João Batista Araujo e Oliveira *
Se você fosse um recém-nascido em qual proposta você votaria: licença-maternidade prolongada ou aposentadoria antecipada? E você, como mãe ou avó, o que prefere? Criança não vota, portanto é dever de adultos responsáveis – e isso inclui a classe política – velar pelos seus interesses.
Sobram razões para levar a sério a proposta de estender o auxílio maternidade, em vez da aposentadoria precoce. Também nesse terreno há evidências científicas robustas e melhores práticas nas quais se apoiar. Comecemos pelas melhores práticas. Em média os países da OCDE oferecem licença-maternidade de até 20 semanas, mas pelo menos dez países oferecem pacotes que chegam a um ano ou mais – incluindo licença-paternidade, maternidade e benefícios parciais. Eles preferem investir nas mães do que universalizar o aceso a creches públicas – devem ter boas razões para isso. Também é fato que raros são os países que antecipam a aposentadoria das mulheres cuja expectativa de vida varia de três a quatro anos a mais do que os homens.
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Vejamos as evidências, que vão do óbvio ululante a estudos científicos robustos. Comecemos com uma curiosidade: ter filhos afeta pouco a longevidade das pessoas, embora ter filhos homens possa reduzir em até um ano a vida da mãe – o fato é não-controvertido, as explicações são as mais variadas.
A principal razão para manter a mãe perto dos filhos é a amamentação – comprovadamente a amamentação no seio materno, pelo menos até os seis meses, traz benefícios já bem conhecidos para a criança, especialmente no que se refere ao aumento da imunidade, mas também há benefícios para a formação do vínculo de afeto e até mesmo fortes evidências de um aumento de até seis a oito pontos no QI – o que representa um ganho extraordinário. Mas, diferentemente dos demais mamíferos, o desmame não garante a autossuficiência da nossa espécie.
Há boas razões para prorrogar a licença-maternidade – e elas são muito mais fortes do que as razões para antecipar a aposentadoria das mulheres: cuidar de filho dá trabalho, e creches não são a solução mais óbvia, mais barata, mais eficiente e nem a melhor. A evidência sobre isso é muito forte: é muito difícil oferecer creches com qualidade comparável a que uma criança possa ter em casa. Isso se aplica à maioria das famílias. Para a maioria das crianças, creche – nem uma creche boa – faz diferença para adquirir as habilidades e competências físicas, sociais e cognitivas essenciais para sua sobrevivência e para o seu desenvolvimento.
Para as crianças que efetivamente precisam de creche – face às carências socioculturais das famílias, – só creches excelentes fazem diferença. Não é por acaso que nos países desenvolvidos raramente há mais de 30% de crianças de zero a quatro anos em creches, especialmente públicas. Os governos preferem oferecer mecanismos de atendimento alternativo de apoio às famílias – como programas de visitação familiar e de incentivo à leitura e interação. O Criança Feliz é um exemplo promissor, mas constitui apenas uma dentre várias alternativas eficazes para promover o desenvolvimento infantil.
Mas tem mais: há evidências abundantes de que crianças que são geradas, nascem e se desenvolvem num ambiente mais saudável terão uma vida mais saudável, mais longa, mais produtiva e, possivelmente, menos onerosa para o sistema público de saúde e previdência social.
Voltamos assim à reforma da Previdência: se as crianças votassem, elas votariam com base no seu instinto de sobrevivência e necessidade de proteção e previsibilidade. Por isso, certamente votariam para estender a licença-maternidade – quem sabe até os dois anos, e não para reduzir a idade de aposentadoria – que equivale, literalmente, a chorar o leite derramado. É possível que as jovens mães também pensem assim.
Senhores reformadores da Previdência, melhor do que consultar os sindicatos, seria oportuno perguntar a elas – sobretudo às mães de primeira viagem, o que elas prefeririam. Talvez fosse o caso de perguntar às senhoras de 60 a 65 anos que trabalharam durante toda a vida o que elas pensam a respeito e o que teriam preferido quando tiveram seus filhos, ou o que preferem hoje para suas filhas em idade reprodutiva.
Para aumentar a eficácia da legislação, dois cuidados seriam recomendáveis. O primeiro seria limitar o teto dos benefícios da licença estendida – de forma a distribuir melhor os recursos. Quem colocasse a criança em creche pública poderia ter uma redução do benefício. O segundo seria estabelecer condicionalidades para assegurar que os pais efetivamente possuam habilidades reconhecidamente eficazes para promover o desenvolvimento das crianças. A forma mais barata de fazer isso seria vincular a obtenção do diploma de ensino fundamental – ou médio – a um estágio bem orientado de puericultura e cuidados infantis. Outra condicionalidade seria a de manter em dia a Caderneta de Saúde.
Previdência Social é política de longo prazo, por isso precisa ser pensada com visão de longo prazo. O melhor investimento para uma velhice saudável começa pela Primeira Infância. Oxalá os políticos – tão sensíveis aos gritos das ruas e das galerias do Congresso Nacional – se sensibilizem pelo silencioso grito dos “sem voto” e de suas necessárias e insubstituíveis mães.
* Presidente do Instituto Alfa e Beto e autor do livro Repensando a Educação Brasileira.
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