Com o aumento no número de casos de covid e o avanço da nova variante, denominada de Ômicron, o neurocientista Miguel Nicolelis defendeu o atraso no retorno às aulas presenciais durante o Congresso em Foco Talk desta quinta-feira (20). Também estiveram no programa a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Carla Domingues e a integrante do comitê técnico do programa, Isabella Balalai, que discordaram da visão de Nicolelis.
Os participantes, no entanto, convergiram em opiniões ao concordar que a nova onda de covid-19, capitaneada pela variante ômicron, indica ter sintomas mais brandos que seus antecessores, mas isso não significa baixar a guarda contra o vírus e o combate à pandemia.
“Não temos a certeza do dado e não posso afirmar isso, mas percebe-se que a ômicron causa os sintomas em um período mais precoce do que víamos antes”, disse a médica Isabella Ballalai, que integra o Comitê Técnico Assessor em Imunizações do Programa Nacional de Imunização (PNI). A médica defende que a quarentena de cinco dias, defendida por parte dos especialistas, só deveria ocorrer mediante testagem e falta de sintomas.
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“Seria prudente mantermos a quarentena de 10 dias, porque na realidade a ômicron está fazendo um lockdown reverso“, alertou Miguel Nicolelis. Ele se explica: “Ela decidiu fazer um lockdown, e não os gestores. Ela está infectando tantas pessoas que muitas pessoas estão ficando em casa – pois muitas estão doentes – e as atividades econômicas estão sendo paralisadas por falta de pessoal”. A estratégia, defende o médico e neurocientista, é manter o máximo do lockdown para evitar contaminações adicionais.
Vacinação de crianças: “não há motivo para entender que não é segura”
O país começou, na última sexta-feira (14) a vacinar crianças com a dose pediátrica da vacina contra a covid-19. Apesar das diversas tentativas de movimentos antivacinas em desacreditar o imunizante, Isabella acredita que o brasileiro tem, no geral, uma cultura de visão positiva à imunização.
“Brasileiro acredita em vacina e busca a vacina quando ele tem percepção da doença, o risco da doença”, analisou a médica. No entanto, declarações do ministro da Saúde Marcelo Queiroga e uma ação de bolsonaristas contra a vacina surpreenderam a médica, que considera o esforço como parte de uma estratégia “muito bem organizada”.
“Não há motivo para entender que a vacinação de crianças não é segura”, indicou. “É mais segura do que, inclusive, para adolescentes”. Já Carla Domingues lembra que uma criança não vacinada tem 16 vezes mais chance de evoluir para um quadro de miocardite, quando comparado a crianças vacinadas. “Não há nenhum motivo para entrarmos em pânico e acharmos que vacinas irão matar nossos filhos, netos e sobrinhos. Elas irão salvar a vida de nossas crianças”, completou.
Retorno de aulas deve ser adiado?
O único ponto divergente entre os entrevistados ocorreu quando se questionou a possibilidade de retorno às aulas das crianças.
“Temos que mandar nossas crianças para a escola. Os pais tem que cobrar da escola o distanciamento das carteiras, que elas tenham condições de higiene das mãos, que não abram mão do uso das máscaras e que haja recreios em horários diferentes para turmas”, disse Carla Domingues, “a gente pode manter nossas crianças nas escolas, de maneira seguram seguindo protocolos estabelecidos.”
Isabella disse que também orienta pelo retorno às aulas desde outubro, e que as escolas são os ambientes mais seguros para as crianças. “A maneira de as autoridades ajudarem seria com a educação da população – em vez de mostrar o lado bom, é trazer a atenção para a necessidade de reduzir os casos”, disse. “A escola não pode parar, e fechar a escola, nesse momento, seria desastroso nesse momento.”
O contraponto foi feito por Nicolelis, que sugere um atraso no retorno às aulas de duas semanas – voltados à vacinação em massa de crianças.”Concordo que esse é o protocolo e esse é o correto. As escolas são essenciais no Brasil, pois elas desempenham várias outras funções”, argumentou o médico. “mas eu me sentiria muito mais seguro se tivéssemos uma campanha maciça de vacinação das crianças, e nós teríamos que ter um programa de distribuição de máscaras adequadas.”
Disseminação em áreas de baixa imunização preocupa
É um bom fato o país ter 70% de sua população imunizada – mas o valor é uma média da população de um país continental de 220 milhões de pessoas. Os números escondem nuances onde estados mais pobres estão mais atrás na campanha de vacinação – o que abre espaço para que o vírus continue a circular. Amapá e Roraima tem menos de 40% da população vacinada com as duas doses – e menos de 20% das pessoas com a dose de reforço
“Nós ainda temos condições, nestas localidades com baixa cobertura vacinal, de ter a disseminação da doença – aumento de casos, óbitos, casos graves – e principalmente o risco de termos novas cepas e variantes”, ressaltou a médica Carla Domingues, “que poderão ter uma letalidade maior, matar e adoecer mais gente.”
O risco se reflete até contra a própria solução – uma nova cepa, mais potente, pode fugir ao alcance de atuação das vacinas que temos, e tornar todo o esforço em vão. “A gente não pode achar que a situação já está sob controle, negligenciar medidas como uso de máscara, lavar mão adequadamente e manter o distanciamento social”, ponderou. “E precisamos que a nossa população com mais de 18 anos com acesso às doses de reforço.”
Relaxamentos no Reino Unido podem levar ao colapso
Nicolelis criticou a decisão do primeiro-ministro do Reino Unido, o conservador Boris Johnson, de decretar o fim das restrições causadas pela pandemia na próxima semana, ao menos na Inglaterra. O país, que aparentemente já teve seu pico de contaminados pela ômicron, quer a todo custo voltar ao cenário normal, com menos teletrabalho e isolamento – para o médico, no entanto, um erro primário.
“Esse relaxamento está recebendo críticas de toda a direção do serviço de saúde público britânico, o NHS, porque ele pode basicamente levar o sistema ao colapso”, advertiu. “Ele pode empurrar um sistema que foi levado ao limite neste último surto da ômicron, e está ignorando o fato de que todas as vezes que ele tenta fazer coisas como isso ele gera uma explosão de casos.”
O médico brasileira lembrou do chamado “Freedom Day”, ou o dia da liberdade, realizado por lá em 19 de julho. Naquela data, as restrições foram diminuídas e a partir daí até jovens podiam ir para a escola sem máscara. “E de repente os estudantes do ensino médio britânico tiveram um surto tremendo”, disse Nicolelis, que disse que outros países europeus estão tentando “esconder debaixo do tapete” casos de vírus da ômicron, como seria o caso da Espanha, que agora busca considerar a covid-19 como endêmica.
Sobre o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, Nicolelis poupou comentários, e acusou-o de ser um “vírus informacional”, que infecta pessoas ao desinformar a população sobre a doença. “O que me cause espanto é que ele continue capaz de proferir essas barbaridades em redes sociais e entrevistas públicas e não haja nenhuma ação das instituições brasileiras, já que passou de qualquer limite.”
Isabella Ballalai lamentou que a comunicação viciada não vem apenas do presidente – seriam dadas também por governantes que enxergam a ômicron como o “fim” da pandemia, ou considerar o carnaval como uma boa ideia. “E quanto mais vírus circulando, mais chances de novas variantes.”
Os entrevistados
A epidemiologista Carla Domingues, mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UnB), tem muito a falar sobre o assunto. Ela coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde de 2011 até 2019. Vigilância epidemiológica, imunização, sistema de informação em saúde e controle de doenças transmissíveis estão entre as suas principais áreas de estudos e de trabalho.
Isabella Balalai, que integra o Comitê Técnico Assessor em Imunizações do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Comitê Técnico Assessor em Imunizações do Estado do Rio de Janeiro e da Comissão Nacional de Especialidade Vacinas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Nicolelis, graduado em Medicina e doutorado em Ciências (Fisiologia Geral) pela USP, é pós-doutor em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann e ocupa o cargo de professor titular do Departamento de Neurobiologia da Duke University, nos Estados Unidos. Ele tem sido um crítico veemente das ações do governo brasileiro em relação à pandemia.
Esta é a terceira vez que o Congresso em Foco Talk tratará da pandemia ouvindo cientistas de renome. Em outubro, o virologista e pesquisador Fernando Real disse no programa que deveríamos nos preparar para uma longa convivência com o SARS-CoV-2. Em dezembro, os virologistas Fernando Spilki e Clarissa Damaso analisaram os possíveis impactos da ômicron.
> Um ano de vacinação e de ataques do governo Bolsonaro às vacinas
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