por nossos direitos. Descanse em paz, meu amigo, sabendo que você fez a diferença em nossas vidas.
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