Em 1930, a eleição para presidente foi realizada no dia 1º de março, um sábado de carnaval. Foi uma eleição tensa, contestada. E seu resultado teve como consequência a revolução que levou Getúlio Vargas ao poder. Por conta de toda essa confusão, a apuração dos votos levou mais de um mês, até que fosse proclamada a vitória de Júlio Prestes, que não tomou posse graças à revolução comandada por Vargas.
A indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à validade da Lei da Ficha Limpa este ano pode fazer com que o resultado final das eleições que se realizarão no domingo (3) bata esse recorde de 1930 em termos de demora. Não para presidente, mas para governador, senador e deputado em alguns estados.
Depois do empate de cinco a cinco no julgamento do recurso feito pelo ex-candidato a governador pelo PSC no Distrito Federal Joaquim Roriz, a norma para as eleições deste ano caiu num limbo jurídico. Roriz renunciou da candidatura antes que o STF proclamasse algum resultado. Com a sua desistência, o tribunal considerou o julgamento prejudicado. Nenhum outro recurso será julgado pelo Supremo antes das eleições. Assim, ninguém sabe se a lei vale ou não.
O impasse continuará até quando? O próximo recurso que deverá ser julgado pelo STF é o do candidato a deputado estadual pelo PSB do Ceará Francisco das Chagas. Não se sabe quando o Supremo irá julgá-lo. E a possibilidade de um novo empate é certa, já que o STF continua com dez ministros, um número par, após a aposentadoria de Eros Grau. E os ministros que votaram no caso de Roriz certamente não vão mudar de opinião.
Se o STF for esperar que o presidente Lula escolha o 11º ministro, a definição sobre a validade da lei poderá durar muito. Não há prazos definidos para que o nome seja aprovado pelo Senado.
Mas há etapas obrigatórias que têm de ser cumpridas. Primeiro, feita a indicação, ela tem de ser lida pelo presidente do Senado em sessão. Depois, o nome indicado segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), acompanhado de documentos que comprovem as exigências básicas para o cargo, como, por exemplo, o “notório saber jurídico”. O presidente da CCJ designa, então, um relator para analisar a indicação. O indicado é depois sabatinado pelos senadores na CCJ. Aprovado na CCJ, por maioria simples, ele precisa, então, ser referendado pela maioria dos senadores (em sessão secreta em que compareçam pelo menos 41 senadores) em plenário.
“Se o STF deixar a decisão para a escolha do 11º ministro, vai gerar uma outra distorção muito grave: a sabatina será política”, avalia um jurista ouvido pelo Congresso em Foco que não quis se identificar. “O senador escolherá ou não o ministro de acordo com o resultado da eleição em seu estado. Se interessar a ele que determinado candidato questionado caia, ele votará de um jeito. Se interessar que o candidato permaneça, vai votar de outro. Não posso acreditar que os ministros do STF possam gerar uma situação dessas”, completa.
“É uma grande confusão”, concorda o especialista em Direito Eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Torquato Jardim. “Várias situações ficarão em suspenso, e há situações inéditas que a Justiça Eleitoral terá que julgar”, diz ele.
Diante da situação, o Congresso em Foco pediu a Torquato Jardim que avaliasse os vários casos que gerarão dúvidas. Leia abaixo como se dará a confusão gerada pela indefinição do STF:
O que vai acontecer com os candidatos que estão com os registros questionados com base na Lei da Ficha Limpa?
De acordo com o ex-ministro do TSE Torquato Jardim, toda a questão que envolve candidaturas que estão sub judice é definida pelo artigo 16-A da Lei Eleitoral (Lei 9.540), que, na íntegra, diz:
“Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.
Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.”
Ou seja, os candidatos que estão com a candidatura contestada por conta da ficha limpa participarão normalmente da eleição e terão seus nomes e fotos incluídos na urna eletrônica. Terminada a votação, os votos colhidos para esse candidato serão zerados, para efeito do resultado, mas guardados na memória do computador. Se o indeferimento da candidatura for confirmado, os votos permanecem zerados. O candidato está fora. Se houver uma reviravolta, com o STF mais tarde decidindo que a lei não vale para este ano, deferindo o registro, os votos, guardados na memória do computador, retornarão.
O que acontece se o candidato indeferido tiver vencido a eleição no primeiro turno?
Segundo Torquato Jardim, se o candidato teve 50% mais um dos votos, e foi indeferido, significa que nenhum dos outros candidatos obteve a maioria dos votos válidos. Terá de haver uma nova eleição. Se ele não teve 50% mais um dos votos, as hipóteses são duas:
– Se, recontados os votos, o segundo colocado teve metade mais um, ele ganha no primeiro turno;
– Se não teve, a eleição irá para o segundo turno com aquele que passa, então, a ser o segundo colocado.
E no caso da eleição para senador? No caso do Pará, por exemplo, em que os dois primeiros, Jader Barbalho (PMDB) e Paulo Rocha (PT), estão com as candidaturas contestadas?
Torquato Jardim diz que esse é um caso inédito, que a Justiça Eleitoral terá de decidir depois como resolver. “Esse será um problema complicado, não sei como será resolvido”, diz ele. Ele lembra que os candidatos têm de recorrer ao STF para manter suas candidaturas sub judice. Jader, por exemplo, teve a candidatura indeferida pelo TSE na noite de quarta-feira (29). Ele tem três dias para recorrer. Se não recorrer, está com a candidatura cassada, mesmo que o STF mais tarde decida de forma diferente sobre a validade da ficha limpa. Porque seu caso foi definitivamente julgado e não houve recurso.
E no caso das eleições proporcionais?
Segundo Torquato Jardim, o disposto no artigo 16-A da Lei Eleitoral determina que, em caso de indeferimento da candidatura, o voto dado no candidato perde todos os seus efeitos. Ou seja: perde efeito para elegê-lo e, no caso da eleição proporcional, perde também o efeito de eleger outros candidatos “puxados” por essa votação. Se, por exemplo, Paulo Maluf (PP) for barrado em São Paulo, ele sai e saem também outros eventuais candidatos da sua coligação que ele puxou. “Ou seja: o que se anunciar depois do domingo em termos de formação de bancadas será provisório. Ninguém vai poder estourar champanhe”, diz Torquato Jardim.
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