Bruna Pannunzio e Rafael Bruza, da TV Democracia *
Defensor de vários acusados na Operação Lava Jato, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida, conhecido como Kakay, defende que o também advogado Tacla Duran receba um salvo-conduto para vir ao Brasil prestar depoimentos no Judiciário e no Congresso, sem correr o risco de ser preso.
“Tem que dar a ele (Tacla Duran) um salvo-conduto para ele vir ao Brasil, para que possa ir à Câmara, para que possa ir ao Senado, para que possa se manifestar frente ao juiz, frente ao Supremo Tribunal”, disse Kakay. “Eu não quis advogar (para ele) porque existe uma hipótese de delação premiada, é um direito dele, mas eu especialmente não trabalho com delação premiada”, acrescentou ele em entrevista ao Jornal Despertador da TV Democracia.
Tacla Duran atuou como advogado da Odebrecht e durante o auge da Lava Jato foi alvo de mandado de prisão expedido pelo então juiz Sergio Moro. Recentemente, morando na Espanha, prestou depoimentos à Justiça em que lançou acusações contra o hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), o ex-coordenador da Lava Jato, hoje deputado federal, Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e integrantes da extinta força-tarefa de Curitiba (PR).
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Sem entrar no mérito das acusações, Kakay afirma que Moro impedia depoimentos de Tacla Duran porque “tinha medo”.
“Desde o primeiro momento em que o Tacla me ligou e estive na Espanha falando com ele, o que mais chama atenção desse caso é o fato de que o juiz, à época, o ex-juiz hoje senador Sergio Moro, impedia o depoimento dele. Isso não existe. Tenho repetido: o cidadão que arrola alguém como testemunha tem o direito de ouvir esse alguém como testemunha. Mais de uma pessoa nos processos da Lava Jato arrolou o Tacla Duran como testemunha. E, com argumentos absolutamte pífios, sem nenhum tipo de base jurídica, o juiz Sergio Moro sempre evitou esse depoimento. Ele tinha medo do depoimento”, afirma Kakay.
Tacla Duran foi preso em Madri, na Espanha, em novembro de 2016 por determinação de Moro, após pedido de procuradores da República liderados por Deltan Dallagnol. O advogado era acusado de ser operador do sistema de pagamento de propinas pagas pela Odebrecht a políticos. Ele foi solto três meses depois.
Desde então, passou a acusar Moro e Deltan de corrupção. Acusações que foram reiteradas por ele recentemente em depoimento ao juiz Eduardo Fernando Appio, que assumiu os processos da Lava Jato na 13ª Vara Criminal de Curitiba. Mas, por serem parlamentares, Moro e Deltan têm direito a foro privilegiado. Por isso, as denúncias contra ele precisam ser analisadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal.
Kakay defende que as acusações de Tacla Duran sejam investigadas.
“O que tem que ser feito agora, na minha visão, é investigar os documentos que foram entregues. Já há, até onde sei, uma equipe da Polícia Federal, que é extremamente competente e está fazendo uma perícia. Sendo verdadeiraos esses documentos, a investigação não é difícil. Você tem lá um depósito na conta X, você vai quebra aquele período da conta, está comprovado seu depósito. E depois você vai chamar as pessoas e dizer: ‘vem cá, ele está dizendo que esse depósito aqui era para comprar proteção, porque você fez depósito?’. A pessoa depois vai ter que contar a versão dela. É assim que se faz a investigação. Por isso que eu estou apoiando a investigação”.
Vítima de “pseudoadvogados”
Na entrevista, Kakay também apontou que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi omissa ao não responsabilizar um “grupo de pseudoadvogados”.
“Eu fui vítima muitas vezes desse grupo de pseudoadvogados ou de advogados que fazem parte de uma linha auxiliar do Ministério Público. Eu, por exemplo, tive que deixar a advocacia do Alberto Youssef lá no início da operação, porque eu tinha um habeas corpus que poderia trancar a operação e os procuradores forçaram o Alberto a fazer delação e trocar de advogado. Isso é um escândalo”, afirma.
Ele entende que que a Lava Jato só acabará definitivamente com a responsabilização de suas lideranças.
“Eu penso que os advogados devem sim ser responsabilizados. Acho que a Ordem foi omissa nesse ponto. Acho que nós ainda estamos em tempo. Porque eu digo sempre: a Lava Jato não acabou”, afirma. “Por isso é que eu acho que não é correto. Que a gente faça um trabalho de aprofundamento. O Supremo está fazendo. Ministro Gilmar Mendes, com muita, eu diria, com muita coragem, até, está fazendo. E tantos outros ministros, Tóffoli… Eu acho que não é possível que apenas aqueles delatores que produziram e levaram informações falsas (sejam punidos). Esse juiz (Moro) de alguma forma devia ter sido punido”.
Veja a entrevista na íntegra:
Bruna Pannunzio – Vi você falando que o Tacla Duran tem provas incontestáveis contra o Moro. Mas eu tenho percebido também que tem visão de outros juristas que condenam o Tacla Duran. Como você vê isso?
Kakay – Desde o primeiro momento em que o Tacla me ligou e estive na Espanha falando com ele, o que mais chama atenção desse caso é o fato de que o juiz, à época, o ex-juiz hoje senador Sergio Moro, impedia o depoimento dele. Isso não existe. Tenho repetido: o cidadão que arrola alguém como testemunha tem o direito de ouvir esse alguém como testemunha. Mais de uma pessoa nos processos da Lava Jato arrolou o Tacla Duran como testemunha. E, com argumentos absolutamte pífios, sem nenhum tipo de base jurídica, o juiz Sergio Moro sempre evitou esse depoimento. Ele tinha medo do depoimento.
Também houve uma coisa absolutamente interessante: há mais ou menos um mês, o Deltan, que era comparsa do Moro, coordenado pelo Moro, conseguiu por 11 a 8 impedir que o Tacla fosse a uma determinada comissão da Câmara para falar. Isso é muito grave.
Eu não estou fazendo nenhuma acusação. Quando estive pela primeira vez com o Tacla, há bastante tempo, lá na Espanha, ele me mostrou documentos que devem ser periciados. Eu acredito que os documentos são verdadeiros. Ele é uma pessoa que me pareceu séria, concatenada e inteligente… Todas as vezes que conversei com ele, teve começo, meio e fim. Eu falo muito com ele por telefone, inclusive. Eu não quis advogar (para ele) porque existe uma hipótese de delação premiada, é um direito dele, mas eu especialmente não trabalho com delação premiada.
Mas, então, o que é necessário que seja feito, e que está sendo feito: nós temos hoje um juiz independente na 13ª Vara (Federal de Curitiba), que está fazendo o óbvio. O Brasil é tão interessante, especialmente no Poder Judiciário, às vezes, que fazer o óbvio chama atenção e merece elogios. Ele está dando sequência a uma coisa que estava estagnada na vara dele, que é ouvir esse senhor. Ele foi ouvido. E é bom ressaltar que o juiz Appio teve um cuidado muito grande.
O Supremo diz que, quando surge alguém com foro privilegiado, a investigação e o depoimento devem parar e isso deve ser encaminhado para o foro (competente), ou seja o Supremo e o STJ. São os ministros do Supremo (no caso de Moro e Dallagnol) que vão avalizar se aquele depoimento tem validade, ou seja, para que não haja usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. É interessantíssimo. Com razão, o Tacla não quis ir com medo de ser preso. Tinha uma ordem de prisão (contra ele), que foi revogada pelo juiz, e que depois disse que tinha sido represtinada pelo desembargador.
Então, veja, vem ele (Appio) e diz (a Tacla Duran): “o senhor não deve falar sobre ninguém que tenha foro”. Isso significa que ele não pode falar nunca sobre ninguém que tem foro? Óbvio que não.
O que tem que ser feito agora, na minha visão, é investigar os documentos que foram entregues. Já há, até onde sei, uma equipe da Polícia Federal, que é extremamente competente e está fazendo uma perícia. Sendo verdadeiraos esses documentos, a investigação não é difícil. Você tem lá um depósito na conta X, você vai quebra aquele período da conta, está comprovado seu depósito. E depois você vai chamar as pessoas e dizer: “vem cá, ele está dizendo que esse depósito aqui era para comprar proteção, porque você fez depósito?”
A pessoa depois vai ter que contar a versão dela. É assim que se faz a investigação. Por isso que eu estou apoiando a investigação. Não estou fazendo pré-julgamento, porém tem um fato que é muito interessante.
Nós temos um inquérito específico no Supremo Tribunal Federal que investiga também uma série de questões que passam por essas pessoas que têm foro. Neste inquérito, o Tacla pode ser chamado para ser ouvido. Essa é uma outra questão. O Tacla não pode chegar lá na 13ª Vara e levar evidências, provas e indícios que porventura ele tenha, para investigar pessoas que tem foro. Mas é óbvio que no foro competente dessas pessoas ele pode ser ouvido. E penso que será. Penso que será.
Claro que tem uma dificuldade extra, que é o fato desse jogo que existe sobre vinda dele ao Brasil… Só para explicar rapidamente: ele tinha um para uma prisão antiga que foi revogada. Não tinha justificativa da prisão, até pelo tempo que passou e tal. Ele se comprometeu a vir ao Brasil no dia 13, se não me engano, do mês passado. Quando ele estava para sair, um dia antes, saiu no site do Tribunal Regional que o desembargador, que depois se deu o suspeito porque tem relação pessoal muito próxima com o Moro, teria voltado a determinar a prisão dele.
Aí houve um escândalo. E o desembargador disse: “não, inclusive eu estou suspeito e não determinei a prisão dele”. O Tacla ficou inseguro. Eu cheguei a falar com ele mais de uma vez. E é normal. A pergunta que sempre se faz nessa hora: ‘você acha que eu tenho garantia de ir ao Brasil sem ser preso?’
Eu, como advogado, nunca direi isso, evidente. ‘Olha, o risco aí é seu, porque pode haver, ainda que depois seja revogado, o constrangimento de uma prisão e tal. Então, até onde sei, ele está disposto a vir. É muito diferente. Se ele estivesse podendo, ele pode vir ao Brasil, tem que dar a ele um salvo-conduto pra ele vir ao Brasil, para que ele possa ir à Câmara, para que ele possa ir ao Senado, para que ele possa se manifestar frente ao juiz, frente ao Supremo Tribunal.
Me parece que um dos dois, que é citado, talvez a partir de amanhã (terça, 16), perca o foro. Se isso acontecer, as questões contra ele poderão ser levadas na 13.ª Vara de Curitiba, porque há um julgamento importante amanhã no TSE, que diz respeito ao deputado Deltan Dallagnol. Se ele realmente for cassado o mandato, como existe uma certa expectativa em Brasília, aí sobre ele, as provas poderão ser carreadas na 13ª Vara.
Rafael Bruza – Kakay, eu lembro muitas críticas, análises, até uma espécie de denúncia feita por advogados, se não me engano você inclusive… As denúncias do Tacla Duran giram muito em torno de advogados, que são de uma espécie de círculo de confiança da Lava Jato. Você entende que houve omissão da Ordem dos Advogados do Brasil em relação a advogados que atuaram próximos ou supostamente juntos, como diz Tacla Duran, da Operação Lava Jato?
Eu fui certamente o primeiro a falar sobre isso. Eu fui vítima muitas vezes desse grupo de pseudoadvogados ou de advogados que fazem parte de uma linha auxiliar do Ministério Público. Eu, por exemplo, tive que deixar a advocacia do Alberto Youssef lá no início da operação, porque eu tinha um habeas corpus que poderia trancar a operação e os procuradores forçaram o Alberto a fazer delação e trocar de advogado. Isso é um escândalo.
E depois, ao longo do tempo, denunciei, fiz uma petição online em 2015, setembro de 2015. Uma petição dura, que fiz… Depois eu comecei a notar. Eu era advogado, certa feita, de uma pessoa muito conhecida no Brasil, que ocupou cargos importantíssimos, e me procurou num domingo à noite, dizendo: “Kakay, infelizmente eu recebi um recado dos procuradores que eu devo deixar você e contratar outro advogado”.
Eu falei com ele: “Olha, eu não vendo o resultado. Você está com risco de ser preso. Faça o que você quiser”. Foi mais de uma vez. É óbvio. É muito diferente um advogado que acompanha uma delação, que é um instrumento de defesa… Eu sou um crítico ferrenho porque acho que a Operação Lava Jato estuprou o instituto da delação. Isso é uma coisa gravíssima, tanto é que teve um procurador que reconheceu por escrito que as prisões eram feitas para conseguir delação. E esse cidadão não foi processado, não foi aberto processo interno contra ele. Então eles assumiram que isso era verdade.
Eu tenho para mim e falo isso há muito tempo. Eu não tenho Twitter, não tenho essas coisas. Mas eu já fiz mensagens no WhatsApp, mandei para vários grupos de advogados que eu tenho, dizendo que nós temos que pensar a responsabilização desses advogados, porque a gente sabe como é que funciona.
Veja o livro do Emílio Odebrecht que lançou agora. Ele fala muito claramente que havia e houve uma pressão para que pudessem entregar pessoas que não tinham relação (com os casos), para poder ter uma narrativa que era a narrativa que interessava ao Ministério Público. Isso é gravíssimo. O advogado que, no meu ponto de vista, o advogado que acompanha alguém para uma delação e que aceita que o Ministério Público coloque A ou B para ser delatado, ou mesmo que mude a versão da espontaneidade, esse advogado tem responsabilidade criminal, para mim.
Para mim, ele é um co-autor de um possível crime aí de extorsão ou não sei bem. Graças a Deus, eu tenho amigos na Procuradoria e tenho amigos na Polícia Federal que me falavam desde aquela época: “Kakay, várias vezes eles falam ‘entrega o Kakay'”.
“Entregar” em que o Kakay? “Ele é advogado”. Entendeu? (Fizeram) assim como faziam com os empresários, assim como faziam com políticos… Ainda assim, mesmo esses com falsos advogados e o Ministério Público, o juiz contra mim, eu advoguei para mais de 30 pessoas na Lava-Jato e muitas vezes eu ouvia relatos de que meus clientes, senadores da República, governadores de Estado, eles eram obrigados, alguns delatores eram obrigados a falar dele.
Por isso é que eu acho que não é correto. Que a gente faça um trabalho de aprofundamento. O Supremo está fazendo. Ministro Gilmar Mendes, com muita, eu diria, com muita coragem, até, está fazendo. E tantos outros ministros, Tóffoli… Eu acho que não é possível que apenas aqueles delatores que produziram e levaram informações falsas (sejam punidos). Esse juiz de alguma forma devia ter sido punido.
É porque as pessoas acham no Brasil que tudo tem que terminar em cadeia. Olha, um juiz ter todas as sentenças anuladas, ser considerado incompetente… É de uma gravidade ímpar. Se ele tivesse vergonha na cara, isso seria o bastante. Não, nem tem mais nada, não.
Você deve ter visto uma cena que virou vídeos, viralizou essa semana de um menininho de oito anos de idade, se não me engano, no aeroporto, vai entrevistar o juiz Sérgio Moro e fala: “O que o senhor acha do Supremo Tribunal ter dito que o senhor é um juiz corrupto, um juiz ladrão?” Quer dizer, essa e essa é a ideia hoje que a grande maioria da população brasileira tem desse senhor.
Isso já é, no meu ponto de vista, uma penalidade gravíssima, gravíssima. Então eu penso que os advogados devem sim ser responsabilizados. Acho que a Ordem foi omissa nesse ponto. Acho que nós ainda estamos em tempo. Porque eu digo sempre: a Lava Jato não acabou.
A Lava Jato deixou de fazer aquele show que era um show de instrumentalizar o Judiciário e o Ministério Público para conseguir o poder. Conseguiram, num dado momento. Ela quebrou parte muito forte (da Economia), especialmente as empresas de construção no Brasil. Ela fez uma mudança enorme em quem coordenava o pré-sal e a questão do petróleo. Ela desempregou milhares de pessoas. Ela trouxe empresas americanas para o Brasil.
Mas ainda é muito importante que a gente faça uma investigação para poder responsabilizar de fato aqueles que foram os responsáveis por essa instrumentalização que levou à corrupção do sistema de Justiça.
* Conteúdo exibido originalmente no canal TV Democracia
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