por Malu Ribeiro*
Leis são instrumentos norteadores de políticas públicas que orientam os caminhos que as nações e sociedades devem seguir. Elas sustentam a democracia, as instituições, nossos direitos e obrigações. Muito mais que um conjunto de regras, os marcos regulatórios podem contribuir para traçar o futuro que queremos. Se os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) fazem um apelo global à ação para acabar com a pobreza, garantir a paz e proteger o meio ambiente e o clima, o Congresso Nacional pode aprovar leis capazes tanto de nos aproximar quanto nos afastar desses objetivos.
As políticas públicas ambientais são fundamentais para garantir um crescimento sustentável e equitativo. Porém, os sucessivos ataques à legislação ambiental brasileira têm obrigado as organizações civis e a comunidade científica a uma atuação permanente de contenção de danos junto ao Congresso Nacional. Neste momento, todos os biomas brasileiros estão seriamente ameaçados com a tramitação do PL 364/2022, recém aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Tido como a pior das “boiadas” e um enorme retrocesso para o Brasil, esse texto que passa a considerar áreas de vegetações nativas não florestais – campos nativos, campos de altitude e savanas, entre outras – como áreas consolidadas e, assim, pode permitir a degradação de mais de 48 milhões de hectares. Por meio de uma redação dotada de ilegalidades e inconstitucionalidades, os campos nativos de 50% do Pantanal, 32% do Pampa, 7% do Cerrado e cerca de 15 milhões de hectares na Amazônia poderão ser degradados – sem falar da não aplicação da lei especial da Mata Atlântica.
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O debate em torno do PL 2.159/2021, que trata do licenciamento ambiental, também exemplifica o enorme esforço para contenção de danos junto ao Legislativo. Enquanto alguns setores produtivos pressionam por flexibilizações que podem resultar em danos irreversíveis ao meio ambiente, buscamos junto ao Senado Federal aperfeiçoar o texto vindo do Câmara dos Deputados para, dessa forma, garantir um equilíbrio que promova o desenvolvimento econômico sem comprometer a integridade dos ecossistemas e tampouco dilapidar patrimônios naturais destacados na Constituição de 1988 – como a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica, o Pantanal e a Zona Costeira.
Em tramitação no Senado Federal, o PL do licenciamento ambiental é extremamente relevante para ditar os caminhos que o Brasil deve seguir. Essa norma afeta diretamente a vida de toda a população do país e todas as atividades socioeconômicas. O problema é que o texto aprovado na Câmara dos Deputados afrouxa as regras do licenciamento ambiental para atender a pressão de determinados setores produtivos, isenta diversas atividades dessa obrigação e, com isso, fere princípios essenciais como os da participação social e da transparência.
Agora o Senado Federal tem a oportunidade de aperfeiçoar o projeto e de não permitir o desmantelamento desse importante instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente e de diversas outras políticas públicas – como de recursos hídricos, saneamento, habitação, mudanças climáticas, de proteção da Mata Atlântica e dos recursos naturais, entre outras. Vale destacar que o licenciamento ambiental não é um mero processo burocrático: é um instrumento de planejamento e gestão por meio do qual o Poder Público controla empreendimentos e atividades efetivas ou potencialmente poluidoras que podem causar degradação ambiental.
É fundamental que o Senado amplie a visão sobre esse instrumento e traga equilíbrio entre os anseios do setor produtivo mais arrojado, alinhado com as necessidades de transição energética, de uma economia de baixo carbono e com a realidade que a emergência climática nos impõe. Estamos na Década da Restauração dos Ecossistemas, ou seja, num momento-chave para alcançar o desmatamento zero, recuperar as florestas, acabar com os ataques contínuos de parlamentares à Lei da Mata Atlântica – patrimônio nacional e único bioma brasileiro protegido por uma Lei especial.
Uma mudança de postura do parlamento brasileiro para construção de agendas positivas, inclusivas e sustentáveis é possível. A PEC da Água (Proposta de Emenda à Constituição Nº 06/2021), que inclui entre os diretos fundamentais dos brasileiros e brasileiras o acesso à água potável, tramita na Câmara dos Deputados e aguarda os trabalhos da Comissão Especial, após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em outubro de 2023. Com a aprovação desse texto, o Brasil se alinhará aos países que, desde 2010, reconhecem, na ONU, o acesso à água em qualidade e quantidade como Direito Humano.
* Malu Ribeiro, jornalista, é diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica
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