Permanece acampado na Praça dos Três Poderes um pequeno grupo de pessoas que pregam uma “intervenção militar” incluindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional. O Congresso em Foco esteve no local na noite de ontem (sábado, 9) e lá encontrou dois militantes bolsonaristas que se tornaram famosos nos últimos dias. Um deles é Renan da Silva Sena, que agrediu enfermeiros durante ato no Dia do Trabalho e foi demitido semana passada do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde trabalhava como funcionário terceirizado.
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O outro é Paulo Felipe, militar da reserva (ele não informa a patente) e também é conhecido como “Comandante Paulo”. Em vídeo que viralizou, ele afirmou que “300 caminhões” se encontravam a caminho de Brasília, onde chegariam na sexta-feira (8), para – de acordo com as palavras dele – “darmos cabo dessa patifaria que está estabelecida no nosso país há 35 anos por aquela casa maldita ali, Supremo Tribunal Federal, com 11 gangsters”. O comboio, no entanto, não apareceu.
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Na manhã deste domingo (10), Paulo aceitou dar entrevista ao Congresso em Foco por telefone. Questionado sobre a ausência de caminhões, respondeu: “Eu não vou te dar muitas informações porque o autor do comboio, o comandante do comboio está debilitado. Ele pegou covid-19, estava na UTI, estou aguardando ele me dar retorno sobre isso e ele é que está no comando dessa operação. Eu divulguei pra ele, porque eu divulgo vídeos quase que diariamente, ele me contactou e pediu para que eu divulgasse, aproveitasse a minha evidência nas redes sociais e divulgasse pra ele”.
Paulo mantém um perfil no Facebook, onde publica vídeos quase que diariamente. No diálogo com a reportagem, ele reiterou a defesa da ruptura constitucional e da invasão do Congresso e do Supremo para ampliar os poderes do presidente Jair Bolsonaro. “A meu ver, essa é a saída para o país”, disse.
Veja o vídeo em que Paulo ameaça invadir os principais órgãos do Legislativo e do Judiciário do país:
Segundo o advogado constitucionalista Marco Aurélio de Carvalho, a fala de Paulo caracteriza “incitação à quebra do pacto democrático, da ordem constitucional vigente; o que ele quer é um golpe de Estado e ele tem que responder por isso”. Ele também estranhou o fato de a Polícia Militar do Distrito Federal permitir o acampamento. “É uma condescendência criminosa, isso é um delito”, acrescentou Marco Aurélio, citando o alinhamento entre o governador Ibaneis Rocha (MDB) e Bolsonaro como uma possível razão para tal conduta.
Mesmo entendimento tem Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. Conforme o jurista, o simples fato de o “Comandante Paulo” andar com farda militar respalda uma ação: “Qualquer pessoa pode entrar com representação mostrando que ele está fardado e que a PM não está fazendo nada e ela será responsabilizada por isso”.
De acordo com o artigo 172 do Código Penal Militar, é crime, com pena de detenção de até seis meses, usar indevidamente uniforme, distintivo ou insígnia militar. O artigo 46 do Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, também proíbe “usar, publicamente, de uniforme, ou distintivo de função pública que não exerce; usar, indevidamente, de sinal, distintivo ou denominação cujo emprego seja regulado por lei”.
O Congresso em Foco procurou a PMDF e a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) em busca de explicações.
Eis a resposta da Polícia Militar: “A PMDF informa que não há acampamento na Esplanada. Um grupo tentou se instalar ali, mas foi retirado no domingo (3). A PM solicitou que o DF Legal notificasse os manifestantes para retirarem as barracas do local”.
DF Legal dá nome a um programa e também a uma instituição do governo do Distrito Federal. A SSP-DF respondeu que a lei impede “qualquer tipo de acampamento” na região compreendida pela Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes, “em toda extensão”. Mas, referindo-se ao acampamento dos “300 do Brasil” da semana passada, diz que negociou a “saída pacífica” dos manifestantes (ver a íntegra da nota no final do texto), após ser acionada pela Secretaria DF Legal.
Tanto a PM quanto a SSP, contudo, se referem às dezenas de barracas instaladas semana passada no gramado da Esplanada dos Ministérios, próximo ao Congresso. O grupo, de fato, deixou a área e disse ter se deslocado para outro local no Distrito Federal, para o qual simpatizantes de Bolsonaro estão sendo convocados para fazer atividades próprias de estratégias paramilitares. Agora, o que há é um grupo bem menor, sem barraca, mas com colchão, roupas de cama, agasalhos e os mantimentos e utensílios necessários para ali passarem a noite, debaixo do Museu Histórico de Brasília.
Localizado entre o Palácio do Planalto – sede da Presidência da República – e o Supremo, os bolsonaristas ficam a menos de 50 metros da área cercada do STF, que Paulo e seus comparsas querem invadir.
O Congresso em Foco passou por lá, na noite de sábado (9), em dois diferentes horários: pouco depois das 19h e após as 20h. Um grande pôster, no qual está pendurada uma bandeira do Brasil, anuncia do que se trata: “Acampamento patriota. Apoio ao Bolsonaro”. Um telefone com prefixo de Goiás é divulgado para os interessados em se engajar no movimento pela derrubada do regime constitucional. Nas duas vezes, havia perto de uma dúzia de pessoas no improvisado acampamento.
Toda a área do Congresso Nacional está cercada e vigiada pela Polícia de Trânsito, que é vinculada à PMDF. Diversas viaturas foram vistas no local. Em uma das vezes, o repórter parou, registrou imagens do carro e foi abordado por Renan. Perguntou por Paulo. “Ele está dormindo”, respondeu Renan.
Veja o vídeo
No sábado, durante o dia, houve foi uma manifestação de “tiro ao alvo”, na qual o objetivo era acertar balões com fotos de parlamentares e governadores.
Paulo Felipe disse à reportagem que não há previsão de data para sair da Praça dos Três Poderes. Observou que não integra o grupo “300 do Brasil”. Seu discurso é um só: “intervenção”. “A invasão, quando eu falo em invasão do Congresso… a invasão assim, quando você fala em invasão do Congresso, do Planalto, do Alvorada ou de qualquer outra, a invasão é na verdade tomada de conta da sociedade. Porque assim todas essas instituições pertencem única e exclusivamente à sociedade. Aquilo dali é a casa do povo, não pertence ao Supremo”, declarou.
Indagado sobre o número de pessoas envolvidas na movimentação da qual é porta-voz, afirmou: “Não tenho o número exato não, aqueles que eram considerados supostamente líderes de grupos já vieram aqui, são mais ou menos dez [líderes] que vieram aqui para falar comigo e estamos aguardando aí. Porque o cara fez um pouco de segredo com relação a certos detalhes e eu divulguei na intenção de que ganhasse mais visibilidade e estamos aguardando. Os caminhoneiros estão se subdividindo em outras missões pelo país e vamos ver o que vai acontecer nos próximos dias”.
Contou ainda que “TVs online” e youtubers bolsonaristas se colocaram à disposição para divulgar ações e ajudar Paulo “no que fosse preciso”. O “comandante” explicou que possui acesso restrito a informações, limita-se a repassar o que recebe de líderes maiores, que se recusou a dizer quais são. “Eu não anunciei datas [para o golpe de Estado] porque não me foi dada uma data exata. O pessoal andou colocando algumas coisas aí, mas com datas um pouco contraditórias. Eu não tenho datas, eu só divulguei aquilo que me pediram para divulgar”, justificou.
E se a “intervenção” acontecer? “Aí nós vamos chamar a quem é de direito. Por exemplo, nós temos um presidente a quem a sociedade confia, nós temos as Forças Armadas em quem a sociedade confia, que são os nossos representantes diretos numa situação como essa”, respondeu.
Nas suas palavras, a “intervenção” vai “respeitar a constitucionalidade”: “Quando você leva para uma votação eleitoral, você tem 50% mais um para eleger um presidente da República. Existe uma leitura chamada jurisprudência, essa jurisprudência que fica definida numa eleição, quando 50% mais um define quem é o representante da sociedade brasileira. Acho que nada mais óbvio do que respeitar essa constitucionalidade, essa visão da Constituição que dentre tantas coisas absurdas, essa é justa. Ou seja, quando 50% mais um decidir, é dessa forma que será feita”, argumentou.
Conforme sua particular interpretação, “constitucionalidade é tudo aquilo que parte do interesse do povo”: “A partir do momento que parte do interesse da sociedade parte a ser automaticamente constitucional. Mas a gente tem aí uma Justiça, encabeçada pelo Supremo, em que constitucionalidade é a ditadura que eles estão implantando no país. Eles usam a palavra democracia e constitucionalidade ao bel prazer deles, é uma ditadura do Judiciário”.
Advogado constitucionalista, Marco Aurélio de Carvalho rebateu: “A Constituição é uma conformação da vontade do povo, mas através dos seus representantes. Para poder traduzir essa conformação tem que reunir uma Assembleia Nacional Constituinte. [A leitura de Paulo Felipe] É uma leitura absolutamente equivocada dos comandos normativos vigentes, por desconhecimento ou má-fé”.
O advogado acredita que Paulo e outros militantes que pregam o golpe de Estado, ainda que sob o eufemismo da palavra “intervenção”, violam a Lei de Segurança Nacional (LSN) e podem ser enquadrados no crime de formação de quadrilha. O artigo 17 da LSN, por exemplo, prevê pena de reclusão de três a 15 anos para quem “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”.
Foi com base na LSN (Lei 7.170/1983) que o líder do PT na Câmara, Ênio Verri (PR), apresentou ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes notícia-crime contra Paulo Felipe.
“Trata-se de fato gravíssimo e que vem se somar às condutas, reiteradas já há alguns anos e com mais ênfase nos últimos meses, de um bando de celerados e acéfalos, reunidos em grupos de iguais, que estão promovendo, em todo o país e em Brasília (como as ações antidemocráticas investigadas em Inquérito da relatoria de Vossa Excelência), uma série de atos e ações inconstitucionais que objetivam, numa toada de aniquilação de Poderes (Legislativo e Judiciário) e supressão de garantias fundamentais, anular as conquistas democráticas tornadas realidades com a Constituição Federal cidadã, promulgada em 1988”, afirma a ação.
Indagado sobre o assunto pelo Congresso em Foco, Paulo assim reagiu: “Quando chegar até a mim, se for chamado, vou comparecer, vou confirmar tudo que eu tenho dito”.
Pedro Serrano discorda que a LSN, baixada pela ditadura militar, possa ser aplicada. “Ela é incompatível com a Constituição de 88”, enfatizou. “Falta uma lei que defenda a democracia para que gente que procure praticar atos de subversão da democracia e das instituições democráticas, como por exemplo praticar um golpe militar. Não temos uma lei que puna quem tente dar um golpe. Isso é uma ausência legislativa grave. O Congresso está omisso enquanto a isso e os problemas estão crescendo, até o presidente prega por um AI-5“, argumentou o jurista.
Serrano prosseguiu: “O grande problema do autoritário é que nas condutas dele, ele provoca você a tomar condutas parecidas com ele. Nós, democratas, somos, em substância moral, política ou cognitiva, diferentes deles. No dia em que nos tornarmos iguais, o autoritarismo venceu”.
Na sua opinião, agitadores como Paulo Felipe só poderão ser punidos se cumprirem suas ameaças, invadindo prédios públicos, ou cometerem outros crimes recepcionados pela Constituição de 1988.
Íntegra da nota da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal:
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) informa que, por força do Decreto nº 26.903, de 12 de junho de 2006, é vedado o uso das áreas públicas da Esplanada dos Ministérios, da Praça dos Três Poderes e dos eixos Monumental e Rodoviário, em toda extensão, para qualquer tipo de acampamento.
No entanto, realizar manifestação é um direito fundamental expresso no inciso XVI, do Artº 5, da Constituição Federal.
Com relação ao ato intitulado “Acampamento Patriota”, em frente ao Museu Histórico de Brasília, na Praça do Três Poderes, a SSP/DF esclarece que não houve solicitação de cadastro junto à Subsecretaria de Operações Integradas (Sopi).
Importante ressaltar que a Secretaria de Segurança Pública e o Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob), composto por 22 órgãos, instituições e agências do governo, monitoram atos públicos de toda e qualquer natureza, respeitados os limites constitucionais.
Além de auxiliar a promoção de ações de segurança pública, o trabalho integrado dos 22 órgãos que compõem o centro corrobora com a mobilidade, fiscalização e saúde da população do DF.
Já a secretaria DF Legal informa que age de acordo com o mesmo decreto citado acima pela SSP. Como os manifestantes não apresentaram nenhuma autorização dos órgãos competentes para permanecerem acampados no local, a Secretaria de Segurança Pública foi acionada, por meio do DF Legal, que negociou a saída pacífica da área.
Eles acataram a ordem e saíram de livre e espontânea vontade antes do término do prazo estipulado.
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