Luís Paulo Ferraz*
A Associação Mico-Leão-Dourado recebeu com perplexidade o artigo assinado pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) publicado no portal Congresso em Foco.
O texto busca, através de uma série de frases desprovidas de mínima fundamentação técnico-científica, argumentar a favor do projeto de lei enviado pelos senadores que tem por objetivo extinguir a Reserva Legal, importante instrumento do Código Florestal para a proteção de florestas em áreas privadas.
No artigo os autores criticam “(…)ondas de discursos apocalípticos para barrar o progresso. O mais conhecido e refutado é o aquecimento global causado pelo homem. Outros existiram: preservação do Mico-leão-dourado, destruição da camada de ozônio, fim da biodiversidade, superpopulação, Amazônia pulmão do mundo, entre outras trapaças repetidas.”
Todas as chamadas “ondas de discursos apocalípticos” merecem ser refutadas uma a uma. Mas vamos nos ater aqui a uma agressão gratuita e incompreensível a um dos mais importantes esforços de conservação da natureza no mundo: a luta para salvar da extinção o Mico-Leão-Dourado. É inaceitável que senadores da República identifiquem esse trabalho como uma “trapaça”.
Talvez vossas excelências desconheçam, mas o Mico-Leão-Dourado é um símbolo da conservação da natureza no país. A espécie é endêmica do interior do Estado do Rio de Janeiro, ou seja, não existe em nenhum outro local no Brasil e no mundo. Está representada na nota de R$ 20, em selos comemorativos, em livros didáticos, no imaginário do povo brasileiro como um animal carismático que corre risco de ser extinto. Seria muito importante podermos contar com o apoio dos senadores para ajudar a protegê-lo. Nosso esforço é uma política pública, reconhecida no Plano de Ação Nacional para a proteger os Primatas da Mata Atlântica, coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio/CPB).
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Esta história começa na década de 1970, quando os cientistas brasileiros e internacionais já apontavam que existiam menos de 200 animais na natureza. A captura para o comércio ilegal e o desmatamento do habitat foram os principais motivos desta tragédia. Isto é fato, senhores senadores, comprovado por inúmeros artigos científicos, no Brasil e no exterior. Naquela época, sequer existiam as ONGs e todo o debate ecológico que viria a se fortalecer a partir de 1992, na maior conferência de chefes de Estados já realizada, aqui mesmo, no Rio de Janeiro.
A floresta onde vivem os últimos Micos-Leões Dourados, as matas de baixada do interior do Estado do Rio de Janeiro, foram praticamente dizimadas. Os micos não vivem nas florestas serranas, muito frias. Restam apenas 2% deste tipo de floresta. Não são 20%, não são 12%… são apenas 2% destas matas que ainda estão de pé, e separadas em muitos fragmentos. Receosos dos predadores, os animais não atravessam os pastos de baixa produtividade que predominam nesta região.
Os mais de 100 fazendeiros proprietários destas florestas são importantes aliados do Mico-Leão-Dourado. Nos anos 80 e 90, zoológicos do mundo inteiro ajudaram a salvar a espécie enviando micos para repovoar as matas destas fazendas particulares. O Zoológico Nacional da Smithsonian em Washington, nos Estados Unidos, foi um dos líderes deste movimento. Trata-se de um exemplo reconhecido internacionalmente. A população hoje ultrapassa os 3.000 animais. A situação melhorou, mas ainda há muito trabalho a ser feito.
A região de ocorrência da espécie está localizada entre o Rio de Janeiro e Macaé, base de toda a exploração de petróleo da bacia de Campos. Ou seja, uma zona estratégica do Brasil. Nem por isso o trabalho árduo teve qualquer viés ideológico para enganar a população, como citado no artigo. Ao contrário, esta história é marcada pela busca de soluções e parcerias das mais diversas com grandes empresas, governos, proprietários privados, organizações internacionais e sobretudo com a população local.
Entre os resultados das ações para a conservação do mico-leão-dourado ao longo dessas décadas está um modelo de agricultura que tem dado visibilidade aos pequenos agricultores, conscientes do esforço coletivo de que fazem parte, onde a proteção dos recursos naturais é fundamental para sua produção. Hoje o ecoturismo para ver o Mico-Leão-Dourado gera renda na região. Precisamos plantar mais florestas para ter mais áreas para o mico e água para as pessoas. Plantar florestas gera renda, agricultores locais estão melhorando de vida produzindo mudas de árvores nativas para nossos plantios.
Proteger o Mico-Leão-Dourado é proteger todos os animais e plantas da região e traz um enorme benefício para as pessoas. A área de ocorrência faz parte de uma das mais importantes bacias hidrográficas do Estado: a bacia do Rio São João. Os rios, cujas nascentes dependem da floresta onde vive o mico, abastecem a represa de Juturnaíba, que fornece água para toda a Região dos Lagos, municípios que durante a temporada de verão recebem milhões de turistas e já vivem crises hídricas.
Em toda a região temos duas Reservas Biológicas, que são protegidas arduamente pelo ICMBio, e pequena parcela de um Parque Estadual. Nenhum destes sozinho é grande suficiente para salvar a espécie. Precisam ser conectados a outros fragmentos de floresta. Entretanto, mais de 90% da área de ocorrência do Mico-Leão-Dourado na natureza são localizados em áreas privadas. Alguns proprietários criaram reservas para proteger a floresta e a espécie. Portanto, a maior ameaça que a biodiversidade da nossa região está enfrentando hoje é o projeto de lei de autoria dos senhores senadores, que visa extinguir a Reserva Legal dessas propriedades.
Estes mais de quarenta anos de trabalho envolveram muita gente, muitas organizações, universidades, empresas, apoiadores do mundo inteiro. É um orgulho para o Brasil. É um trabalho muito difícil, que exige conhecimento especializado, ciência, educação, políticas públicas. Senhores senadores, isso tudo não é uma trapaça, é muito trabalho. Venham nos visitar e conhecer de perto.
Portanto, a Associação Mico-Leão-Dourado e seus parceiros vem a público manifestar sua mais profunda indignação a este artigo elaborado pelos senadores, e fazer um apelo para que desistam de combater as poucas ferramentas existentes de proteção das florestas no Brasil, especialmente o Código Florestal. É possível proteger a natureza e fortalecer o desenvolvimento humano. É isso o que queremos. Revisem seus argumentos pois eles foram vencidos pelo tempo.
*Secretário Executivo da Associação Mico-Leão-Dourado
Congresso ameaça futuro do Código Florestal, denunciam entidades
Trabalho com Turismo EcoRural na Fazenda dos Cordeiros que está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU para 2030.
Visando sua sustentabilidade econômica, produzimos mudas de Mata Atlântica, cultivamos orquídeas e trabalhamos com agricultura orgânica. .
Harmonia com a natureza, preservação cultural e respeito a vida no campo como ela é, são nossos lemas e deveriam ser seguidos pelas pessoas eleitas, por nos, no Congresso.
Só conseguimos ser sustentáveis em Silva Jardim porque existe o Mico Leão Dourado e existe também uma Associação que se ocupa, intensivamente, da preservação da espécie por mais de 25 anos.
Vamos, no mínimo, respeitar quem está trabalhando por um mundo melhor.
Tenho uma propriedade na região de Silva Jardim e sou testemunha do trabalho incansável e dedicado da Aassociação do Moco Leão Dourado na proteção das florestas, da fauna e da agroecologia. Trapaça é de quem quer desconstruir toda uma consciência de proteção ambiental por ignorância e interesse econômico
O Comitê das Agendas 21 da Região Centroleste Fluminense – ComARC que reúne 14 Fóruns Locais Permanentes, num território com cerca de três milhões de habitantes, expressa sua solidariedade à Associação Mico Leão Dourado – AMLD, membro fundador do nosso Fórum no Município de Silva Jardim, RJ, em repúdio às afirmações falsas e irresponsáveis dos Senadores Flávio Bolsonaro e Márcio Bittar, cuja audaciosa ignorância não só desconhece ou, por algum motivo nocivo, pretende descredenciar o trabalho sério de uma instituição que vem notadamente conquistando, cada vez mais, a confiança e o apoio efetivo de renomadas entidades internacionais para sua luta pela preservação de uma espécie, cuja situação de ameaça de extinção se baseia em dados absolutamente científicos e não em “trapaças”, como declararam aqueles que deveriam representar o nosso povo no Senado. É com extremo pesar que lamentamos constatar o desprezo de autoridades do mais alto escalão de nosso Poder Legislativo pelo sucesso incontestável de uma organização sem fins de lucro que conseguiu transformar sua luta em símbolo do potencial humano para reverter sua influência degradadora na Natureza. Símbolo, esse, reconhecido pela comunidade científica doméstica e internacional e capaz de entusiasmar, com seu exemplo, pessoas e entidades que acreditam nesse potencial, mundo afora, a ponto de, orgulhosamente, merecer estampar nossa própria moeda, na nota corrente de 20 reais. E é com extrema preocupação que observamos o evidente despreparo desses parlamentares para lidar com as questões inerentes à importantíssima posição que lhes foi confiada pelo voto de pessoas que, certamente, esperam muito mais reconhecimento e responsabilidade, em respeito ao pouco que ainda se faz de sério e legítimo em nossa Nação.