A frase-desabafo que ilustra o título desta coluna é da autoria de Seixas Dória, o governador sergipano cassado pelo golpe civil-militar de 1964. Ela também serviu de título para o livro escrito pelo combativo Seixas Dória, em que narra a forma com que a repressão tentou aprisionar o seu corpo e castrar as ideais que compartilhava com o presidente João Goulart, especialmente aquelas que pretendiam reformar o Estado, distribuir terra para quem dela necessitasse, universalizar a educação e quebrar a estrutura patrimonialista brasileira.
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O cárcere imposto ao cassado governador se tornou um dos símbolos daquele obscuro período ditatorial em que defender a democracia era considerado “grave crime contra a segurança nacional”. “Crime” que vitimara milhares de brasileiros e brasileiras, vários também exilados, torturados, cassados, mutilados ou desaparecidos nas mãos de agentes estatais.
A História – anos depois – anotou em suas páginas os reais crimes cometidos durante a ditadura civil-militar e quem eram os verdadeiros criminosos, embora não tivesse ela a coragem de colocá-los nos bancos destinados aos réus. Os confessos réus destes comprovados crimes nunca foram condenados. Entretanto, a Seixas Dória e aos demais “réus sem crimes” a sentença absolutória somente se tornou possível em 05 de outubro de 1988, com o advento da Constituição Federal. É o que bem sentenciou o deputado Ulysses Guimarães no ato de promulgação da Constituição Federal: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.”
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Acreditava-se, assim, na profética mensagem do timoneiro Ulysses de que a nação iria mudar, pois a Constituição Federal se tornaria “a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”. Nunca mais defensores de tiranias, torturas, atos institucionais e golpes contra a democracia! Jamais o Congresso Nacional fechado ou o Supremo Tribunal Federal ameaçado! Em tempo algum a vida, a educação, a saúde, a segurança e os direitos transformados em mercadorias vendidas a preços vis! Em nenhuma hipótese a liberdade de imprensa censurada ou criticada por relatar a gravidade das pandemias! Não mais réus sem crimes!
Ledo engano! Saudosistas dos sombrios tempos autoritários querem revogar a Constituição Federal, pregam a repristinação do famigerado AI-5, postulam uma intervenção militar e não disfarçam o desejo de golpear a democracia. A mesma turba que despreza a vida por amar o dinheiro, que acredita que a escravidão é benéfica, que índio não é pessoa humana, que a mulher deve ser sub julgada, violentada e invisibilizada, que o saber desqualifica, que a segurança se faz com uma arma na mão, que saúde pública é ter um plano privado para chamar de seu, que os direitos atrapalham o mundo do negócio e que floresta boa é aquela derrubada ou queimada. Grupos que ocupam destacados cargos governamentais e que, por isso mesmo, transformam os seus quereres em destruidoras políticas públicas.
O negacionismo em carreatas eufóricas, os gritos histéricos que pregam a volta do autoritarismo e as denúncias recíprocas delatadas pelo presidente Jair Bolsonaro e o seu ex-ministro Sérgio Moro simbolizam e dão rostos, formas e falas às pessoas que seguem se recusando a respirar as mudanças sopradas pela Constituição Federal. Tudo de forma aberta, clara, sem disfarces ou subterfúgios, até porque os personagens envolvidos precisam do espetáculo público para que suas obscuras ideias ganhem adeptos e, espalhadas como fogo de monturo, queimem os alicerces da democracia.
Espera-se que estas desafinadas vozes sejam coibidas de seguirem contaminado os ares democráticos e civilizatórios duramente conquistados pela sociedade brasileira em 05 de outubro de 1988. Aguarda-se que as duas investigações requeridas pela Procuradoria Geral da República e já autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal resultem na comprovação processual do que o mundo real já testemunhou como verdadeiro. Os crimes cometidos necessitam da concretude e do enquadramento nominal dos réus, sob pena de se transformarem em nuvens passageiras. Afinal, foi-se o tempo dos réus sem crimes.
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