Considerado peça-chave na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, Gustavo Bebianno teve uma ascensão meteórica na política nacional. O advogado pessoal de Bolsonaro assumiu o comando do PSL e coordenou a vitoriosa campanha presidencial daquele ano. Sua passagem pelo Palácio do Planalto foi breve: foi ejetado da cadeira de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República 48 dias após a posse, detonado pelo vereador Carlos Bolsonaro, na primeira crise do governo Bolsonaro.
O advogado virou um adversário incômodo do ex-amigo por conhecer como poucos as entranhas do bolsonarismo. Foi assim até março de 2020, quando um infarto fulminante o matou aos 56 anos de idade em Petrópolis (RJ). Filiado ao PSDB, articulava a candidatura presidencial de João Doria, projeto abortado em 2022 após uma guerra interna de tucanos.
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“Tudo indica que vai tentar”
Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, em 29 de outubro de 2019, Bebianno alertava para o potencial explosivo de algumas figuras e práticas do governo Bolsonaro que agora assombram o ex-presidente. Segundo ele, o entorno político de Bolsonaro discutia desde aquele ano, o primeiro dos quatro de mandato, uma forma de dar um golpe de Estado. Um dos incentivadores da iniciativa, segundo o ex-ministro, era o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais Filipe Martins, preso na última quinta-feira (8) na Operação Tempus Veritatis.
“Tudo indica que ele [Bolsonaro] vai tentar [um golpe]”, advertia. A operação da PF aponta fartos indícios de que o ex-presidente orientou seus ministros a atacar o sistema eleitoral e discutiu alternativas para impedir a eleição e a posse de seu sucessor, como mostra vídeo de uma reunião gravada pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator.
Na entrevista, Bebianno disse duvidar de que as Forças Armadas pudessem embarcar com Bolsonaro numa aventura golpista, mas admitia o perigo de que isso viesse a ocorrer. Um dos entraves apontados pelas investigações da PF para a tentativa de golpe foi a resistência do chefe do Exército, general Freire Gomes, à ideia. Outros integrantes da cúpula das Forças Armadas, como o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e os ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno, ambos generais, são investigados na Tempus Veritatis.
Veja trechos da entrevista dada por Bebianno em outubro de 2019:
Congresso em Foco – O senhor acredita que possa haver uma ruptura institucional, um golpe?
Gustavo Bebianno – É o que o núcleo duro dele fala, é o que ele fala. Não é que eu acredite ou não. As pessoas vinculadas diretamente a ele falam isso. Ele não diz o contrário. Esse Filipe Martins fala em ruptura institucional. O Olavo fala em ruptura. O Eduardo e o Carlos falam em ruptura institucional. O presidente em algum momento desdisse? Deu alguma manifestação contrária a isso? Não, ele silencia. O Brasil está caminhando para um lugar muito pantanoso, escuro e perigoso. Do jeito que esse núcleo duro do presidente se manifesta, vão fazer uma guerra civil? Olavo diz que tem de eliminar toda a oposição. O que significa eliminar a oposição? Diz que tem de fechar os partidos de esquerda. Como seria no mundo prático a operação disso?
Quanto a uma eventual tentativa de ruptura democrática, o senhor acredita que haveria apoio nas Forças Armadas?
É difícil dizer. Houve ali uma quebra de confiança no início da gestão. O que é até bom. Por conta desses mesmos filhos, o general Mourão foi muito agredido, o general Santos Cruz e o general Eduardo Villas-Boas também. As Forças Armadas também olham com muita desconfiança para ele. Não acredito que ele conseguiria consolidar uma ruptura institucional, mas tudo indica que ele vai tentar. É muito preocupante. Uma simples tentativa pode gerar muito derramamento de sangue. O Brasil não precisa disso. É um risco real. É difícil precisar o momento, mas que essa hipótese é cogitada na cabeça dos filhos, dele, do entorno, isso é.
O senhor vê no vídeo em que o STF e outras instituições são tratados como hienas que atacam um leão, o presidente, um indício disso?
Sim, é um indicativo, assim como a fala do Olavo e do Filipe Martins sugerindo um novo AI-5, o extermínio de partidos de oposição. Isso tudo claramente. O Eduardo disse que bastava um cabo e um soldado, não precisava nem de jipe, para fechar o Supremo. Outro dia o Carlos disse que as coisas são muito lentas na democracia. Não são sinais que precisam ser traduzidos. As falas deles são explícitas. Só estou observando o que eles próprios estão dizendo.
[…] O que ele deveria fazer?
A primeira coisa é afastar os filhos. Em seguindo lugar, mudar o núcleo duro todo. Tem de afastar esse Filipe Martins [assessor especial da Presidência], trocar o ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], cortar relações com o Olavo de Carvalho, tem de ouvir pessoas normais. E não loucos. Ou ele muda radicalmente seu comportamento, afasta os filhos e passa a ouvir pessoas racionais e adultas, ou ele não vai terminar bem. Ou vai renunciar, dar uma de Jânio Quadros, ou vai sofrer impeachment ou ele próprio vai tentar ruptura institucional.
[…] “Não acredito que ele conseguiria consolidar uma ruptura institucional, mas tudo indica que ele vai tentar. É muito preocupante. Uma simples tentativa pode gerar muito derramamento de sangue. O Brasil não precisa disso. É um risco real.”
“Desarranjo mental”
Bebianno avaliava, naquela entrevista, que o poder havia subido à cabeça de Bolsonaro, a quem acusava de ter abandonado promessas de campanha para proteger e favorecer os filhos. Dizia que o ex-chefe era uma figura cercada de “loucos” que fazia uma gestão marcada pelo autoritarismo, pelo “desarranjo mental”, pela irresponsabilidade e pelo “desgoverno”.
Em março de 2020, em entrevista ao Roda Viva, o ex-ministro disse que havia tomado conhecimento de que Carlos Bolsonaro pretendia montar uma “Abin paralela” e que aconselhou, junto com o também ex-ministro general Santos Cruz (Secretaria de Governo), que o então presidente abortasse a iniciativa, por entender que aquilo poderia resultar em sua cassação em processo de impeachment. Veja trecho do vídeo:
Entrevista do Bebiano no Roda Viva em que ele denuncia a existência da ABIN paralela: 02/março/2020
Data do falecimento do Bebiano: 14/março/2020
Seria ruim pro bolsonarismo se esse vídeo viralizasse, né? pic.twitter.com/ssC2yU5KGO
— Paulo Loiola (@pauloloiola) January 25, 2024
Segundo ele, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, a quem a Abin era subordinada, também tinha conhecimento do plano de Carlos. “Um belo dia o Carlos me aparece com um nome de um delegado federal e de três agentes que seriam uma Abin paralela, porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo, mas Heleno não é de confronto. A conversa acabou comigo e com o Santos Cruz [então ministro da Secretaria de Governo]. Aconselhamos ao presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma. Muito pior que o gabinete de ódio, aquilo também seria motivo para impeachment. Depois eu saí, não sei se isso foi instalado ou não”, declarou Bebianno.
“Eu lembro o nome do delegado. Mas não vou revelar por uma questão institucional e pessoal”, ressaltou. As investigações da PF sobre a espionagem na Abin miram Carlos Bolsonaro e o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da agência. Ambos foram alvos de busca e apreensão dos agentes federais.
O advogado morreu 12 dias depois da entrevista. Os médicos atestaram que ele sofreu um infarto, afastando rumores de que poderia ter sido assassinado. Na época, o empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), declarou que Bebianno mantinha nos Estados Unidos um celular no qual poderia ter armazenado mensagens reveladoras trocadas com Bolsonaro.
Em dezembro de 2020, em depoimento em um inquérito que investigava disparos irregulares em massa de celular na campanha de Bolsonaro, a viúva do ex-ministro, Renata Bebianno, informou que havia destruído o aparelho do marido sem ver o seu conteúdo.
Ainda em outubro de 2019, em mensagens encaminhadas ao autor deste texto, pelo Whatsapp, Bebianno dizia nutrir “amor fraternal” por Bolsonaro, mas que discordava de quase todas as suas atitudes e entendia que ele deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico. “Não avisam ao Jair que ele está quase nu. Jamais me furtarei de falar a verdade, mesmo que tal postura me imponha riscos. Sempre fui leal. Fanatismo não é lealdade”, disse o ex-ministro.
Tempus Veritatis
A Operação Tempus Veritas atingiu em cheio a extrema direita ao localizar na cena do crime o ex-presidente Bolsonaro, o seu entorno de militares e outras figuras importantes do seu governo, todos enredados na construção de uma trama golpista para tentar mantê-lo no poder e ignorar o resultado eleitoral de 2022.
Bolsonaro teve de entregar seu passaporte e está proibido de deixar o país e de se comunicar com os demais investigados. Também estão envolvidos nas investigações ex-ministros importantes, como os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, apontados como artífices de manobras golpistas. Ao menos 16 militares estão sob a mira da PF.
A lista completa dos investigados na Tempus Veritatis
As apurações da Polícia Federal indicam que Bolsonaro, diferentemente do que sempre sustentou, participou de reunião para discutir uma forma de não reconhecer a eleição de Lula e pediu mudanças na minuta do decreto que buscava efetuar um golpe de Estado. Segundo as investigações, o então presidente recebeu o texto das mãos de seu assessor especial Filipe Garcia Martins, preso nesta manhã, e do advogado Amauri Saad, apontado como autor da tese. Além de Filipe, outros três militares ligados diretamente ao ex-presidente tiveram a prisão preventiva decretada. As ações foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
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