As últimas semanas foram ricas em acontecimentos políticos: prisão dos suspeitos de serem os mandantes do assassinato de Marielle Franco, formalização de denúncia contra o ex-presidente Bolsonaro, descoberta que ele tentou asilo na embaixada da Hungria logo após a apreensão de seu passaporte e áudio vazado em que o antigo ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, declara que foi pressionado a incluir fatos inverídicos em sua delação, em entrar no noticiário internacional, acabaram tirando o foco da publicação, no dia 20 de março, do parecer do senador Marcelo Castro (MDB-PI) ao novo Código Eleitoral.
A primeira versão do código foi elaborada pela Câmara dos Deputados, sob autoria da deputada Soraya Santos, e votada na casa setembro de 2021. Desde então o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vinha segurando a análise do projeto.
No discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, a extensa proposta do novo código, com seus 898 artigos, teria por objetivo tão somente a consolidação e sistematização da legislação eleitoral e partidária já vigente, substituindo outras 7 legislações atualmente vigentes.
Na prática o novo código vai muito além do objetivo propalado por Lira. Em sua versão apresentada pela Câmara dos Deputados propunha limitar as competências da Justiça Eleitoral, revisar a forma como penalidades são aplicadas para políticos condenados por mal feitos, além de alterar regras que disciplinam despesas de campanha e prestação de contas eleitorais, entre outros.
O parecer do senador Marcelo Castro, ainda que suavize algumas das alterações propostas pelos deputados, inclui outras igualmente importantes, e trata-se de um calhamaço de mais de 150 páginas. O parecer também foi ofuscado pelo anúncio do presidente do Senado de que juntamente com a proposta do novo código tramitaria PEC prevendo o fim da reeleição. Conforme noticiado pelo Congresso em Foco: “O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o Senado quer aprovar a PEC do fim da reeleição ainda em 2024. Segundo o presidente da Casa, o texto deve avançar em conjunto com o projeto de Código Eleitoral, para ambos serem aprovados na Casa ainda neste ano”.
Ainda que o texto da PEC ainda não tenha sido protocolado, a proposta que circula pelos corredores de Brasília propõe instituir a proibição da reeleição para um segundo mantado consecutivo para os cargos executivos: presidente, governador e prefeito. Retornaríamos ao que originalmente previa a Constituição de 1988 quando de sua aprovação: mandatos com cinco anos de duração. Mais do que isso, a proposta que tem sido aventada alteraria o calendário eleitoral, para que todas as eleições, de presidente a vereador, acontecessem ao mesmo tempo. Para ser possível essa unificação de calendário, os deputados federais, deputados estaduais e vereadores passariam a ser eleitos para mandatos de 5 anos, e senadores para mandatos de 10 anos.
Segundo levantamento do Senado francês, os mandatos de senadores ao redor do mundo usualmente variam de 4 a 6 anos, sendo que em pesquisa em 60 países apenas 5 possuem mandatos de mais de 6 anos (Brasil e Chile com mandatos de 8 anos e França, Marrocos e Libéria, com mandatos de 9 anos), e nenhum deles apresenta mandato de 10 anos ou mais.
Além de reduzir o protagonismo das eleições locais e incentivar a nacionalização do debate de temas locais, a implementação de tal proposta dificultaria o processo de escolha dos eleitores, que teriam que escolher em uma única tacada candidatos para 7 cargos distintos.
Não há diagnóstico sobre crise democrática ou da representação política conhecido no mundo que recomende tal remédio.
Cabe ainda lembrar que os cargos legislativos são aqueles que figuram como os de menor prestígio entre os eleitores em todas as pesquisas de opinião que solicitem avaliação de instituições políticas.
Por fim, devemos lembrar que as eleições intermediárias comumente funcionam como termômetro para que partidos políticos sintam como a população está percebendo sua atuação nas diferentes esferas de poder.
Parece claro que tal reforma teria como efeito insular ainda mais partidos e detentores de mandatos das pressões da população, e não contribuiria de forma alguma para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.
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