Há exatamente um ano, no dia 17 de janeiro de 2021, o Brasil deu seu primeiro passo para conseguir deter o avanço da pandemia da covid-19. De forma unânime, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a utilização emergencial das vacinas Coronavac e AstraZeneca, os primeiros imunizantes contra a covid-19 disponíveis no Brasil. Minutos depois da decisão em Brasília, a primeira dose era oficialmente aplicada em São Paulo.
As doses foram aprovadas em um momento crítico para a saúde pública nacional. Coincidentemente, a segunda onda da pandemia chegava em Manaus, que sofria com internações em massa e falta de oxigênio disponível para pacientes nas UTIs. O número de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil já oscilava ao redor de mil óbitos por dia, e dava claros sinais de tendência de piora.
“Não é de nenhum governador”
Da mesma forma que a chegada da primeira vacina coincidiu com o ápice da crise na saúde pública no Brasil, ela marcou o mais intenso momento de conflito entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria. O desenvolvimento da Coronavac se deu mediante constante supervisão do chefe de governo paulista, que procurava se promover a partir da distribuição do imunizante. Já Bolsonaro procurava impedir a aprovação do que chamava de “vacina chinesa” do governador paulista, hoje pré-candidato à presidência.
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Bolsonaro se manteve calado no dia da aprovação, manifestando-se somente no dia seguinte. “Apesar da vacina… Apesar não, né? A Anvisa aprovou, não tem o que discutir mais. (…) Então está liberada a aplicação no Brasil. E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador não, é do Brasil”, declarou a apoiadores, minutos antes da aplicação da primeira dose em São Paulo.
A primeira pessoa a receber uma aplicação foi a enfermeira Mônica Calazans, moradora da zona leste de São Paulo, em cerimônia com a presença do governador. “Hoje é um dia muito especial para milhões de brasileiros que estão sofrendo com a covid-19 em hospitais, centros de atendimento e em suas casas. Hoje é o Dia V, o dia da vacina, da vitória, da verdade e da vida”, declarou João Doria.
Reforço de vacinas e dificuldades
Não demorou para que outras marcas e tipos de imunizantes fossem aprovados no Brasil. Em fevereiro de 2021, a Anvisa aprovou o registro definitivo do imunizante do laboratório Pfizer, a primeira à base de RNA mensageiro, a mais moderna tecnologia utilizada até então em um produto do tipo. Em junho, foi a vez da vacina Janssen/Johnson & Johnson, a primeira capaz de imunizar contra a covid-19 em apenas uma dose.
No governo federal, porém, os obstáculos permaneceram. Em junho do mesmo ano, a CPI da Covid revelou que o Ministério da Saúde deixou de responder um total de 101 ofertas da Pfizer para que os imunizantes fossem disponibilizados ainda em dezembro de 2020. Ao longo do ano, governos estaduais mantiveram constantes as queixas de atrasos no fornecimento dos insumos, e o Brasil demorou a alcançar o ritmo de vacinação dos demais países industrializados.
Jair Bolsonaro também não deu trégua em seus discursos antivacinas. Tentativas de atacar a eficácia dos imunizantes, de desestimular seu uso na população, de impedir a implementação de políticas públicas para a sua distribuição e a divulgação de informações falsas sobre a sua segurança permaneceram constantes. Seu objetivo, porém, não foi alcançado: em janeiro de 2021, o Brasil alcançou a marca de 68% de pessoas com quadro vacinal completo de duas doses.
Novos atritos
No início da campanha vacinal contra a covid-19, João Doria foi o principal alvo das críticas do presidente por tentar assumir o protagonismo da implementação dos imunizantes. Em dezembro, o presidente encontrou um novo alvo: a própria Anvisa, que estudava os próximos passos para o país alcançar a maior taxa possível de imunizados.
A cizânia começou ainda quando a agência recomendou a exigência do passaporte vacinal para viajantes entrando no Brasil. Bolsonaro se manifestou contra, e procurou impedir que a recomendação fosse acatada em seus ministérios. Não demorou para que o Supremo Tribunal Federal (STF) precisasse intervir na situação, determinando que a Casa Civil seguisse a orientação da agência reguladora.
Logo em seguida, a Anvisa aprovou a aplicação de vacinas Pfizer em crianças de cinco a 11 anos. Bolsonaro intensificou os ataques à agência, exigindo os nomes dos pesquisadores envolvidos na recomendação. O ministro da Saúde Marcelo Queiroga acatou o discurso do presidente, e submeteu a utilização da dose pediátrica das vacinas ao resultado de uma consulta pública, que serviu apenas para retardar o início da campanha aos mais jovens.
O atrito do governo com a agência chegou ao ápice quando Bolsonaro questionou o interesse da agência com a vacinação de crianças. O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, respondeu de maneira ríspida com uma carta aberta, em que rebate os ataques do presidente e recomenda a sua renúncia.
Campanha contra vacinação continua
Mesmo diante de ataques por parte do presidente e de seus apoiadores, a vacinação contra a covid-19 segue avançando no Brasil. Na última sexta-feira (14), começou a imunização de crianças contra o coronavírus. Nascido no Mato Grosso e residente em São Paulo, o indígena de oito anos Davi Seremraminwe foi a primeira criança a receber a dose do imunizante no Brasil.
A distribuição das vacinas contra a covid-19 permanece enfrentando obstáculos: o fornecimento de doses pediátricas pelo Ministério da Saúde se encontra abaixo do necessário para a demanda; a desinformação sobre os imunizantes permanece intensa; a distribuição das doses se encontra nas mãos de uma empresa inexperiente no tema, e a variante Ômicron aumentou a demanda pela dose de reforço.
Por outro lado, a Fundação Oswaldo Cruz já se prepara para iniciar a produção de vacinas fabricadas com insumos nacionais, aliviando o desabastecimento por problemas externos. Paralelamente, a Anvisa avalia com o Instituto Butantan a possibilidade de acrescentar na imunização de crianças doses da Coronavac- a mesma que deu início ao programa um ano atrás.
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