A série de decisões judiciais desta semana promete demolir o que restava do discurso vitorioso nas eleições de 2018 — o da antipolítica e do combate à corrupção. A lista começa pelo protagonista dessa narrativa, Jair Bolsonaro, que será julgado pelo TSE no próximo dia 22 de junho e pode ficar inelegível por abuso de poder econômico. Ele usou recursos públicos para reunir embaixadores e difundir falsas suspeitas de fraude nas urnas eletrônicas.
A relação alcança ainda dois personagens fundamentais: Deltan Dallagnol e Sergio Moro. O ex-procurador da Lava Jato perdeu o mandato de deputado federal, cassado por unanimidade pela Justiça Eleitoral. O senador e ex-juiz da operação vê-se acuado por investigações que podem abreviar sua carreira política.
O depoimento do advogado Tacla Duran a uma comissão da Câmara foi autorizado pelo ministro do STF Dias Toffoli e é um revés para Moro. Duran, réu da Lava Jato, afirma que foi extorquido ao negociar um acordo de delação em Curitiba. O mesmo Toffoli manteve no STF processos envolvendo o ex-deputado estadual Tony Garcia. Ele disse à Justiça que foi obrigado a fazer gravações ilegais a pedido de Sergio Moro, em 2004. O ex-juiz também é alvo de processo de cassação no TSE.
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A Lava Jato foi um dos frutos das manifestações de junho de 2013. Passou o rodo em empresas poderosas, empresários, executivos e políticos. Foi pano de fundo do impeachment de Dilma Rousseff, levou o então ex-presidente Lula à cadeia e sustentou a campanha de Bolsonaro ao Planalto. Começou a ruir e perdeu a opinião pública quando, em 2019, vieram a público os métodos duvidosos de alguns juízes e procuradores no chamado escândalo Vaza Jato. A série de gravações mostrou que uma parte dos procuradores e o juiz Moro combinavam o jogo nos bastidores com o objetivo primordial — “pegar” Lula e o PT. Novas gravações foram reveladas nesta semana e mostram que usar infiltrados era uma prática usual comandada por Moro.
O ímpeto justiceiro da Lava Jato, com o messianismo de Deltan e a ambição de Moro, levou a uma coleção de erros que contribuíram para a derrocada da operação. É o que vêm mostrando decisões do STF sobre a inadequação do foro de Curitiba para muitos dos julgamentos que resultaram em condenações — base da anulação das sentenças contra Lula. Num efeito dominó, a argumentação formal já livrou outros alvos da operação das punições, sem entrar no mérito das decisões.
Uma das mais célebres memórias da Lava Jato é a gravação em que o então senador Romero Jucá afirma que “para estancar a sangria” — que dizimava empresas e partidos políticos — seria preciso um grande acordo, “com Supremo, com tudo”. De alguma forma, é o que vem acontecendo.
A Corte sustenta a necessidade de corrigir distorções e ilegalidades da Lava Jato. A mais recente decisão, que beneficiou o presidente da Câmara, Arthur Lira, anulou um processo aberto com base apenas no depoimento de um dos colaboradores, o doleiro Alberto Yousseff, que fez um acordo de delação premiada. Com base em lei sancionada em 2019, o STF entendeu que depoimento não é prova para embasar a abertura de uma investigação — e os depoimentos dos delatores foram o motor da Lava Jato.
O próprio Bolsonaro tratou de contribuir para a liquefação da Lava Jato. Sob seu comando, o PGR, Augusto Aras, foi desidratando o núcleo de procuradores de Curitiba. A briga entre o ex-presidente e Moro, que deixou o Ministério da Justiça, também foi decisiva para enfraquecer a operação e seus condutores. Em outubro de 2020, Bolsonaro fez piada: “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo.” Os fatos o desmentem.
Os atos das Cortes superiores vêm produzindo efeitos que estão redesenhando a política — a partir da decisão que permitiu a volta de Lula ao poder. Tirar Bolsonaro do jogo também vai alterar o tabuleiro para a próxima disputa presidencial. Nas últimas eleições, o que estava em questão era a garantia da democracia e, por causa disso, Lula conseguiu o apoio de forças de centro que até há pouco estavam satisfeitas em vê-lo longe de Brasília. O discurso para 2026 ainda não está claro. Tudo indica, porém, que corrupção e caça aos políticos são expressões que ficarão longe dos palanques.
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