Ricardo Ramos
Dois dias depois de declarar ao jornal Folha de S. Paulo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha responsabilidade pela atual crise política, o ex-ministro da Casa Civil deputado José Dirceu (SP) disse ontem, em depoimento ao Conselho de Ética, que vai se defender das acusações a que responde sozinho. “Não vou pedir nada nem ao meu partido nem ao presidente Lula, vou me defender sozinho”, afirmou.
Durante cinco horas, o ex-ministro repetiu exaustivamente que não houve caixa dois na campanha presidencial de Lula em 2002. Dirceu, que responde a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho, afirmou que o Diretório Nacional do PT prestou contas da campanha à Justiça Eleitoral. Ressaltou ainda que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares já confirmou que o dinheiro de caixa dois utilizado pelo partido foi usado para pagar despesas de campanhas estaduais.
O deputado recorreu nessa terça-feira à Comissão de Constituição e Justiça contra a decisão do Conselho de manter o processo movido contra ele pelo PTB mesmo após o partido ter recuado em seu pedido. Dirceu avisou que vai "recorrer aos tribunais do país" caso a comissão também rejeite sua solicitação. O ex-ministro classificou a decisão do Conselho como "uma afronta à norma regimental".
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Ele acusou diversas vezes a imprensa de fazer uma cobertura "tendenciosa" contra ele e de tentar dar um "golpe branco" para desestabilizar o governo Lula. "Há em setores da mídia e da oposição uma tentativa de desestabilizar o governo e dar um golpe branco para que o presidente Lula não tente a reeleição, para que eu seja cassado."
O deputado petista também negou qualquer envolvimento em acertos financeiros para pagamento do publicitário Duda Mendonça, marqueteiro da campanha de Lula. “Numa campanha eleitoral, o comitê da campanha recebe informes de 15 dias, 20 dias, como está a situação geral da campanha. Em todos os aspectos e também no financeiro, mas não detalhes, de onde vêm os recursos, quem fez doação”, explicou ao Conselho, ao lembrar que o próprio Duda, em depoimento à CPI dos Correios, disse que jamais discutiu assuntos financeiros com ele.
PublicidadeMais uma vez, José Dirceu reafirmou sua inocência da acusação de que seria o chefe do esquema do mensalão. Para ele, estão em jogo as disputas de poder e a corrida presidencial do próximo ano. “No entanto, mesmo em um julgamento político, há necessidade de provas, sejam elas documentais, testemunhais ou a própria confissão de culpa”, disse o ex-ministro. No caso dele, ressaltou, nenhuma das três opções existe. “Mas cassar um mandato significa substituir o julgamento do eleitor”, afirmou Dirceu, num segundo momento.
Durante sua apresentação inicial, o ex-ministro disse que está provando sua inocência. “Estou vivendo um processo político e estou cada vez mais convencido da minha inocência”, declarou Dirceu. É a segunda vez que o deputado paulista vai ao Conselho. Na primeira, depôs como testemunha de acusação no processo que cassou o mandato de Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ele deixou a Casa Civil no dia 16 de junho.
Veja os principais pontos do depoimento de Dirceu ao Conselho de Ética:
Aval e participação nos empréstimos
Lembrou que é acusado de ter conhecimento dos empréstimos feitos pelo PT por meio do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. No entanto, afirma Dirceu, o próprio ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares desmentiu a denúncia.
O ex-ministro afirmou que jamais deu aval a empréstimos feitos por Valério. “Ele próprio (Valério) disse que não tinha como afirmar que eu soubesse. O Delúbio Soares nega e os bancos negam reiteradamente. Eu também nego”, ressaltou o parlamentar.
No entendimento de Dirceu, a única coisa que está provado é que deputados receberam recursos através do Banco Rural, por ordem do Valério a pedido de Delúbio. “E esses deputados estão respondendo por isso”, disse. “Eu não recebi (dinheiro)”, argumentou.
Ele pediu aos deputados do conselho que levem em consideração não só a sua vida e história política, mas os fatos. “Todos que vieram depor negaram minha participação nos empréstimos do PT”.
Encontros com Valério e no Rural
Afirmou ainda que os encontros com Marcos Valério sempre ocorreram em conjunto com representantes das empresas que ele assessorava, como o Banco Rural, o BMG e o Banco Espírito Santo.
Segundo Dirceu, os encontros com a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, não foram agendados por Marcos Valério, mas por José Augusto Dumont, ex-vice-presidente do Rural, que morreu em 2004, e por Sabino Rabello, que era presidente do conselho do banco na época.
Erros
Assinalou ainda que não pode aceitar ser cassado porque alguns dizem que isso é necessário. “Não quebrei o decoro parlamentar, nunca desonrei esta Casa e o governo. Se cometi erros políticos na direção do PT, quem tem de julgar são os filiados do partido”, disse. Dirceu citou alguns setores da mídia, que, segundo ele, comportam-se como partidos políticos lutando por interesses específicos.
Acordo com o PL
Sobre os acordos com o PL em 2002, Dirceu disse que participou apenas do acordo político, sem tomar conhecimento das questões financeiras envolvidas.
Compra de votos de deputados
Negou que tenha organizado, consentido ou mesmo participado da compra de votos de parlamentares para apoiarem o governo. E aproveitou para criticar o relatório conjunto das CPIs dos Correios e do Mensalão, que, mesmo sem concluir os trabalhos, disse que existe o mensalão e sugeriu a cassação de 18 deputados.
“Virei bandido”
Afirma que seu julgamento vai além da acusação de que seria o chefe do mensalão. “O que se está julgando é a minha história e o projeto político que estamos construindo para o Brasil”, analisou. Para Dirceu, é evidente que há um prejulgamento e um linchamento público. “Do dia para a noite, virei bandido. De nada vale o fato de que nunca tenha respondido a um processo judicial ou administrativo.”
Saque de amigo
Reafirmou não haver provas de que Roberto Marques tenha sacado recursos no Banco Rural. Amigo de Dirceu, Marques é acusado de sacar R$ 50 mil da conta da empresa de publicidade SMP&B, de Marcos Valério Fernandes de Souza. Segundo ele, o documento que comprova o saque do não teria sido reconhecido sequer pela CPI dos Correios.
Contatos com Jefferson
Afirmou que o motivo dos atritos com o deputado cassado Roberto Jefferson se referiam à nomeações para cargos no governo Lula. O ex-ministro disse ao conselho que teria se recusado a dar seguimento às nomeações de indicados pelo PTB.
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