Paulo Kramer* e Ricardo Caldas**
Uma geração de jovens profissionais se mobiliza para educar a opinião pública para a radical diferença que existe entre lobbying, de um lado, e tráfico de influência ou advocacia administrativa, de outro. Entidades de representação da categoria como a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) e o Instituto de Relações Governamentais (Irelgov) fomentam a formação e a qualificação dos recursos humanos dedicados a essas atividades e fornecem um público cada vez mais amplo para programas de pós-graduação e aperfeiçoamento, a exemplo dos cursos de especialização (lato sensu) em Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV — São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília) e Institucionais do Ibmec-DF, ou o ciclo de conferências “Relações Governamentais na Estratégia Corporativa”, no marco da Educação Executiva do Sistema Indústria — Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
Esse novo contexto propiciará a sedimentação de consenso favorável a um arcabouço de regras disciplinadoras do lobbying, como aquelas que já há muito vigoram nas democracias avançadas. O caminho, sem dúvida, é esse mesmo; ainda assim, convém ter claro que, nos Estados Unidos, os principais diplomas que inspiram os projetos de lei acima referidos — Federal Regulation of Lobbying Act (1946) e o Lobbying Disclosure Act (LDA, 1995), substancialmente revisto e ampliado em 2007, na esteira do escândalo de distribuição de “presentes” e viagens de recreio a congressistas e funcionários do executivo por Jack Abramoff, lobista de cassinos em reservas indígenas — não estão completamente a salvo de transgressões.
Como apontam o cientista político James Thurber, da American University, e os pesquisadores do Center for Responsive Politics, embora o volume total declarado de dinheiro anualmente gasto com lobbying não tenha se alterado significativamente entre 2009 (3,5 bilhão de dólares) e 2015 (3,21 bilhões), o número de lobistas registrados declinou do seu pico de 14.829, em 2007, para 11.504 em 2015. O que teria acontecido: fecharam seus escritórios e abandonaram Washington? Não: simplesmente pararam de se registrar, valendo-se de brechas legais e de um fraco sistema de fiscalização. Mais grave que isso: Thurber calcula que o total de pessoas que se dedicam ao lobbying na capital americana está mais próximo de 100 mil; e que a soma geral de despesas, em 2013, superou 9 bilhões de dólares, quantia bem superior aos 3,2 bilhões então declarados.
Acima de tudo e antes de mais nada, os empresários precisam alterar a maneira como encaram e defendem seus interesses — interesses, insisto, legítimos e legais —, para que a sociedade os acompanhe e se livre de velhos preconceitos acerca das relações empresas-governo.
Afinal, elas geram as oportunidades e os empregos que dignificam os trabalhadores e lhe permitem sustentar suas famílias, poupar e planejar uma vida melhor. Elas investem, contratam, pagam tributos — e como! —, com isso aquecem a economia, impulsionam o consumo, fazem a riqueza circular e irrigar as comunidades onde atuam, financiam a educação e a saúde públicas, a infraestrutura social, a proteção do meio ambiente. Por último, mas não em último, graças ao seu “saber de experiência feito” (Camões), têm elas a capacidade de auxiliar o governo a se prevenir contra os efeitos perversos e inesperados da aplicação de regras burocráticas impraticáveis e leis defeituosas aos ambientes em que estão acostumadas a operar.
O interesse público não se contrapõe, necessariamente, aos interesses privados. É a transação entre estes últimos que possibilita a consecução do primeiro.
Para concluir, empresas que alcançam um relacionamento saudável, maduro e exitoso com o governo não são aquelas que assediam com pleitos exclusivistas, em busca de privilégios e reservas de mercado; nem aquelas que logram influir escassamente na tomada de uma ou outra decisão do Legislativo e do Executivo — são, sim, aquelas que o próprio governo considera referências obrigatórias para a produção de melhores políticas, leis e regulamentos; aquelas que o governo se habitua a ouvir, a convidar para que participem de debates de alto nível em reconhecimento à relevância e à qualidade das informações e dos conhecimentos que agregam ao processo decisório. E, também, à confiança inspirada por sua atitude ética e por sua excelência técnica.
* Paulo Kramer é doutor em Ciência Política e docente aposentado da Universidade de Brasília (UnB).
** Ricardo Caldas, PhD e pós-doutor em Ciência Politica é docente do Ipol/UnB.
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