Após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a indicação do desembargador federal Kassio Nunes Marques para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi aprovada pela comissão por 22 votos a cinco. A sabatina durou cerca de dez horas.
O nome de Kassio ainda precisa ser votado no Plenário do Senado, o que deve ocorrer ainda hoje porque foi aprovado requerimento de urgência. Para ser confirmado ministro do Supremo, são necessários os votos de 41 dos 81 senadores. A votação é secreta.
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O candidato se valeu, em seus primeiros 30 minutos, para relembrar sua história de vida, e também tocou em temas como a sua formação profissional e acadêmica – já que, nas últimas semanas, pairaram dúvidas sobre os diplomas apresentados pelo magistrado. Ele voltou a afirmar que as divergências foram causadas em função de problemas na tradução.
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Kassio foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de setembro para a vaga do então decano da corte, Celso de Mello, que se aposentou este mês. O nome do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) foi bem recebido por parlamentares do Centrão, e gerou críticas por parte da base bolsonarista, incluindo líderes religiosos e conservadores. Silas Malafaia chegou a entregar uma lista de juristas religiosos que poderiam ter a vaga. Outros movimentos cobravam a presença de um conservador no cargo.
O parecer do relator da indicação, senador Eduardo Braga (MDB-AM), foi lido pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em virtude do diagnóstico de covid-19 do amazonense. O relatório ressalta o apoio da magistratura e o currículo do indicado.
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O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), lembrou que Kassio, como nordestino, irá promover equilíbrio regional na corte. A origem nordestina também foi saudada por outros senadores, especialmente das regiões Nordeste e Norte. Bezerra também destacou o perfil conciliatório do indicado. “De perfil conciliador, possui trajetória marcada pelo respeito às instituições e ao equilíbrio democrático, cujos pilares são a independência e a autonomia dos poderes da República e do qual nunca nos afastaremos.”
Questionado sobre posicionamento ideológico, Kassio disse que a magistratura exige um distanciamento e foco no cumprimento da lei e da Constituição. “Essa é a melhor posição que um magistrado pode estar: cumprindo a lei e a Constituição Federal.”
Lava Jato
O indicado disse reconhecer os méritos da Operação Lava Jato. “Essas operações são legitimadas porque elas têm a participação, primeiramente, do Ministério Público, do Poder Judiciário e depois da Polícia Judiciária dando cumprimento. Não há que se falar em demérito a nenhuma operação que é fruto de uma construção de três pilares”, disse ele.
Ele ponderou, porém, que o Poder Judiciário tem a competência para “promover os ajustes que se façam necessários se, numa eventualidade, pontualmente houver o descumprimento da lei e da Constituição”. A indicação de Kassio foi questionada por senadores lavajatistas desde o anúncio pelo presidente Bolsonaro. Ontem, seis integrantes do grupo Muda Senado emitiram uma nota contrária à indicação do desembargador para a vaga no STF.
Prisão em 2ª instância
O desembargador evitou se posicionar acerca da revisão da revogação da prisão após condenação em segunda instância – a decisão foi tomada pelo STF no fim do ano passado, mas deputados tentam reverter através de uma emenda à Constituição. “O quadro atual é de devolução dessa matéria para o Congresso Nacional”, afirmou em resposta a questionamento do senador Lasier Martins (Podemos-RS). Na Câmara, uma comissão especial debate o tema, porém os trabalhos estão suspensos desde o início da pandemia e o Centrão age nos bastidores para impedir a votação.
De perfil garantista, Kassio se mostrou bastante reservado até o dia da sabatina. Sem falar com a imprensa, a sabatina é a primeira vez que Kassio se manifesta publicamente desde a sua indicação pelo presidente da República. Ele vinha fazendo apenas visitas a gabinetes de senadores e participado de jantares particulares.
Foro privilegiado
Kassio lembrou que STF definiu recentemente novos contornos em relação ao foro por prerrogativa de função. “Essa questão já foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, e hoje só são consideradas aquelas hipóteses que já estão regulamentadas de absorção dessa autoridade naquela jurisdição quando esses eventuais atos foram cometidos no exercício do mandato ou em detrimento dele.”
Ele disse não vislumbrar dificuldade para que o Congresso fixe parâmetros de forma mais ampla em relação aos casos envolvendo parlamentares.
Aborto
Questionado sobre sua posição em relação ao aborto, Kassio disse considerar que a questão já foi exaurida. “Dentro da quadra que já está estabelecida, eu analiso com muita razoabilidade a forma atual do tratamento dessa questão. Eu entendo que o Poder Judiciário, muito provavelmente, já exauriu as hipóteses dentro dessa sociedade.” Ele fez referência, porém, ao caso de anencefalia provocada pelo mosquito da zika, que foi incluído no entendimento do Supremo. Atualmente, o aborto é permitido em lei para o caso de estupro, risco de vida para a mãe e feto anencéfalo.
“O meu lado pessoal eu deixei bem claro na minha apresentação: eu sou um defensor do direito à vida e tenho razões pessoais para isso. (…) A minha formação é sempre em defesa do direito à vida”, disse ele sem detalhar suas experiências pessoais.
Licitação de lagostas
O indicado foi questionado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) por ter liberado, em 2019, uma licitação para a compra de alimentos e bebidas para o Supremo. Entre os itens do pregão eletrônico, avaliado em R$ 1,13 milhão, estavam previstos camarões, lagostas, muçarela de búfala, além de uísques, vinhos, espumantes e outros itens de alta gastronomia.
Kassio justificou que a licitação é voltada a eventos especiais e foi feita a exemplo do que existe em todas as instituições brasileiras, citando o Exército Brasileiro e o Itamaraty. “Não era uma licitação para utilização ordinária, era apenas pontual e eventual”, complementou.
Ele também afirmou que a decisão proferida visou apenas aspectos formais. “O que chegou a mim naquele momento era uma suspensão de liminar, que tem requisitos completamente diferentes dos requisitos de mérito. Na suspensão de liminar, não se entra no mérito da questão”, explicou.
Defesa do Centrão e PT
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), a quem se credita a indicação de Kassio, elogiou a trajetória profissional do indicado, que é de seu estado. “A sua história de vida, o seu currículo, a sua capacidade são os motivos reais da sua indicação”, defendeu. Ciro Nogueira é presidente do PP e tem se aproximado do presidente Jair Bolsonaro, num contexto de relacionamento com partidos do Centrão.
O senador frisou que a indicação de um nordestino para o Supremo partiu de Bolsonaro, tido como preconceituoso. “Vi alguns senadores que declaram o voto contrário sem nenhuma convicção, até constrangidos, apenas como bandeira política. Mas sem nenhuma convicção, sem o menor fundamento”, criticou Ciro Nogueira.
O indicado também foi elogiado pelo líder do PT, Rogério Carvalho (PT-SE). “Ele se saiu muito bem e atende às expectativas que todos nós tínhamos com relação às suas qualidades e suas capacidades para exercer a função de ministro do STF”. Ele disse ter certeza de que o nome será votado ainda hoje em Plenário e que os senadores voltarão aos seus estados com essa questão “resolvida”.
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