Marcelo Aith*
“Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”. A frase foi extraída do lapidar voto da ministra Rosa Weber quando do julgamento das liminares nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Sua Excelência irá manter esse entendimento, eis a questão? Vamos rasgar ou não a constituição e jogarmos na latrina um dos mais caros direitos fundamentais que é a liberdade de locomoção?
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O Supremo Tribunal Federal, pela sua composição plena, decidirá o destino do constitucionalíssimo artigo 283 do Código de Processo Penal. Conforme lançado por Lenio Streck em sua sustentação oral a constitucionalidade espelhada do citado preceito normativo é de uma clareza ímpar, que não comporta outro entendimento, a não ser para os “Eminentes Ministros”, habitualmente se despem de seu mister de guardião da Constituição da República para julgar ao sabor da plateia.
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Com efeito, o que se quer discutir é a possibilidade de alguém ser preso após condenação em segunda instância. Melhor dizendo, antes do trânsito em julgado, isto é, com esgotamento das vias recursais ordinárias e extraordinária.
O texto constitucional expressamente aponta que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). O dispositivo constitucional é claríssimo, ninguém sai da condição de acusado para condenado sem que a haja sentença penal condenatória transitada em julgado. O ministro Ricardo Lewandowski assevera, em inúmeras oportunidades, que: “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo”.
Não se pode olvidar que a decisão pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP não importará na impossibilidade da manutenção ou da prisão de réus que preencham os requisitos e pressupostos dos artigos 312 e 313 do Estatuto Processual Repressivo, ou seja, havendo a necessidade do encarceramento cautelar os acusados serão presos.
Não há menor dúvida que deve ser sopesada caso a caso se deve ou não determinar a prisão preventiva do réu. O que não pode é sobrepujar, como pretende o ministro Roberto Barroso, a pretensão punitiva ao status libertatis pura e simplesmente com a condenação em segunda instância.
Quando do julgamento realizado no dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, ao julgar o Habeas Corpus 126.292/SP, relatado pelo ministro Teori Zavascki, por maioria de votos, considerou que é possível dar início à execução da pena após à confirmação da sentença condenatória em segundo grau. Uma aberração para dizer o menos!
A fundamentação para tamanha teratologia consistia no fato de que a condenação em segunda instância encerraria a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena, ainda que provisoriamente. É uma interpretação pueril, pois as Cortes Superiores podem rever penas ilegalmente aplicadas, afastar provas ilegais, para tanto analisam, sem sobra de dúvidas, os fatos. O que não podem é revolver as provas ou fazer novas instruções.
Assim, poderiam manterem presos pessoas inocentes. Cumpre destacar que 30% (trinta por cento) das condenações são revertidas no Superior Tribunal de Justiça, quer com a mudança de regime, quer com a redução da pena, quer ainda com a absolvição como ocorreu no RHC nº 61.367 – RJ, Relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27 de fevereiro de 2018, oportunidade que o C. STJ: “Acontece que, para fins penais, as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, na esteira também de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento o Habeas Corpus n. 125.218/RS, não admitem que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sejam por ela repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois não precedida de autorização judicial a sua obtenção, o que viola o princípio constitucional da reserva de jurisdição.”
Torna-se evidente que as Cortes Superiores podem, via recursal, modificar o destino de um ser humano. Não se pode julgar no afã midiático, para agradar a população, fazendo tábula rasa da Constituição.
No mesmo sentido, segundo Gustavo Badaró, há que ser feita as seguintes indagações àqueles que defendem a esdrúxula possibilidade de início de cumprimento de pena com a condenação em segunda instância: “seria da essência da presunção de inocência que tal estado do acusado vigore temporalmente até que a condenação transite em julgado?” Inequivocamente a resposta é não.
Causou arrepios na sessão do último dia 23 de outubro, a declaração do ministro Edson Fachin que asseverou que: “É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última corte constitucional tenha sido examinado”.
Ora, nobre ministro, o objeto das presentes ações declaratórias de constitucionalidade é a análise da conformação do artigo 283 do Código de Processo Penal com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e não a viabilidade ou não de se manter solto quem ficou em liberdade durante todo o processo e ainda pende julgamento de recurso nas vias extraordinárias. Acolher esse entendimento é permitir mutações de cláusulas pétreas em desfavor dos cidadãos, uma evidente aberração.
Por derradeiro, não se poderia olvidar da magnífica lição do decano Celso de Mello. Sua Excelência, com a clareza e ponderação que caminharam junto a ele durante sua longe e irretocável história na magistratura nacional, enfaticamente, defende a incompatibilidade da execução provisória da pena com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente conforme expressamente garante a Constituição Federal. Segundo o ministro, a presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.
Os ministros que ainda faltam votar tem, em respeito à toga que vestem, o dever se apartar das inflexões midiáticas e das pressões sorrateiras exercidas por algumas classes e se pautar na mens contitucionalis, a qual buscou com o artigo 5º, inciso LVII, conforme lição de Badaró, “dar efetividade máxima ao compromisso do Estado brasileiro com a preservação da dignidade da pessoa humana, reforçou entre nós a garantia da presunção de inocência: estabeleceu como marco temporal final de sua aplicação o momento derradeiro da persecução penal. O acusado tem o direito de que se presuma a sua inocência “até o trânsito em julgado” da sentença penal condenatória”.
Não poderia deixar de finalizar com a declaração da ministra Rosa Weber, que categoricamente afirmou em outra oportunidade que “Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”. Senhores Ministros! pensar e dizer o contrário é rasgar o direito fundamental à presunção de inocência e ferir de morte a Constituição da República. O destino do Estado Democrático de Direito está nas mãos dos integrantes da Corte Máxima do país.
*Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Criminal e Direito Público
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