Eduardo Militão
A gravação de uma conversa entre funcionários da Câmara mostra que o esquema de venda de vagas de terceirizados, revelado pelo Congresso em Foco, permitia várias formas de pagamento. Além dos tíquetes-alimentação, a despesa poderia ser quitada até com material de construção e mão-de-obra de pedreiros e pintores para a ex-funcionária terceirizada Patrícia Guedes Silva, acusada de comercializar as vagas na Casa.
Tudo está documentado com notas fiscais, segundo áudios como o trecho reproduzido abaixo. São duas conversas obtidas pelo site, que somam 37 minutos e 16 segundos e estão divididas em cinco arquivos digitais. A pedido da fonte que repassou os áudios, o Congresso em Foco só publica as transcrições das conversas, para evitar a identificação de um dos interlocutores.
Trecho da gravação |
Como mostrou o Congresso em Foco, a Polícia Legislativa da Câmara investiga um esquema de venda de vagas de garçons e copeiras na Casa. Patrícia foi indiciada pelos policiais por estelionato. Ela é acusada por duas ex-funcionárias de receber de R$ 1.000 a R$ 3.500 para contratar servidores terceirizados e de desviar copeiras da Câmara para lhe prestarem serviços particulares.
Na primeira conversa, no início de março deste ano, o nome de Patrícia não é dito. Severino, funcionário do Anexo II da Casa, e seu interlocutor referem-se apenas a “ela”. O garçom diz que pagou a “ela” o equivalente a R$ 4 mil ou mais pelas vagas de um filho identificado apenas como Rogério, que trabalhou na Câmara, e da filha Fernanda Freitas de Araújo, que atua no Anexo III. O problema é que Rogério foi demitido depois, o que irritou Severino.
Revestimento e pintura
Na segunda conversa, o nome de Patrícia é mencionado. Ela acontece depois da primeira reportagem do Congresso em Foco, publicada em 17 de junho. O garçom Severino diz que bancou uma obra na casa de Patrícia, que foi a encarregada geral dos 800 terceirizados na Câmara mantidos pela empresa Unirio Manutenção e Serviços Ltda. Severino afirma que pagou 60 metros quadrados de pisos cerâmicos, além da mão-de-obra de um profissional para colocar o revestimento e outro para fazer pintura.
Na gravação, o garçom diz possuir nota fiscal da loja para comprovar tudo. Em determinado momento, faz menção a um cheque assinado que “ficou lá.” O garçom assegura que não foi apenas um favor prestado a Patrícia. Explica que o motivo da obra realizada foi o emprego para seu filho Rogério: “E o Rogério entrar aqui?”. Severino afirma, com irritação, que a então encarregada geral tem “rabo preso” com ele.
“Muito burra”
Neste trecho da gravação feita em março, o garçom Severino diz que o preço pago ficou em torno de R$ 4 mil pelo menos. E afirma que “ela” é “muito burra” porque o garçom sabe de tudo. Em outros trechos das gravações, Severino cita nomes de pessoas que compraram vagas.
FUNCIONÁRIO X – Tu sabe, todo mundo sabe que ela vende vaga ali.
SEVERINO – Isso, pronto.
FUNCIONÁRIO X – Tu já tá sabendo…
SEVERINO – Todo mundo sabe desde o começo. Mas ela é muito burra. Ela sabe que eu sei de tudo e ela [inaudível] na hora. Pra mim, ou ela é doida ou é burra demais.
FUNCIONÁRIO X – O que eu sei de nome de gente que pagou vaga. A mulher do Genésio é um…
SEVERINO – Todo mundo vendeu, todo mundo vendeu. Eu paguei pra Fernanda, pra Rogério entrar. Todo mundo
FUNCIONÁRIO X – Mas tu pagou muito?
SEVERINO – Paguei, paguei.
FUNCIONÁRIO X – Mil reais cada um? Mil?
SEVERINO – Ficou uns quatro mil ou mais…
Ainda na mesma conversa de março, mas um pouco antes de revelar o preço pago, o garçom Severino diz como foi sua conversa com “ela” para readmitir o filho Rogério, que, mesmo depois de pagar para entrar na Câmara, acabou sendo dispensado da empresa. O funcionário mostra que a reclamação com Patrícia aconteceu ainda este ano, já na gestão da empresa Unirio – que sucedeu a Capital Empresa de Serviços Gerais Ltda na prestação de serviços para o Legislativo.
SEVERINO – Busquei lá embaixo e [inaudível] e falei: “Ó, a partir de hoje, a partir de hoje, eu só falo com você, quando você fichar o Rogério. Eu só vou dar pra você bom dia e boa tarde”.
FUNCIONÁRIO X – Pra você fichar o Rogério?
SEVERINO – É, é. [inaudível] Hoje faz… Segunda-feira faz oito dias, segunda-feira faz oito dias que eu cheguei pra ela e falei: “Ó, A partir de hoje, eu só falo com você quando você fichar o Rogério seja onde for. Eu não sou otário, não, tá entendendo?”…
FUNCIONÁRIO X – Ela tava só?
SEVERINO – …Ela: “Estou”. “Ó, a partir de hoje, eu só falo com você quando você fichar o Rogério. Eu só vou dar bom dia e boa tarde porque é minha obrigação, tá bom?”. Ela: “Tá bom”.
(…)
SEVERINO – Quem fichou ele aqui? Ela. Quem tirou ele daqui? Ela. Então, ela tem muito [inaudível]. Eu tô errado?
Na segunda conversa, após 17 de junho, Severino fica irritado ao confirmar que Patrícia tem “rabo preso” com ele.
FUNCIONÁRIO X – Não, meu, a Patrícia tem o rabo preso com você não.
SEVERINO – Hein?
FUNCIONÁRIO X – A Patrícia tem o rabo preso com você não.
SEVERINO – Tem não?
FUNCIONÁRIO X – A Patrícia não.
SEVERINO – É mesmo?
FUNCIONÁRIO X – Poder vir Vanilson. Ela tá c* e andando pra você.
SEVERINO – É mesmo? Quem botou 60 metros de cerâmica na casa dela?
FUNCIONÁRIO X – Quem?
SEVERINO – Quem foi que botou?
FUNCIONÁRIO X – Tu é ceramista?
SEVERINO – É.
FUNCIONÁRIO X – Tu corta cerâmica?
SEVERINO – Eu corto. Eu comprei e botei. Quem botou? Quem pintou a casa dela? Foi você? Foi o Vanilson [José Vanilson, encarregado da Unirio]? Você não sabe nada.
FUNCIONÁRIO X – Não, não, uai. Mas, mas…
SEVERINO – Você vem falar pra mim: “Ela não tem rabo preso comigo”!
Na sequência, o interlocutor desafia Severino a mostrar qual a relação entre a obra e alguma irregularidade. E o garçom ainda acrescenta que possui documentos para comprovar o que diz, citando o nome de uma loja chamada de Madecon:
FUNCIONÁRIO X – Tu pintou a casa da mulher. Você botou cerâmica na casa dele. E aí? É rabo preso?
SEVERINO – É não?
FUNCIONÁRIO X – Não…
SEVERINO – E o Rogério…
FUNCIONÁRIO X – …Podia não ser.
SEVERINO – E o Rogério entrar aqui? O Rogério da…
FUNCIONÁRIO X – Ah, você botou pra…
SEVERINO – Aaaaaaah, você não sabe o que está falando, não!
FUNCIONÁRIO X – Não, agora entendi.
SEVERINO – Não, não entendeu foi nada. Tudo teve preço [inaudível] e eu anotei. Entendeu, pô? Eu tenho nota fiscal [som de palmadas na mão] da Madecon, entendeu? Tenho a nota fiscal [som de mais palmadas na mão]. O Luís pedreiro foi quem botou. O Zé Maria foi quem pintou. O Luís pedreiro [inaudível]. Eu tô calado. Tudo tem rabo preso aqui.
Severino faz comentários ofensivos a Patrícia e seus familiares pouco antes de citar a existência de um cheque assinado.
SEVERINO – Todo mundo sabe que ela é. Eu tenho é dó dela. Eu não. Meu salário é mil reais mesmo. Entendeu o que eu tô falando? Esse cheque assinado, esse cheque ficou lá.
O interlocutor do garçom diz que Patrícia pode mandar ele embora da empresa. “Vai ver vai te mandar embora depois”, diz o colega do garçom. Mas Severino desdenha dessa possibilidade e afirma saber de tudo.
SEVERINO – Ela não manda de jeito nenhum. Você é doido. Eu acho que você é doido. Como ela vai mandar o [inaudível] embora? Ou eu, que sei tudo? Eu tinha pago… Se ela pedir prova, eu tenho. Se ela pedir nota fiscal dos materiais, eu tenho, de tudo.
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