Para analistas e parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco, a fala do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, a respeito do Brasil ecoa as críticas que já vêm sendo feitas pelos países europeus sobre a gestão ambiental brasileira. No debate dos candidatos à presidência dos Estados Unidos realizado na noite de terça-feira (29), o ex-vice-presidente americano criticou o Brasil pela destruição da floresta Amazônica e mencionou um pacote de ajuda internacional de US$ 20 bilhões (R$ 112,6 bilhões) para combater as queimadas na região. Biden sinalizou, ainda, que a inação por parte do governo brasileiro poderá implicar em sanções econômicas.
“As florestas tropicais do Brasil estão sendo derrubadas, estão sendo destruídas. Mais carbono é absorvido naquela floresta tropical do que é emitido nos Estados Unidos. Vou garantir que vários países se reúnam e digam: ‘Aqui estão US$ 20 bilhões. Parem de desmantelar a floresta. Se não fizerem isso, vocês vão ter consequências econômicas significativas’”, disse Biden.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, afirmou que embaixadores de outras nações têm apontado na mesma direção. “Particularmente já estou ouvindo esse discurso há muito tempo por parte dos países europeus e outros países desenvolvidos. Eu tenho conversado com muitos embaixadores e todos eles falam a mesma coisa: ou o Brasil faz a lição de casa ou o Brasil vai perder muito no cenário internacional”, disse Agostinho.
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“É um discurso que se assemelha muito ao que a gente já está ouvindo dos presidentes e primeiros-ministros eleitos lá na Europa. A França, a Alemanha, a Noruega, a Inglaterra têm falado a mesma coisa”, lembrou. “Para mim, não foi nenhuma surpresa o que o Joe Biden falou ontem.”
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Em resposta a Biden, o presidente Jair Bolsonaro chamou a declaração do rival de Trump de inaceitável e disse que a soberania brasileira é inegociável. A política ambiental brasileira é criticada por diversos grupos econômicos – do Brasil e do exterior – por ser leniente com a destruição de seus biomas. “O mundo inteiro está chocado com a destruição que está ocorrendo aqui. Não é uma questão de soberania. A soberania é do Brasil, mas já que o Brasil tem soberania, o Brasil também o dever de cuidar”, pontuou o deputado Rodrigo Agostinho.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) considera que há uma diferença no tom utilizado por Biden. “Os países europeus falam de forma um pouco mais delicada reconhecendo o papel histórico que o Brasil tem nas suas relações internacionais. Nas falas de líderes europeus, eles sempre cobram uma postura em cima daquilo que o Brasil acordou internacionalmente, nunca numa posição de imposição”.
Para o petista, a fala de Biden expressa o pensamento norte-americano, que, em sua avaliação, enxerga a América Latina como seu quintal, em uma relação de submissão. “Evidentemente precisa ter o apoio internacional [para enfrentar a crise ambiental], mas não como imposição”, disse Tatto.
Relações internacionais
Desde o início do governo, Bolsonaro apontou para um alinhamento automático com os EUA. O economista André Sathler, analista do Farol Político, serviço exclusivo para assinantes do Congresso em Foco Premium, pontuou que Bolsonaro fez uma aposta muito clara e explícita pelos Estados Unidos com o presidente Donald Trump. “Não acho que se o Biden ganhar vai ter um rompimento, até porque o Biden é um cara moderado, não acho que será catastrófico, mas vai ser algo ruim, porque foi uma aposta muito alta e, quando você perde, você perde alto também”, disse ele. O analista também ponderou que uma eventual eleição de Biden poderá ocasionar um ajuste de rota nas relações entre os dois países.
Sathler entende que a menção ao Brasil no debate foi bastante significativa porque o único país citado além dele foi a China. “Em questão de política externa norte-americana, o único assunto que surgiu foi essa menção ao Brasil”, lembrou Sathler. Trump falou da China em tom crítico ao comentar a gestão da pandemia pelo governo chinês e a expansão da covid-19 pelo mundo.
Desde 2019, com o aumento dos índices de desmatamento e de queimadas na Amazônia, o Brasil passou a ser cobrado por países com os quais mantém relações comerciais por mais responsabilidade na gestão ambiental. Tanto o presidente quanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, porém, adotam uma postura diversionista e chegaram a negar o aumento dos crimes ambientais na região.
Para coordenador do projeto #RADAR Clima e Sustentabilidade do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), o advogado ambientalista André Lima, já são vislumbradas consequências econômicas no cenário internacional. “A gente já tem ouvido falar de gestores de fundos bilionários que já estão sendo procurados por investidores que querem deslocar os seus investimentos e, na medida do possível, se dissociar de atividades que possam estar intensificando o desmatamento em floresta tropical”, disse ele.
Para ele, uma mudança na presidência dos EUA pode ocasionar reações mais exacerbadas contra os crimes ambientais no Brasil. “O anteparo que o Bolsonaro tem hoje nos Estados Unidos é o próprio Trump, mas, havendo uma mudança de rumos por lá, não acho difícil haver um movimento mais forte da sociedade americana contra investimentos que possam intensificar desmatamento e queimada”.
Por conta das questões ambientais, países europeus colocaram em xeque a ratificação do acordo com o Mercosul. Em discurso na cúpula de biodiversidade da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta quarta-feira (30), o presidente da França, Emmanuel Macron disse que é por uma questão ambiental que não ratificará o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE). “A UE não assinou o acordo comercial com o Mercosul por ele ameaçar aumentar o desmatamento”, disse ele, conforme registrado pelo UOL. Todos os países membros dos dois blocos precisam ratificar o acordo para que ele passe a vigorar.
Rodrigo Agostinho avaliou que tanto o acordo do Mercosul com a UE quanto o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, estão em compasso de espera. “O acordo com o Mercosul e a entrada do Brasil na OCDE estão dentro de um freezer e só vão ser descongelados na hora em que o Brasil controlar o desmatamento. Isso eu ouvi de vários embaixadores europeus”, afirmou.
Na avaliação de André Lima, há sinais de que economia começa a olhar para o meio ambiente de forma diferente. “Será que agora meio ambiente e clima deixarão de ser tratados como a cereja do bolo e passarão a ser tratada como o fermento ou a farinha?”, questionou André Lima.
O papel do Congresso
Envolvido com o pleito municipal e questões externas, o Congresso tenta discutir uma agenda de projetos na área ambiental como resposta à postura do governo. “A gente está se esforçando bastante para poder levar alguns projetos a votação ainda este ano”, disse o deputado Rodrigo Agostinho. Entre eles, o deputado citou como exemplo medidas de controle do desmatamento e uma rediscussão do orçamento do meio ambiente. “Ano passado foi uma tragédia o que fizeram com o orçamento”, criticou.
Para Nilto Tatto, um dos principais papeis do Congresso neste momento é barrar os retrocessos impostos pelo governo Bolsonaro. Ele avalia que o não funcionamento das comissões impede que temas mais polêmicos avancem. “É ruim o não funcionamento das comissões, mas, por outro lado, funcionar as comissões de modo remoto dá mais segurança para poder avançar as propostas de retrocesso em todas as áreas, principalmente na ambiental”, colocou.
“Por exemplo: não dá para votar projeto para atualizar a legislação de licenciamento ambiental, porque isso requer um amplo debate com a sociedade e esse funcionamento não permite fazer um debate desse”, avaliou.
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