Desde o início da pandemia, o Congresso Nacional tem tomado a dianteira na votação de pautas de educação e assumido o vácuo deixado pelo Ministério da Educação (MEC), que já conta com o quarto ministro em um ano e meio de governo.
Em maio, com o processo de desgaste do ex-ministro Abraham Weintraub em curso, deputados e senadores começaram a discutir por conta própria o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020. À época, parlamentares acusavam o governo de não estar aberto às discussões. O Senado chegou a aprovar um projeto para adiar a aplicação da prova, com um único voto contrário, do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e orientação favorável da liderança do governo. O texto foi relatado, inclusive, por um dos vice-líderes do governo, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Leia também
Weintraub era resistente ao adiamento do exame e possuía um diálogo frágil com parlamentares. Pouco antes de sua saída da pasta, e antes que a Câmara referendasse a decisão do Senado, o MEC anunciou o adiamento do Enem. A decisão foi recebida como uma resposta às pressões que a pasta sofreu do Congresso.
Depois disso, o ministério ficou com um vácuo de poder durante semanas. Nomeado, o sucessor de Weintraub, Carlos Alberto Decotelli não chegou a tomar posse devido a inconsistências em seu currículo. Enquanto o Planalto buscava um novo nome, parlamentares se movimentaram para aprovar outras matérias de interesse do setor. Com um ministério sem comando, o diálogo com o governo passou a se dar com os ministros da articulação política e com um grupo reduzido de técnicos do MEC.
Na semana passada, duas matérias importantes contaram com o protagonismo do Congresso: a permanência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e a medida provisória que flexibiliza o ano letivo (MP 934/2020). A proposta de emenda à Constituição (PEC) do novo Fundeb foi aprovada por ampla margem na Câmara – 499 votos favoráveis e 7 contrários em primeiro turno e 492 a favor, 6 contra e uma abstenção em segundo. As duas matérias foram relatadas por deputadas, a primeira pela deputada professora Dorinha Seabra (DEM-TO) e a segunda pela deputada Luísa Canziani (PTB-PR).
Não apenas a votação, mas todo o processo de construção do texto e discussão do Fundeb expuseram a ausência do MEC, distante dos debates. A ponte com o governo foi feita prioritariamente com o Ministério da Economia, a Casa Civil e a Secretaria de Governo. O recém-chegado novo ministro, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, acabou não participando das discussões.
PublicidadePara o deputado professor Israel Batista (PV-DF), o apagão nas gestões Ricardo Velez Rodriguez e Weintraub cedeu espaço para um novo protagonismo político do Legislativo. “O Congresso Nacional assumiu uma posição de liderança”, avaliou ele. Outro fator que contribui para isso, na visão do deputado, é o aumento no número de parlamentares afetos à agenda da educação, de diversas regiões do país. A Frente Parlamentar Mista de Educação, que reúne deputados e senadores, é maior do que as das legislaturas anteriores.
Flexibilização dos dias letivos
Outra matéria que explicitou a forte atuação do Congresso foi a MP 934, que flexibiliza o calendário de escolas e universidades. Apesar de não ter havido queda de braço com o governo nessa matéria, a exemplo do que ocorreu no Fundeb, ela é tida como filha do Congresso. O texto original se restringia a três artigos e seu escopo foi ampliado sob relatoria da deputada Luísa Canziani, que atuou em conjunto com o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), parlamentares e outras lideranças da educação.
Segundo a relatora, o debate com o governo foi centrado na área técnica, em especial com o secretário-executivo da pasta, Paulo Vogel. “A construção política houve com o Vitor Hugo [líder do governo na Câmara], com a Casa Civil, com o general Ramos [da Secretaria de Governo]”, pontuou ela.
“O Congresso Nacional tem sido um grande protagonista, sem dúvida alguma. Inclusive, chamando o ministério da Educação para discussão”, avaliou ela. “Falta de diálogo, de conexão, de mobilização com o ministério por parte do Congresso isso não tem faltado. Todos os parlamentares têm chamado muito o ministério para as discussões, para que a gente possa construir políticas juntos.”
De um texto original que basicamente dispensava as instituições de educação do cumprimento de dias letivos, a deputada incluiu outras previsões mais detalhadas e também prospectivas para 2021, que também será impactado pelos efeitos da pandemia. Ela tratou com especificidade de cada etapa de ensino. O texto aprovado dispensa as instituições de educação infantil de cumprir os 200 dias obrigatórios do ano letivo e também a carga mínima de 800 horas. Escolas de ensino fundamental e médio poderão recompor seus calendários com um número inferior a 200 dias letivos, desde que garantido o cumprimento do mínimo de 800 horas de carga horária.
O texto também tem impacto financeiro, pois estipula o regime de colaboração em que a União deverá fornecer assistência técnica e financeira aos entes subnacionais para apoiar as atividades remotas e o retorno às aulas presenciais. Os recursos deverão vir do “orçamento de guerra” previsto na Emenda Constitucional 106, de 2020.
Também foi incluída no texto a previsão de uso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) para merenda escolar. Segundo a deputada Canziani, os 30% destinados à agricultura familiar seguem resguardados. A medida possibilita ainda antecipação de formaturas de cursos de nível superior da área de saúde, quando houver cumprimento de 75% da carga horária. Outra mudança foi a criação de uma espécie de 4º ano do ensino médio, que poderá ser cursado no caso em que o estudante desejar fazer revisão de conteúdos mal trabalhados em 2020 antes do ingresso em instituições de ensino superior.
No Senado, sob relatoria de Carlos Fávaro (PSD-MT), o texto da Câmara foi chancelado apesar sugestões de destaques por parte dos senadores. Um deles visava impor em 2020 a realização do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida). A última edição foi realizada em 2017 e os senadores pressionam pela aplicação de um edição extraordinária para ampliar a oferta de médicos no país e ajudar no combate à covid-19.
Em resposta à demanda, o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), assumiu o compromisso de tratar do exame por meio e outra MP. “Em relação ao Revalida, eu assumo o compromisso. O governo tem o compromisso de enfrentar essa questão e nós vamos trabalhar para que rapidamente possa vir uma medida provisória que regulamente essa importante questão”, disse ele.
A MP foi à sanção presidencial e o presidente pode vetar trechos da medida, mas espera-se que não haja grandes mudanças. É esperada uma cerimônia no Palácio do Planalto para sanção da medida, com forte presença de parlamentares. No caso do Fundeb, o texto está sendo analisado pelo Senado, sob relatoria do senador Flávio Arns (Rede-PR), que não deve alterar o mérito da proposta. Por se tratar de PEC, não passa pela análise do presidente Bolsonaro e é promulgada assim que aprovada pelas duas Casas.
Benefício da dúvida
Poucos dias depois de assumir o comando do MEC, Milton Ribeiro foi diagnosticado com a covid-19 e ficou afastado do dia a dia da pasta. A doença impediu os contatos iniciais com parlamentares e não se sabe ainda qual será sua linha de atuação. Sendo assim, em que pese a falta de experiência em gestão pública do ministro, ainda é dado a ele o benefício da dúvida.
“Há uma insegurança ainda a respeito dos nomes, da composição lá no ministério, a gente não sabe ainda como vai ficar”, disse a deputada Luísa Canziani. “O que nós queremos é que a gente consiga logo superar questões que ficaram no passado e avançar todos juntos.” Há expectativa por um diálogo mais aberto com o novo ministro, depois de períodos conturbados com Velez e Weintraub.
“Pode levar um tempo até o ministério voltar a ter o protagonismo que ele teve antes, pelo menos até o ministro se adaptar, conformar uma equipe técnica que já esteja azeitada, bem organizada, que já saiba dos assuntos”, avaliou o deputado professor Israel.
> Governo deve enviar PEC que cria nova CPMF e espera arrecadar R$ 120 bi