Os alagoanos são vítimas de um antigo estereótipo de que são mais violentos do que uma certa “média” nacional. Essa percepção complexa e multifacetada se baseia em diversos elementos, incluindo episódios históricos importantes. Portanto, é fundamental analisar essa imagem, construída ao longo do tempo, a partir dos vários contextos socioeconômicos influenciadores.
Nos primórdios do Brasil, um conhecido acontecimento, com traços de uma peculiar violência, parece ter inaugurado a aludida fama dos alagoanos como um povo violento. Em 1556, após um trágico naufrágio no litoral alagoano, o bispo dom Pero Fernandes Sardinha foi morto e devorado pelos índios caetés em um ritual de canibalismo.
Não obstante uma série de polêmicas, envolvendo as figuras de Ganga Zumba e Zumbi, o Quilombo do Palmares protagonizou uma forte resistência, inclusive com embates sangrentos, contra o domínio da Coroa Portuguesa. Localizado no atual território de Alagoas, era uma comunidade formada por escravos negros que escaparam de fazendas, prisões e senzalas. Com uma extensão semelhante ao tamanho de Portugal e com cerca de trinta mil habitantes, o Quilombo e seus líderes mais famosos contribuíram fortemente para a fixação no imaginário popular do recurso a expedientes violentos por parte dos alagoanos.
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Outro fator determinante da formação de uma imagem truculenta dos alagoanos está relacionado com o fenômeno denominado de cangaço. Admite-se que entre 1870 e 1940 os cangaceiros dominaram o sertão nordestino, incluindo as terras alagoanas. Os mais variados tipos de violência foram associados aos cangaceiros (saques, homicídios, roubos e estupros). As avaliações social e política do cangaço mostram inúmeras controvérsias. Ao mesmo tempo em que demonstravam a insatisfação com as condições precárias de vida da maioria da população nordestina, mantinham fortes vínculos com grandes fazendeiros (coronéis). Não parece existir a menor dúvida acerca do surgimento de uma figura icônica entre os cangaceiros, inclusive em função do uso intenso da violência física. Trata-se de Lampião, considerado o “Rei do Cangaço”. Virgulino Ferreira da Silva, nascido em 1897, foi coronel da Guarda Nacional e passou, com seu bando e sua companheira Maria Bonita, por quase todos os estados do Nordeste.
Como referido, o cangaço nordestino conviveu com uma peculiar estrutura de poder político conhecida como coronelismo. As figuras dos coronéis, normalmente grandes fazendeiros, controlavam a atuação do Poder Público com a utilização de procedimentos que envolviam o apadrinhamento, a fraude eleitoral e o recurso a ações violentas de jagunços, capangas e pistoleiros. Esse foi mais um elemento importante na formação da imagem violenta dos nordestinos, em particular dos alagoanos.
No Nordeste brasileiro, em especial na segunda metade do século 19 e na primeira metade do século 20, vários indivíduos, conhecidos como jagunços ou capangas, realizavam o trabalho paramilitar de proteção e segurança de coronéis e outras lideranças políticas. Os pistoleiros, integrantes da fração mais violenta dos capangas, realizavam as missões de eliminação física de adversários políticos e toda sorte de pessoas tidas como inconvenientes para os interesses dominantes.
São inúmeras as histórias, verídicas, modificadas ou inventadas, envolvendo os pistoleiros. Nesse sentido, o filme “Lisbela e o Prisioneiro”, dirigido por Guel Arraes, conta com a presença do pistoleiro alagoano Frederico Evandro, brilhantemente protagonizado pelo ator Marco Nanini. Em uma certa cena da película, Frederico Evandro é indagado se teria coragem de atentar contra uma vida humana. A resposta dada, vista com variações em inúmeras histórias, foi: “Coragem não tenho. Tenho é costume”. Por essas e outras não é de se estranhar a associação dos alagoanos com a violência.
A vida de Tenório Cavalcanti, político alagoano com forte atuação na baixada fluminense nas décadas de 50 e 60 do século passado, foi retratada no filme “O Homem da Capa Preta”. O ator José Wilker interpretou com maestria o estilo político agressivo e muitas vezes violento do deputado Natalício. Não faltou o destaque para a “Lurdinha”, submetralhadora que Tenório escondia sob a capa. A imagem dos alagoanos violentos ganhou considerável reforço com a mística do “homem da capa preta”.
Recentemente, a Assembleia Legislativa de Alagoas lançou um documentário sobre o tumultuado impeachment do governador Muniz Falcão, ocorrido em setembro de 1957. O episódio rendeu um intenso tiroteio em plenário. A percepção de que os alagoanos são violentos se intensificou bastante.
Consta que no dia 12 de setembro de 1957, véspera da votação do impeachment do governador, foram levantadas barricadas com sacos de areia no plenário da Assembleia Legislativa de Alagoas. Também circulou a notícia de que o líder do governo e sogro do governador, deputado estadual Humberto Mendes, havia anunciado que atiraria contra o primeiro que votasse a favor do impeachment. Segundo rumores, plantados ou não, Humberto Mendes encomendou 22 caixões para os parlamentares da oposição.
São vários os registros de que no início da tarde ensolarada do dia 13 de setembro de 1957, inúmeros parlamentares chegaram à Assembleia Legislativa vestidos com pesadas capas de chuva. Essas inusitadas vestimentas escondiam poderosas metralhadoras. O presidente da assembleia, deputado Lamenha Filho, dispensou o serviço de taquigrafia e adotou gravadores para registrar a sessão.
“Segundo o enviado especial do Correio da Manhã, Márcio Moreira Alves (1936-2009), então com 21 anos, eles [os deputados governistas] tiraram metralhadoras dos sobretudos e varreram o plenário com rajadas. A oposição, que também estava armada, reagiu à bala. A troca de tiros durou pelo menos dez minutos. O deputado Humberto Mendes foi atingido no confronto e morreu, além disso oito pessoas ficaram feridas. O próprio jornalista acabou também ferido com um tiro mas, mesmo no hospital, escreveu o texto de 17 linhas sobre o episódio publicado no jornal. Com isso, acabou ganhando o prêmio Esso de Jornalismo. Após o episódio, o presidente Juscelino Kubitschek decretou intervenção em Alagoas, que foi ocupado pelo Exército. Sem os deputados governistas, a oposição se reuniu sozinha e aprovou o impeachment de Muniz Falcão. O governador se afastou, mas recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte considerou a decisão ilegal, por não ter tido a participação dos governistas, e a anulou. Além disso, houve nova sessão, com os dois lados. Mais uma vez, o governador foi afastado. Foi julgado por um tribunal misto de parlamentares e desembargadores, que não aprovou a acusação de crime de responsabilidade. Voltou ao cargo em 1958 e concluiu o mandato em 1961” (fonte: estadao.com.br).
Evidentemente, a fama de que os alagoanos são violentos não faz justiça com a imensa maioria dos habitantes das Alagoas. Os alagoanos, assim como os demais nordestinos, são alegres, pacíficos e acolhedores. O que não significa passividade e cumplicidade com opressões e desmandos de várias naturezas.
As figuras e fenômenos de violência retratados mostram uma sociedade caracterizada, ao longo da história, por profundas diferenças e opressões socioeconômicas. A violência aparece como traço significativo em inúmeras formas de resolução de conflitos e afirmação do poder político-econômico. São inegáveis marcas de um convívio social profundamente atrasado, incapaz de utilizar métodos pacíficos e construtivos na solução de diferenças e entraves.
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