Eugênio Aragão *
O uso do poderio militar contra outra nação, como meio de criar sinergias políticas internas, não é nada de novo. Às vezes dá certo, outras vezes não. Adolf Hitler soube reunir o povo alemão em torno de si em 1938, ao promover a anexação da Áustria e invadir a Checoslováquia, para trazer os sudetos de volta ao Reich. Se tivesse morrido logo após, provavelmente seria festejado na história alemã à imagem e semelhança de um Otto von Bismarck. O problema foi o que veio a partir do ano seguinte.
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Leopoldo Galtieri, chefe da junta militar que estava à frente da ditadura sanguinária argentina, também usou a guerra para unir a sociedade em torno de seu projeto político. A invasão das Ilhas Malvinas foi um golpe publicitário mal calculado. De fato, durante os breves meses da campanha militar o patriotismo dominou a opinião pública no país, fazendo-a esquecer da ilegitimidade de quem provocou o conflito.
Se o general Galtieri tivesse vencido a Guerra, provavelmente daria mais uns aninhos de vida ao regime atroz que presidia. Mas, para seu azar e o de milhares de famílias argentinas que perderam seus filhos numa batalha inglória, assim não se deu. Os militares daquele país subestimaram a disposição da Dama de Ferro, Margaret Thatcher, que governava o Reino Unido, de usar o confronto, também, para estimular apoio popular em seu favor. Galtieri sepultou a ditadura militar com a derrota e Thatcher, vitoriosa, entrou para a história como uma das figuras mais prestigiadas da política britânica.
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Donald Trump parece que quer usar a carta da guerra para ganhar o jogo eleitoral deste ano. Acossado por um processo de impeachment iniciado por sua maior adversária doméstica, a presidente da Casa de Representantes, Nancy Pelosi, pretende que um conflito que faça “America great again” possa se tornar eficiente cortina de fumaça sobre seus desacertos. Curiosamente, parece estar fazendo o que acusou Barack Obama de fazer no ano eleitoral de 2016: armar uma guerra com o Irã para garantir vitória aos Democratas nas eleições.
É inegável que os riscos dessa jogada são enormes, mas as chances de Donald Trump se dar bem não podem ser subestimadas. Ao mandar assassinar Qasem Suleimani, sabia que estava enviando um petardo de elevadíssimo potencial destrutivo para o Oriente Médio. Tanto assim é, que pôde facilmente constatar que nenhum de seus antecessores ousara tanto. Mas superou o vacilo destes em poucos minutos: aproveitou o ataque da milícia xiita iraquiana à embaixada norte-americana em Bagdá para dar o recado bélico à liderança do Irã – podem vir que estamos dispostos ao confronto!
Se o Irã devolver a agressão de Trump com a mesma moeda, ao atacar alvo estratégico norte-americano, israelense ou saudita em suas cercanias, dará o pretexto que o candidato presidencial busca para desencadear um conflito de larga escala na região. Parece que o tempo também está maduro para os aliados norte-americanos Israel e Arábia Saudita, para redefinir sua hegemonia em face do inimigo xiita. Para os EUA, tê-los como parceiros numa aliança militar contra o Irã é mais que oportuno: empresta legitimidade à aventura armada.
A liderança iraniana é tudo menos ingênua. A construção de um eixo de resistência contra o domínio norte-americano na região, com a Síria, o Líbano e o Iraque, foi tarefa que tomou anos e muita inteligência articulada. Conhece os pontos fortes e as debilidades do poderoso inimigo. Não vai derreter seu capital estratégico num golpe de retorsão impensada. Sabe que contra-atacar agora é tudo que Donald Trump quer; ele está preparado para isso e precisa tirar vantagem eleitoral dela. A resposta iraniana deverá se fazer esperar e terá lugar quando os norte-americanos já não mais a esperarem, contra um alvo que deixará dúvidas sobre se foi atingido pelos iranianos ou por outra força regional. De preferência, se dará fora do calendário eleitoral, para frustrar o plano político do agressor.
Donald Trump tem pressa. Se quisesse reação menos estringente da República Islâmica, teria alvejado um objetivo suave. Mandou matar o comandante das Brigadas Quds, porque queria resposta imediata. Qasem Soleimani não era um qualquer, mas, muito mais do que um major-general, era o estrategista-mor da presença iraniana no Iraque, na Síria e no Líbano. Na cadeia de comando real do regime de Teerã, se colocava no topo da hierarquia, com acesso direto ao líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei. Atingi-lo não é nada menos do que atingir o segundo homem do Irã. É como se as Brigadas Quds mandassem assassinar Mike Pence, vice-presidente norte-americano. Definitivamente, não é pouca coisa. E resposta seguramente não faltará.
Dois atores, entretanto, deverão influenciar o andar da carruagem. A Rússia, que tem relação de proximidade com Teerã, e a Turquia, que já mostrou ter pretensões próprias na região, não alinhadas com as de Israel e Arábia Saudita. Até que ponto arriscarão entrar num conflito de desfecho imprevisível só o tempo dirá. Mas, se for para dissuadir os EUA de levar adiante a aventura eleitoreira, ambos podem desempenhar papel de grande relevância. A dissuasão manteria Irã dono do jogo para os próximos passos e Donald Trump frustrado por um tiro caído n’água. É esperar para ver.
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* Eugênio Aragão é subprocurador-geral da República aposentado, professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília (UnB). Foi ministro da Justiça.
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