Fui para a Esplanada dos Ministérios no comecinho da noite de ontem (domingo, 8). Eram 18h15 quando, no caminho, parei em frente à 5ª Delegacia de Polícia (DP) para registrar a presença de dezenas de policiais civis em frente ao prédio. Toda a corporação havia sido colocada em prontidão depois que o leite derramou. Isto é, depois que bandidos, de verde e amarelo e em sua grande maioria brancos, invadiram as sedes dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo para ali deixarem impressas as marcas de diferentes atos de barbaridade, como obras de arte saqueadas, paredes e móveis vandalizados, bens depredados ou roubados e jornalistas agredidos.
O maior dos crimes está provavelmente na motivação em si da arruaça: pedem, para espanto de quem conhece o mínimo de história e sabe o que isto significa, um golpe de Estado em nome da luta contra o comunismo e a corrupção. O registro do que vi na 5ª DP está aqui. Como a foto indica, o meu comportamento deixou de sobreaviso um atento policial. Ele ficou com a mão direita sobre a arma (ver detalhe) enquanto eu, do carro, fiz este inocente registro com o celular. A sede da Polícia Federal (PF), logo adiante, também estava cercada, certamente para evitar a repetição dos graves atos golpistas de 12 de dezembro. Dessa vez, não parei para fotografar ou filmar. Aproveitei a liberação para prosseguir, e continuei meu trajeto pela N2, via paralela da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Naquele momento, helicópteros sobrevoavam a área enquanto policiais dispersavam os golpistas à base de bombas de gás lacrimogênio e de gás de pimenta, assim como de balas de borracha e de bombas de efeito moral.
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Não vi, portanto, as cenas – fartamente gravadas e postadas nas redes sociais – de membros da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) facilitando a entrada dos radicais de extrema-direita numa área que deveria, obviamente, estar fechada para pessoas violentas, algumas delas armadas, que saem às ruas com o anunciado propósito de depor um governo legitimamente eleito. Vi, sim, membros da PMDF deixarem os baderneiros irem para casa sem nenhum incômodo. Prisão? Nem pensar. Sequer preocupavam-se em identificá-los, como mostram os dois vídeos a seguir. Circulavam, portanto, sem serem incomodados, detalhe importante para o que relatarei na sequência.
Subi a escadaria entre a N2 e os fundos do Ministério de Minas e Energia (MME) na expectativa de chegar ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), onde pretendia fazer algo que por telefone não estava conseguindo – ouvir as autoridades federais sobre a desordem que tomou conta de Brasília. Me detive por algum tempo no estacionamento entre o MME e o MJSP para registrar, protegido pelo cordão de isolamento da Força Nacional de Segurança Pública. Criada em 2004, no primeiro governo Lula, ela funciona sob a coordenação do Ministério da Justiça e é integrada por membros das Polícias Militar e Civil e dos Bombeiros, corporações subordinadas aos governos estaduais.
Estas foram as primeiras imagens diante dos meus olhos ao chegar no local:
PublicidadePouco depois, mais próximo dos golpistas, começo a registrar a indignação de alguns deles com o comportamento dos policiais. Esperavam, claro, apoio e adesão dos organismos policiais e das Forças Armadas à tentativa de golpe de Estado há muito defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o homem que jamais escondeu sua preferência por ditaduras e torturadores. “Sai dessa vida! Monta empresa!”, grita um, digamos, “manifestante”, diante de membros da Força Nacional. “Bando de covarde!”, insulta outro, perante agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Quando um dos agentes da PRF me aborda, penso estar diante de um aliado e logo me identifico como jornalista, mostrando o crachá e tal. Foi possivelmente o meu erro. A partir desse momento o agente quer me impedir de permanecer onde eu me encontrava, ou seja, no estacionamento ao lado do MJSP. Não consegui identificar o nome do agente em seu uniforme, mas foi este sujeito aqui, ó: Conforme o agente, eu deveria ficar do outro lado, ou seja, junto com os bolsonaristas, alguns dos quais a essa altura já começavam a me cercar. “O senhor é jornalista daonde?”, pergunta um deles. “Não importa”, respondo. “A maioria dos jornalistas é só de esquerda”, comenta outro golpista. Naquele instante, eu não sabia do que tinha acontecido pouco antes com um colega do jornal O Tempo, de Minas Gerais, que cobriu o atentado ao Congresso Nacional e foi violentamente agredido e mantido em cárcere privado pelos invasores. Mas tinha certeza de que ir para o lado em que estavam os baderneiros me transformaria em saco de pancadas dos bolsonaristas radicais.
Inútil tentar explicar para o comandante da operação, capitão da PM do Rio de Janeiro F. Antunes (cedido à Força Nacional), que eu era jornalista, estava devidamente qualificado e pretendia ir ao Ministério da Justiça em segurança. Indiferente aos meus apelos, o policial me proibiu de voltar ao lugar pelo qual eu tinha chegado e que me daria acesso seguro ao prédio do MJSP. “Você não pode passar por aqui agora, ok?”, limitou-se a afirmar o profissional que deveria estar ali facilitando, e não dificultando, o trabalho da imprensa. Minha salvaguarda foi usar – perdoa, ministro – o nome de Flávio Dino para evitar algo pior. O vídeo está meio embaralhado, mas creio que registra a história minimamente:
Durante cerca de 30 minutos permaneci sob a vigilância de dois membros da Força Nacional fortemente armados e igualmente sem paciência para me ouvir. Embarcando na versão falsa do agente da PRF que me abordou inicialmente, um deles fala que eu estaria sendo orientado a voltar para o lugar de onde teria saído, quer dizer, do lado em que os manifestantes mais radicalizados continuavam a enfrentar as bombas e a desferir impropérios contra Lula e os policiais. “Basta ver os vídeos que você verá que estou querendo continuar no lado onde eu já estava, ou seja, protegido dessas pessoas que odeiam jornalistas”, argumentava. “Nem adianta mostrar que não vou ver vídeo nenhum”, era a resposta. “Qualquer coisa fala com o capitão”. O mesmo capitão Antunes que não quis conversa.
Liguei para vários integrantes do governo, sempre sob o olhar dos dois policiais da Força Nacional. Finalmente, após muitas tentativas frustradas, consigo contato com um assessor do MJSP, que promete me ajudar. Promessa cumprida. Minutos depois, sou resgatado por integrante da assessoria do ministério. Antes que essa pessoa se aproximasse, o valente capitão Antunes desaparece e sigo em paz para o Ministério da Justiça, ainda a tempo de participar da entrevista coletiva que Flávio Dino daria em seguida.
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