O projeto de lei que visa regulamentar a exploração de terras indígenas deve enfrentar dificuldade para andar na Câmara, avaliam deputados ouvidos pelo Congresso em Foco. O texto enviado ao Legislativo hoje é uma promessa antiga do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e foi anunciado ontem durante a cerimônia de comemoração dos 400 dias de governo.
Para o deputado Paulo Bengtson (PTB-PA), secretário da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), que é favorável ao projeto, “não há clima” neste momento para que o PL seja aprovado. “Acho que têm outras pautas que são mais urgentes para o Brasil, então acredito que isso fique para o segundo semestre, não sei se neste ano”, disse.
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) concorda que a tramitação da proposta neste ano é difícil e cita a mobilização de parlamentares ambientalistas e indigenistas como um dos fatores para isso. Ele afirma que a decisão da mesa diretora da Câmara de criar uma comissão especial, com regime de prioridade, para debater o tema facilita, mas ainda haverá “muita resistência”.
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Já o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), acredita que a proposta foi enviada “em um momento inadequado politicamente”. Ele menciona fatores internos e externos, como a pressão internacional pela proteção do meio ambiente, para afirmar que se trata de um projeto de “difícil aprovação”. “Seria bom o presidente repansar e retirar essa matéria. É um desgaste desnecessário”, diz.
Mineração, petróleo e agropecuária
O projeto enviado nesta quinta visa a exploração de atividades econômicas em terras indígenas, incluindo mineração, garimpo, extração de petróleo e gás, geração de energia elétrica e agropecuária. Os povos indígenas, porém, não terão poder de veto para rejeitar instalação de empreendimentos em suas terras. O texto determina, somente, que eles precisam ser ouvidos, mas a decisão de pedir a autorização para a exploração ao Congresso é do Executivo. A única exceção prevista é no caso de garimpo, que precisará da autorização dos indígenas.
Como contrapartida, o texto prevê diferentes pagamentos de acordo com a atividade desempenhada na área. Para desenvolvimento de energia hidráulica, por exemplo, o responsável pela concessão terá de desembolsar 0,7% aos donos da terra. Já na lavra de petróleo ou gás o pagamento fica entre 0,5% a 1%, a depender da análise da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Na mensagem enviada junto com o projeto, os ministros de Minas e Energia, Bento Costa Lima, e da Justiça, Sergio Moro, afirmam quem o projeto busca “alcançar a viabilização da exploração de recursos minerais e hídricos, em terras indígenas, a partir de soluções que contribuam para o desenvolvimento econômico de atividades, participação nos resultados e indenização pela restrição do usufruto dos povos indígenas”.
Apesar disso, o projeto recém divulgado não foi recebido por uma das principais iniciativas de representatividade dos povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas (Apib). Em nota divulgada hoje, a Apib afirma que o texto é “maquilhado de falsas boas intenções e retóricas que induzem à cooptação e divisão dos povos, tergiversando o real sentido da autonomia, para na verdade autorizar também a invasão dos territórios indígenas por meio de outros empreendimentos”
“A APIB, por tanto, denuncia a manipulação que o Governo Bolsonaro faz do nosso direito à autonomia e repudia esse projeto de morte que a qualquer custo quer implantar nos territórios indígenas, com impactos irreversíveis particularmente sobre povos indígenas isolados e de recente contato”, completa.
‘Integrar os indígenas’
Desde a campanha, Bolsonaro vem falando em explorar as terras e “integrar” os povos indígenas com o restante do país. “Com toda a certeza, o índio mudou, tá evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós. Então, [precisamos] fazer com que o índio se integre à sociedade, e que seja verdadeiro dono de sua terra. É isso que queremos aqui”, disse Bolsonaro no último dia 23.
A constituição garante aos povos indígenas o “usufruto exclusivo” de suas terras. O site do Instituto Socioambiental relembra que “de acordo com a Convenção 169º nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as terras indígenas devem ser concebidas como a integralidade do meio ambiente das áreas ocupadas ou usadas pelos povos indígenas abarcando portanto aspectos de natureza coletiva e de direitos econômicos, sociais e culturais além dos direitos civis. Os Artigos 15 e 14 da Convenção enfatizam o direito de consulta e participação dos povos indígenas no uso, gestão (inclusive controle de acesso) e conservação de seus territórios”.
Segundo o relatório da Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o número de invasões a terras indígenas vem crescendo nos últimos anos, em 2018 o número de invasões foi 111 e em 2019 subiu para 160 casos. Lideranças indígenas afirmam que os discursos do presidente Bolsonaro têm contribuído para este aumento.
Na última sexta-feira (31) o presidente Jair Bolsonaro, mais uma vez, foi a público atacar os povos indígenas e uma das mais importantes entidades do setor. As palavras do presidente acenderam o alerta vermelho dentro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pois, segundo o secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira a “fala do presidente foi muito desrespeitosa e ao mesmo tempo ela contribui para todo esse processo de violência contra os defensores dos direitos humanos no Brasil”.
“[Roraima] É um dos estados mais ricos do Brasil, nas questões de reserva. Nós estamos com dificuldades de levar a União para lá por questões indigenistas. O Cimi sempre prestou um desserviço para o Brasil”, disse o mandatário na sexta.
“A gente responsabiliza o governo federal, na pessoa do presidente Jair Bolsonaro, por qualquer dano que venha a ser causado aos missionários do Cimi”, disse em entrevista ao Congresso em Foco.
O pensamento de Eduardo vai de encontro com o que diz uma das maiores lideranças indígenas do país, Sônia Guajajara. Ela responsabilizou o presidente Jair Bolsonaro pelo assassinato a tiros de dois homens de sua comunidade, no início do mês, na BR 226, que corta a terra indígena do povo Guajajara no Maranhão. Firmino Prexede Guajajara e Raimundo Guajajara foram atingidos por ocupantes de um veículo quando voltavam de uma reunião em que discutiam a defesa dos moradores da região. Outros quatro indígenas foram feridos.
“Esses crimes não são casos isolados, são reflexo do ódio que vem sendo disseminado pela autoridade máxima do país contra nós, povos indígenas. O presidente deveria cumprir a Constituição Federal e garantir a proteção às nossas vidas e ao meio ambiente. Infelizmente o que vemos é o contrário, um comportamento que não condiz com o de um presidente. Exigimos justiça. esses crimes não podem continuar impunes”, disse Sonia em um vídeo publicado nas redes sociais.
“É a fala de um presidente da República. Isso tem um peso. Isso coloca os apoiadores dele em uma franca cruzada contra os colaboradores do Cimi”, declarou Eduardo.
“O governo caminha na direção do aumento da violência. As falas e as ações do governo fazem com que isso ocorra: as invasões por parte de garimpeiros e madeireiros. As queimadas que aconteceram, isso tudo vem em decorrência da fala do presidente da República”, afirmou.
Para ver é preciso estar de olhos abertos e não ser cego. Ainda assim, a visão depende de onde se olha e para onde se olha. É como diz o ditado: pior cego . . .