Márlon Reis *
Desde logo, é importante lembrar que a interpretação das normas em matéria eleitoral difere significativamente da aplicação da lei penal, sendo esta última muito mais restritiva. De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADCs 29 e 30, a inelegibilidade não é considerada uma pena.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem aplicado a Lei da Ficha Limpa com sabedoria e firmeza. A decisão proferida ontem, a cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), possui uma fundamentação profunda e está alinhada à postura do tribunal de valorizar as bases jurídicas dessa importante lei, que surgiu de uma mobilização social histórica. Ao aplicar as normas relacionadas à inelegibilidade, deve-se sempre respeitar o princípio constitucional da proteção, o qual permite a restrição de candidaturas que representem um sério conflito com os princípios que nortearam a conquista dessa lei de iniciativa popular.
Pode-se lembrar de uma posição do TSE que ajuda a compreender o modo do tribunal. A Lei da Ficha Limpa impõe inelegibilidade para aqueles que cometeram crimes contra a administração pública. No entanto, a Corte Eleitoral observou que o Poder Público pode ser prejudicado por crimes que não estão especificamente previstos no capítulo do Código Penal que trata desse tema, mas que possuam uma relação próxima com ele. Assim, pessoas que tenham violado a Lei das Telecomunicações ou infringido a ordem tributária também foram consideradas inelegíveis.
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Essa abrangência não deve ser entendida como uma extensão arbitrária da norma, mas sim como uma aplicação que leva em consideração os objetivos pretendidos pela legislação. O TSE busca garantir que os candidatos que tenham cometido condutas prejudiciais à administração pública, mesmo que não previstas de forma específica no Código Penal, sejam alcançados pela inelegibilidade. Dessa forma, o tribunal protege os princípios e fins visados pela norma, visando preservar a integridade e a moralidade no exercício de cargos públicos.
O ministro Benedito Gonçalves concluiu que, diante da iminência da abertura um ou mais processos administrativos, Dallagnol antecipou a sua exoneração para evitar a aplicação da norma, de que é um grande conhecedor. É o caso típico do que a doutrina denomina “fraude à lei”. E ainda comparou com outro caso anteriormente julgado pela Corte: o relativo ao hoje senador Sergio Moro. Neste caso, o TSE não entendeu que a motivação do pedido de exoneração estivesse conectada com eventuais procedimentos disciplinares. Isso só prova que o TSE decidiu de forma ponderada, à luz de cada caso concreto. A fundamentação apresentada pelo relator foi muito clara e atenta para o modo como as normas para inelegibilidades devem ser interpretadas. Daí porque entendo correto julgamento, para o qual não apontaria o mínimo retoque.
Também a determinação da perda imediata do mandato sem que haja sequer a publicação do acórdão é medida aplicada há tempos no âmbito do TSE. Recursos tomados contra decisões tomadas pela Corte historicamente nunca foram dotados de efeito suspensivo. O cumprimento das determinações do TSE sempre deve ser imediato. A decisão é, todavia, suscetível de embargos de declaração de de Recurso Extraordinário Eleitoral.
* É advogado, ex-juiz eleitoral e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
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