Sem qualquer comunicação prévia, a área de segurança do Governo do Distrito Federal resolveu descumprir o que acordara com o governo federal e afrouxar as medidas de segurança que estavam combinadas para os atos que ocorreram no domingo (8). Em entrevista coletiva que deram na tarde desta segunda-feira (9), o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disseram que havia um acordo para que fosse repetido o esquema de segurança da posse do presidente Lula no dia 1º de janeiro. Mas, sem explicações, a Secretaria de Segurança do DF resolveu desrespeitar o acerto.
Segundo Andrei Rodrigues, houve uma reunião na sexta-feira (6) no Centro Integrado de Operações (CIOB) da Secretaria de Segurança na qual participaram integrantes da secretaria e das Polícias Civil e Militar do DF. Como a convocação para os atos do domingo já era mais do que conhecida e como circulavam nas redes sociais informações sobre a eventual tentativa de invasão de prédios públicos, o acerto era para que se repetisse o esquema de segurança utilizado na posse de Lula. Na ocasião, a Esplanada dos Ministérios foi fechada para o trânsito, houve revista das pessoas e diversas outras estratégias de contenção. Com um número muito maior de populares na Esplanada dos Ministérios, tudo aconteceu de maneira pacífica.
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“Estávamos monitorando tudo desde muito antes. O que nos cabia fazer em nível federal foi feito. O que nós não poderíamos prever é que o governo local iria falhar”, disse Dino. Segundo o ministro, havia antes dos atos uma “configuração” de que tudo iria acontecer de forma pacífica. Mas mantido o entendimento de que ocorreriam as mesmas contenções do dia 1º de janeiro. Sem aviso prévio, porém, a Secretaria de Segurança do DF resolveu manter aberto o trânsito na Esplanada e deixou que os golpistas passassem sem restrição. Assim como também não estabeleceram nenhum tipo de contenção para evitar as invasões do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. “Tanto isso é verdade que depois, quando as tropas de choque foram acionadas, elas conseguiram retirar as pessoas e restabelecer a normalidade”, observou Flávio Dino.
“Que houve um erro de avaliação, não há dúvida”, disse o ministro. “Se esse erro foi deliberado ou não, a investigação irá mostrar. Mas nós podemos afirmar que o contingente usado inicialmente estava desconforme com a decisão anteriormente tomada”. Dino, porém, reiterou o que dissera antes quanto à eventual responsabilidade direta do governador agora afastado do DF, Ibaneis Rocha (MDB): “Não há, juridicamente falando, elemento para responsabilizá-lo”.
Confira a coletiva completa:
Demissões e apuração interna
Segundo Flávio Dino, o interventor federal na segurança do DF, Ricardo Cappelli, irá promover, nos 90 dias em que ficará na função, procedimentos internos de investigação para apurar as eventuais omissões da Polícia Militar e de outros órgãos de segurança. Ele afirmou também que Cappelli deverá promover substituições nos comandos das polícias e em outros cargos. Por enquanto, os acessos à Esplanada dos Ministérios e a circulação pela área continuará restrita sem prazo ainda para retornar ao normal. Até porque, lembrou o ministro, os três principais prédios da República, que foram depredados, neste momento são cenas de crime e passam por procedimentos de perícia.
Na avaliação de Flávio Dino, se algo de bom surgiu como consequência dos atos de violência do domingo é que eles fortaleceram a união entre os poderes e os entes federativos. Segundo ele, praticamente todos os governadores do país confirmaram participação na reunião que haverá na noite desta terça com Lula para reafirmar o apoio institucional. Dino pessoalmente conversou com dois dos principais governadores oposicionistas, Tarcisio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, que confirmaram a participação. Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, também confirmou.
Dez governadores já garantiram empréstimo de policiais dos seus estados para reforçar a Força Nacional de Segurança. Esse reforço somará mais 500 policiais à força normal, que tem um efetivo de 300 homens, dos quais, no domingo, só estavam disponíveis 140.
Capitólio sem vítimas e com mais prisões
“Graças a Deus, nosso país caminha para a normalidade institucional com muita velocidade”, declarou Flávio Dino. “Os golpistas não tiveram êxito”.
“Foi a invasão brasileira do Capitólio”, afirmou Dino. “Com a diferença de que aqui não houve vítimas e ocorreram muito mais prisões”. No dia 6 de janeiro de 2021, grupos de extrema-direita ligados ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump inconformados com a vitória de Joe Biden invadiram o Capitólio, sede do poder Legislativo nos Estados Unidos. Cinco pessoas morreram em decorrência da invasão.
Segundo Flávio Dino, no próprio domingo ocorreram 209 prisões em flagrante. Desde então, novas prisões aconteceram e agora são em torno de 1,5 mil os presos pelos atos de vandalismo nos três prisões prédios da Esplanada dos Ministérios. A maioria dessas pessoas estava no acampamento bolsonarista que estava instalado há mais de dois meses no Setor Militar Urbano em frente ao Quartel General do Exército.
Todos os presos estão na sede da Academia Nacional de Polícia, onde seus depoimentos estão sendo ouvidos por 50 equipes da Polícia Federal. Dino destacou o cometimento de um grave conjunto de crimes cometidos por essas pessoas: golpe de Estado (artigo 366 do Código Penal), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (previsto na Lei 14.197, que revogou a Lei de Segurança Nacional), dano ao patrimônio público e ao patrimônio natural e cultural, com agravante de tombamento (artigo 163 do Código Penal), associação criminosa (artigo 288 do Código Penal), lesão corporal (artigo 129 do Código Penal).
Dino destaca ainda que os golpistas não tiveram êxito na tentativa de “criar um efeito dominó”. Tudo indica que a partir da invasão dos três principais prédios da República, a intenção era ampliar o caos, fechando rodovias, refinarias e outros pontos. Não houve sucesso em nada disso. Houve tentativa de bloqueio em nove rodovias do país, mas todas elas já tinham o trânsito liberado nesta segunda-feira. A tentativa de fechar refinarias foi debelada. Inclusive com a ação de governadores oposicionistas, como Cláudio Castro, que impediu o fechamento da Refinaria Duque de Caxias (Reduq) no Rio.
Forças Armadas
Durante toda a entrevista, Flávio Dino tentou evitar avançar para qualquer tipo de consideração que não se baseasse apenas nas questões jurídicas. Questionado sobre a ação das Forças Armadas, o ministro afirmou que qualquer diferença de procedimento a essa altura já estava superada. No domingo, o Exército posicionou tropas em frente à entrada do QG, inclusive com veículos blindados, e impediu a entrada da polícia para prender os golpistas que, depois dos atos de vandalismo, voltavam para lá. Segundo Dino, aquela área era de jurisdição militar. E, então, foi necessário um entendimento com o comando do Exército para que as ações ocorressem. “Houve um entendimento institucional sobre como seriam feitas ali as prisões, e elas depois ocorreram. Entendemos que o episódio está superado”.
Dino também tentou isentar de responsabilidade o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que antes chegara a declarar que os acampamentos bolsonaristas em frente aos quarteis do Exército eram “manifestações democráticas”.
“Quero fazer uma veemente defesa da correção, lealdade e sinceridade de José Múcio Monteiro”, afirmou Flávio Dino. “Ele está à frente de uma das áreas mais delicadas do governo e optou por uma estratégia de entendimento”, continuou. “E a verdade é que até aqui as Forças Armadas foram firmes com relação ao compromisso com a legalidade democrática”.
A força das palavras
Dino falou ainda sobre a possibilidade de extradição do presidente Jair Bolsonaro, que desde o final do ano encontra-se nos Estados Unidos. “Para que haja um pedido de extradição, é preciso que a pessoa responda por algum procedimento criminal, o que não é o caso de Bolsonaro até o momento”.
Para Dino, porém, há grande possibilidade de evolução para a responsabilização pelo menos política de Bolsonaro pelos atos que foram cometidos no domingo. “O que aconteceu foi a materialização do discurso do ódio”, disse Dino. “As palavras têm poder”, continuou. “Ao longo do tempo, Bolsonaro dirigiu diversos ataques ao STF. Esse discurso frequente ganhou pernas, braços, pedras, tiros e bombas”.
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