Os senadores da CPI da Covid ouviram, na tarde desta quarta-feira (15), o empresário Marconny Albernaz Faria, apontado como lobista da empresa Precisa Medicamentos, acusada de intermediar contratos superfaturados entre o Ministério da Saúde e a empresa produtora da vacina indiana Covaxin.
A oitiva foi definida pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), como “enfadonha, imprecisa, mentirosa em alguns aspectos e evasivo”. Ao final da sessão, Calheiros indicou que Marconny passará a ser investigado pela comissão.
O depoimento foi tenso em diversos momentos, com seguidas ameaças de prisão ao empresário. “O senhor esteve muito próximo de ter sido decretada [sua prisão], e só não ocorreu porque não temos clareza da limitação do habeas corpus que foi concedido a vossa senhoria”, disse o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu que ele ficasse calado caso necessário.
Em seu depoimento, Marconny negou exercer a atividade de lobista e diante dos parlamentares e disse que apenas “pesquisava e estudava a viabilidade política do trabalho a ser desempenhado no contrato” da Precisa. Apesar da pressão dos senadores para saber quem seria o senador que o ajudaria na Casa, Marconny indicou “não se lembrar” de quem seria. Ele também disse que tem contratos de prestação de serviços com parlamentares, mas negou citar qualquer nome, por questão de confidencialidade.
Relações com os Bolsonaro
Durante o depoimento, os senadores buscaram comprovar as relações de Marconny com integrantes da família Bolsonaro, bem como com a advogada do presidente, Karina Kufa, e a ex-esposa de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle.
Marconny disse conhecer Ana Siqueira, mas sem ter relações recentes com ela – com Jair Renan, a relação é mais longa. Ele também confirmou à CPI que prestou ajuda no processo de abertura da empresa do filho caçula de Bolsonaro. “Ele [Jair Renan] queria criar uma empresa de influencer. Só apresentei ele para um colega tributarista que poderia auxiliar na abertura dessa empresa”, disse. O amigo que Marconny apresentou foi William Amorim.
Ao responder questionamentos da senadora Leila Barros (PSB-DF), o lobista disse ter negócios com Karina Kufa, mas depois disse que não daria mais detalhes, se valendo do direito a permanecer em silêncio. Após ser indicado que sua fala poderia gerar sua prisão por falso testemunho, Marconny pediu a retratação de sua fala.
“O senhor é mais um oportunista nessa zona cinzenta que temos em Brasília. Uma zona cinzenta de interação entre lobistas, que essa é a sua profissão, autoridades que se deixam corromper e maus políticos”, afirmou Alessandro Vieira.
Agitador político
O depoente confirmou que foi integrante do movimento político Vem pra Rua, que promovia atos pelo fim da corrupção e a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Veja o momento que Marconny declara que comemorou o aniversário no camarote do filho 04 do presidente Jair Bolsonaro, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Com a declaração de Marconny, os senadores apontaram que com a proximidade do depoente e o filho caçula de Bolsonaro, o advogado possivelmente tem ligações com mais pessoas da família do presidente. Ele negou conhecer os outros integrantes da família.
Apesar de negar ser lobista da Precisa, Marconny detalhou o passo a passo dos seus trabalhos junto a empresa. Confira:
Marconny disse em seu depoimento que foi sondado pela empresa Precisa Medicamentos, investigada pela CPI da Covid, no início da pandemia de covid-19 para assessorar politicamente e tecnicamente a Precisa em uma concorrência pública para o fornecimento de testes rápidos para a Saúde. O depoente informou que acabou não participando do edital porque o processo já estava em andamento. Segundo ele, as negociações com a Precisa duraram cerca de 30 dias e depois o Ministério da Saúde mudou as diretrizes e cancelou o edital.
Os senadores ressaltaram que o assessoramento político para a participação de editais públicos é ilegal. Marconny confessou que presta serviços de assessoramento político e técnico a parlamentares. Ele não citou nome de congressistas, alegando cláusulas de sigilos. Marconny informou que apesar de ser advogado, não é inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por motivos “pessoais e políticos”. Segundo o advogado, ele não é sócio de nenhum escritório de advocacia.
Marconny assumiu para os senadores da CPI que recebeu um manual técnico da Precisa Medicamentos para fraudar licitações do Ministério da Saúde. “As informações que nós temos demonstram que Marconny atuou para fraudar a licitação da compra de testes de detecção da covid em associação com Francisco Maximiano, Danilo Trento e Roberto Dias”, disse o relator Renan Calheiros.
“Isso foi enviado pela parte técnica da Precisa, senador”, respondeu Marconny Faria.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, afirmou que o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), é um “prevaricador”. Os senadores constataram que o ministro soube das irregularidades da Precisa Medicamentos com o Ministério da Saúde e não tomou providências. “Ele foi na casa do senhor Marconny, colheu material e não tomou providências”, disse. Os parlamentares decidiram que vão marcar a oitiva de Wagner Rosário para a próxima semana, informou Omar Aziz.
Entenda o contexto:
Marconny Faria é apontado como intermediário nos contratos entre a empresa e o Ministério da Saúde para compras da vacinas da Covaxin. Há suspeitas de superfaturamento sobre o contrato. Documentos coletados pela comissão também apontam que Marconny contribuiu com negócios particulares do filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan. Conversas no celular do lobista foram copiadas a pedido do Ministério Público Federal no Pará e enviadas para a CPI.
Havia uma orientação para que caso ele não viesse a comparecer voluntariamente no Congresso Nacional na hora de sua convocação, a Polícia Legislativa poderia conduzi-lo coercitivamente. A decisão foi proferida na tarde de segunda-feira (13) por uma juíza, representa também uma mudança no posicionamento da própria CPI, após o lobista escapar sucessivamente dos depoimentos agendados.
No início de setembro, Marconny apresentou um atestado médico alegando dores pélvicas para não comparecer ao depoimento previamente agendado. O médico que assinou o documento, no entanto, procurou a CPI para se retratar e anular o atestado, por considerar que Marconny estaria fingindo.
Além de Renan Bolsonaro, Marconny Faria tem histórico de relações em negociatas com o líder do governo na Câmara do Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), apontado como um dos líderes do esquema.
Focando os trabalhos nesse segundo semestre sobre as relações da Precisa, os senadores buscam concluir os pontos principais deste recorte de trabalho. Na terça-feira (14), a CPI ouviu Marcos Tolentino da Silva, que é considerado o “sócio oculto” do Fib Bank, que teria atuado como uma seguradora das operações que a Precisa buscava fazer junto ao governo federal.
O depoimento de Marconny abre o que promete ser as duas semanas finais da CPI da Covid: a expectativa dos senadores é que a CPI encerre seus trabalhos e vote o relatório final, do senador Renan Calheiros (MDB-AL), até o final do mês.
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