Renata Camargo
As investidas dos ruralistas contra a legislação ambiental ameaçam desencadear uma onda de boicote a produtos brasileiros. As crescentes derrubadas de mata à margem da lei e as propostas para reduzir as áreas de proteção estimulam multinacionais a desistirem de importar artigos nacionais produzidos em áreas de desmatamento ilegal.
A advertência é feita por entidades ambientalistas ouvidas pelo Congresso em Foco, que veem nas restrições impostas recentemente contra o couro e a carne do Brasil o início de um processo que pode afetar a economia brasileira e abrir caminho para uma nova tomada de consciência.
“O Congresso e o Executivo têm que tomar muito cuidado, porque senão a gente vai receber boicote. O agronegócio tem um papel fundamental para o Brasil, mas ele tem que se enquadrar dentro da legislação ambiental e dos preceitos básicos da sustentabilidade”, afirma o presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), o empresário Fernando Almeida.
Reações
Em julho deste ano, a Nike, uma das gigantes na fabricação de materiais esportivos, anunciou que não iria mais comprar couro proveniente de animais criados na Amazônia. A multinacional argumentou que não tinha como comprovar que os produtos comercializados eram oriundos de terras desmatadas legalmente e que, por isso, faria a moratória até que os fornecedores se adaptassem. A Nike estabeleceu o prazo até julho de 2010 para que os fornecedores implantem “um sistema confiável de governança, com rastreabilidade total de produtos da pecuária e garantia de que esses produtos não estejam causando desmatamento”.
Dias depois do anúncio da Nike, a fabricante de calçados Timberland engrossou o discurso contra produtos sem garantia de origem e anunciou a suspensão da compra de couro proveniente de animais criados em áreas recém desmatadas na Amazônia. A empresa passará a exigir que os fornecedores indiquem claramente de onde vem o couro vendido à multinacional, para garantir que não sejam de áreas desmatadas ilegalmente.
Ainda em julho, a rede de hipermercados Wal-Mart reafirmou a suspensão da compra de carne oriunda de áreas desmatadas no Pará e condicionou o retorno das compras ao rastreamento do produto. Em nota publicada pela empresa, a rede afirmava que está ciente e “sensível à pressão econômica e social” que o embargo tem acarretado à região, mas que manteria a posição como “claro recado ao agronegócio de que não há mais espaço para produtos que destroem o maior patrimônio brasileiro e causam mudanças climáticas”.
O posicionamento das multinacionais irritou os produtores do setor, que acusaram o Greenpeace de estar fazendo lobby para interesses estrangeiros. Em junho, a ONG lançou o relatório Farra do Boi na Amazônia, onde está relatada a relação da cadeia de produção com a compra de matérias-primas oriundas de desmatamento ilegal. A pesquisa mostra a participação direta e indireta de empresas como a Adidas, Timberland e Unilever (leia o relatório em inglês).
Mercado ameaçado
Para Fernando Almeida, é difícil mensurar as consequências de decisões internas brasileiras no cenário internacional. O empresário afirma, no entanto, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) já tem mostrado que atividades que emitem níveis de gases de efeito estufa acima do aceitável vão perder mercado. No Brasil, a pecuária é considerada a atividade com o maior potencial de desmatamento. O desmatamento é o responsável por 70% das emissões de gases do efeito estufa do país.
Na terça-feira (4) da semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apresentou um relatório de avaliação do Sistema de Desmatamento em Tempo Real (Deter) que aponta para uma nova queda nas taxas de desmatamento na Amazônia. Segundo o relatório, as derrubadas superiores a 25 hectares diminuíram 33% em junho em relação ao mesmo mês do ano passado, para uma cobertura de nuvem de 43%. A área total de desmatamento foi de 578,6 km², enquanto no mesmo período, no ano anterior, essa área foi de 840 km².
“O Brasil tem mostrado política consistente para combater desmatamentos. Foi por isso que conseguiu os recursos da Noruega para o Fundo Amazônia. Mas quando a percepção de aumento de risco de desmatamento existe, como no caso de mudanças na legislação, isso pode ter impactos não só na exportação, mas em investimentos. É mais barato reduzir os riscos das mudanças climáticas do que lidar com as consequências dela”, afirma o superintendente de Conservação de Programas Temáticos do WWF-Brasil, Carlos Scaramuzza.
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