Com sessão convocada para esta terça-feira (3), o Congresso trava uma queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro pelo controle de mais de R$ 30 bilhões. Ainda sem acordo fechado, Bolsonaro aposta no Senado para vencer a Câmara. E, para isso, conta com o apoio até da oposição para manter seu veto à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o que impediria o Legislativo de dar a palavra final sobre o destino desse montante.
A segunda-feira foi de reuniões envolvendo personagens-chave como Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além de líderes partidários. Não está descartada a hipótese de adiamento da sessão conjunta de deputados e senadores até que se costure um acordo.
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Aliados improváveis como os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e deputados de esquerda e centro-esquerda já se manifestaram a favor da manutenção do veto. Na outra ponta, estão deputados do chamado Centrão, como mostrou o Congresso em Foco semana passada, que defendem a derrubada da decisão de Bolsonaro.
Defendida pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes, a flexibilização do orçamento é pano de fundo para os protestos contra o Congresso em 15 de março e a crise deflagrada pelo presidente ao disseminar vídeo de convocação para os atos. Até então havia um acordo para que os parlamentares devolvessem R$ 11 bilhões ao Executivo. Mas a situação mudou depois que o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) acusou parlamentares de chantagearem o governo pelo controle orçamentário. O entendimento, então, caiu por terra.
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Atualmente, 94% do orçamento é obrigatório, ou seja, o Executivo não pode retirar de uma área para colocar em outra, se achar necessário. Para que um veto seja derrubado, são necessários pelo menos 41 votos no Senado e 257 na Câmara. Criado em 2015, o orçamento impositivo obriga o Executivo a pagar emendas de parlamentares.
Com a mudança aprovada no Congresso, os deputados e senadores ficariam com a gestão de uma parte maior desse valor disponível para gastos não-obrigatórios, cerca de R$ 30 bilhões, enquanto o Executivo ficaria com R$ 50 bilhões. Os senadores resistem à medida, por entenderem que o relator do orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), poderá favorecer deputados, já que ele teria a palavra final sobre a aplicação dessas emendas.
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Esse avanço do Congresso sobre uma fatia maior do orçamento aconteceu porque a LDO aprovada pelos parlamentares estabelece que as emendas de comissão e as feitas pelo relator também sejam de execução obrigatória, assim como são parte das emendas individuais e de bancada. O texto prevê ainda que os parlamentares poderão definir a ordem de prioridade para a execução dessas despesas e determina um prazo de 90 dias para que o valor seja entregue.
Chantagem
Alegando que o trecho é “contrário ao interesse público”, o governo vetou a expansão do orçamento impositivo. O governo decidiu conversar e costurou um acordo para acatar somente o caput do artigo, mantendo os vetos aos parágrafos relacionados, mas o entendimento não foi para frente, após o governo não enviar um projeto de lei que iria redefinir a divisão dos R$ 30 bilhões sob gestão do Congresso – recuperando R$ 11 bilhões do total para o Executivo.
“Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se”, disse o general em conversa privada com outros ministros. O áudio do diálogo, entretanto, foi captado e divulgado pela transmissão ao vivo do próprio Planalto.
A declaração provocou reações dos parlamentares. Rodrigo Maia, por exemplo, afirmou que a frase foi “infeliz” e disse que Heleno virou um “radical ideológico”. Já o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), defendeu que o ministro do GSI fosse convocado para prestar esclarecimentos.
Contra o Congresso
O clima, que já estava quente, esquentou ainda mais com o presidente Bolsonaro endossando uma manifestação programada para 15 de março que tem como alvo principal o Congresso Nacional e foi ensejada pelas declarações de Heleno. O presidente compartilhou entre aliados, via WhatsApp, uma convocação para o protesto.
Em resposta, Maia adotou um tom brando ao se pronunciar sobre o assunto, mas criticou a atitude do presidente. “Criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir”, escreveu no Twitter.
Outras autoridades, como o líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também se pronunciaram contra o endosso de Bolsonaro às manifestações.
Emendas obrigatórias
A disputa pelas emendas obrigatórias não é um embate novo entre Executivo e Legislativo. Os deputados e senadores aprovaram nos últimos anos regras que garantem a eles maior autonomia nos gastos públicos. Nas três ocasiões em que isso ocorreu, contando com esta que ainda não está definida, o ocupante do Planalto enfrentava crises com os congressistas.
Em 2016, em meio às discussões sobre impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deu prosseguimento a uma proposta de emenda à Constituição que tornou obrigatória a execução das emendas individuais.
Três anos depois, no primeiro ano do governo Bolsonaro, os deputados e senadores deram mais uma demonstração de poder, aprovando outra PEC que determinou a obrigatoriedade das emendas de bancada.
Caso esse veto seja revertido, os quatro tipos de emendas orçamentarias possíveis – coletivas, individuais, de comissão e do relator – passarão a ser impositivas, ainda que limitadas a um teto, dificultando o manejo dos verbas e diminuindo o poder do Executivo.
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