O plenário do Senado deve votar nesta terça-feira (31) uma proposta que dita normas gerais para a Polícia Militar e os Bombeiros militares no Brasil. A nova lei da PM avança ao unificar procedimentos, mas também deixa brechas para diminuir o controle civil das polícias, segundo especialistas.
O Projeto de Lei 3.045, de 2022, é relatado pelo líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES). O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última quarta-feira (25) e tem apoio de lideranças inclusive do governo. Leia a íntegra do relatório com o aval da CCJ. A proposta passou pela Câmara no ano passado.
A tramitação é um aceno do governo Lula aos profissionais de segurança pública. Também vem em um momento que o tema é amplamente discutido pela situação do Rio de Janeiro, que mobiliza o governo federal.
O texto avança em pontos importantes para a organização das PMs. Um deles é a manifestação política. Atualmente, cada regimento estadual da Polícia Militar coloca regras próprias a serem seguidas sobre o tema.
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Com o projeto, será proibido manifestar opiniões ou participar de ações político-partidárias utilizando símbolos militares, incluindo fardas, armas, viaturas ou insígnias. Também não poderão se filiar a partidos ou sindicatos, já que a carreira tem como base hierarquia militar.
No entanto, segundo Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o texto atual deixa uma brecha no que diz respeito a algo central na segurança pública: o controle civil. O artigo 29 do texto indica que os comandantes da PM responderão diretamente ao governador.
Para a especialista, a proposta de nova lei da PM deixa brecha para que as secretarias de Segurança Pública sejam extintas. Esse é o modelo do Rio de Janeiro, criticado pela falta de planejamento na área e que agora vive emergência com conflitos por parte de milícias.
“A secretaria de segurança é um órgão muito importante para viabilizar o controle civil do governador”, disse Carolina ao Congresso em Foco. “O controle civil poderia ser incluído nesse projeto”.
Outro ponto que ameaça o poder de controle das Polícias Militares é o modelo de ouvidoria indicado no texto. “A Ouvidoria, subordinada diretamente ao comandante-geral, poderá ser criada, na forma da lei do ente federado”, diz o projeto de lei.
Para as organizações da sociedade civil que acompanham o setor de segurança pública, o texto é vago e, por subordinar a ouvidoria ao comandante-geral da PM, retiraria a independência do órgão para apurar ações de policiais. A ouvidoria na estrutura policial normalmente é externa para ter o controle das polícias.
Entidades civis levaram essas preocupações para o relator do projeto, senador Fabiano Contarato, ainda em setembro.
“Ao contrário desse projeto, precisamos desmilitarizar, humanizar as polícias, efetivar formas de controle social sobre a sua atuação, frear a sanha assassina das polícias, e não der liberdade a elas, para que continuem matando pretos todos os dias”, escreveu o ativista Douglas Belchior ao divulgar encontro com Contarato sobre o tema.
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Outro ponto contestado por ativistas é o trecho do projeto indica que 20% das vagas nas PMs devem ser preenchidas por mulheres. No entanto, a redação também é confusa e pode impor um limite à participação feminina.
Divergências internas
Entidades representativas de policiais defendem o projeto relatado por Contarato. “É um avanço civilizatório, é um avanço ao regime democrático”, disse Rodolfo Queiroz Laterza, presidente do Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), na única audiência pública sobre o tema na CCJ.
Laterza citou o apoio da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme) ao projeto agora aprovado da Lei Orgânica da Polícia Civil – também defendida pelo líder do PT no Senado. Para ambas as organizações, é necessário atualizar a lei sobre os policiais militares, já que a legislação atual é da época da ditadura militar e se tenta aprovar uma nova lei da PM desde 2001.
O presidente da Feneme, Marlon Jorge Teza, citou a necessidade introduzida pelo projeto de apresentação de plano de segurança pelo comandante da PM, incluindo avaliações sobre letalidade e vitimização policial. “A gente conseguiu chegar a um bom termo. É verdade, nunca vamos chegar ao consenso total”, disse durante a reunião na CCJ.
Apesar da manifestação das associações de classe dos policiais, a proposta de nova lei da PM não é consenso nem mesmo no governo Lula.
Em 13 de outubro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio Almeida, emitiu nota criticando diferentes pontos do projeto, incluindo o trecho que pode liberar a extinção de secretarias de segurança pública e da mudança nas ouvidorias.
O ministério foi além e criticou ainda o reforço da “lógica militarista” nas forças de segurança. Para a pasta comandada por Silvio Almeida o texto reforça o vínculo da Polícia Militar com as Forças Armadas.
“Não há avanços no ponto de vista de uma discussão transparente e democrática sobre o uso da força, sobre o combate ao racismo e sobre a construção de um policiamento baseado em evidências”, diz a nota do Ministério dos Direitos Humanos.
“Essa lei orgânica, da forma como está, não muda a estrutura das polícias militares, ela não deslimitariza”, diz Ricardo. A especialista afirma que o texto não altera ou moderniza a estrutura das polícias, ainda que estabeleça normas e procedimentos que podem melhorar o funcionamento da corporação.
As críticas à proposta da nova lei da PM também levaram a Sou da Paz a apresentar uma nota técnica sobre o projeto. Leia aqui.
Apesar disso, Contarato não alterou o texto. As emendas acatadas em seu relatório são principalmente de redação e não mudam substancialmente as propostas. Com isso, se o texto for aprovado no plenário, segue para sanção presidencial. Com urgência aprovada, o texto deverá ser votado nesta terça-feira pelos senadores.
O Congresso em Foco procurou o senador Fabiano Contarato sobre as críticas das organizações civil ao projeto que ele relata, mas não obteve respostas. Em caso de retorno, a reportagem será atualizada.