Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, com Lincoln Macário e Elizabel Ferriche, da Rádio Câmara:
Abaixo, a transcrição da análise da consultora de ciência, tecnologia, comunicação e informática da Câmara para o quadro Papo de Futuro:
Existe um momento em que todos nós saímos da beca de imortais para um sentido de mortalidade bastante comum a todos. É também assim como os militantes da área de comunicação no Brasil. Eu imagino que o nosso ouvinte deve dizer: que bom ser consultor de telecom! Isso te livra de todos os aborrecimentos comuns aos mais de 150 milhões de usuários de telefone, internet ou TV por assinatura no Brasil – embora essa estatística não seja precisa, porque os números são medidos por acesso, não por usuário.
Pois bem, a novidade é que, quando largamos o debate das leis para fazer uma ligação no celular, temos que descer do salto alto. A vala das reclamações é comum a todos. Por isso, eu decidi que hoje não daria conselhos, mas sim o meu depoimento. Como contratante de um serviço combo, ou seja, internet, telefone fixo, móvel e TV por assinatura, eu achei que estava com a vida tranquila. Uma única operadora, tudo muito simples. Mas não existe nada mais complicado do que lidar com contas, faturas e cobranças no setor de telecomunicações no Brasil.
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Você duvida? Pois veja bem, no caso da minha operadora, que eu não vou dizer o nome porque, no fundo, os padrões se repetem, eu pago 200 reais para ter direito a 200 minutos de chamada de voz e 5 megabites por segundo de internet. Se eu passar dessa franquia de voz, o minuto rodado a mais, digamos assim, é cobrado com fervor pela operadora. Cada minuto adicional de chamada de voz, custa em média um real. O primeiro problema é que esse valor é absurdo, injustificado, sem qualquer proporcionalidade com o princípio de modicidade das tarifas, previsto na Lei Geral de Telecomunicações, ou qualquer relação com o valor de custo da chamada.
Isso porque, com redes cada vez mais modernas, e a comunicação de dados crescendo, um minuto de comunicação de voz não onera em nada a rede das operadoras. É apenas um jeito de ganhar mais dinheiro com o uso excedente ou excepcional, como fazem as companhias aéreas que cobram multas e valores absurdos para mudar uma passagem. É apenas uma questão de modelo de negócios.
No caso, piorou quando consideramos que se eu ligar para um telefone da mesma operadora, eu não pago nada! Que critério é esse de dois pesos e duas medidas, que prende o cliente na rede da operadora, e eleva artificialmente as estatísticas de telecomunicações no Brasil, como se fôssemos bastante incluídos, quando na verdade apenas carregamos vários aparelhos celulares no bolso ou na bolsa?! Além disso, é extremamente complicado para o consumidor rodar num carro sem mostrador do consumo de gasolina, a título de comparação.
As empresas poderiam, mas não fazem, informar ao consumidor, via mensagem, qual o consumo parcial de voz ou de internet, e avisar quando sua franquia ou seu crédito estão próximos de acabaram. Ou até mesmo quanto vai custar aquela chamada que você está fazendo, já que preço varia conforme o estado, a operadora, aí vai. O sistema é bem complicado, para um mundo já complexo.
No mundo pós-franquia do regime pós-pago, por exemplo, você pode, do nada, receber uma conta de R$ 600,00, como eu recebi em julho. Dobrei o consumo e, portanto, a conta, porque fora informada antes no call center de que qualquer ligação de celular para fixo local seria de graça. Mas isso acontece quando você liga dentro do mesmo grupo, e ainda tenho dúvida se pago roaming ou não mesmo ligando para o mesmo grupo, só que para um número de outro estado. Não consigo confiar na informação do call center, para onde já liguei três vezes por conta do mesmo problema, além de registrar duas reclamações na Anatel, uma delas encerrada por insistência da operadora, com a promessa de solução futura do caso, o que não ocorreu.
E a história da consultora de telecomunicações que sofre como cliente de operadora de telecomunicação no Brasil, com um modelo de regras oblíquas e confusas, de pacotes feitos de “senão” e de “poréns”, de sistemas de cobrança cambiantes e cheios de nuance, e uma enorme lacuna de informação, no vácuo da falta de compromisso de se prestar uma informação clara e precisa, não termina aqui. Apenas vou poupar os leitores de narrar um périplo que a maior parte deles já conhece muito bem.
O que leva as operadoras ao topo da lista de reclamação dos Procons, e isso é apenas a ponta do iceberg, não é o volume enorme de usuários e ligações efetuados, mas uma cultura que predomina de que o cliente é sempre culpado, até que prove o contrário. Em Londres, na Inglaterra, onde morei, a operadora pedia desculpas e ainda oferecia ao cliente “reclamão” o valor da cobrança indevida na forma de bônus. Isso sem o cliente precisar pedir ajuda ao órgão regulador.
E se, como consultora, alguém quiser me culpar por este modelo que está aí, eu direi: se o passado nos condena a um serviço de telecomunicações complicado e indesejado, o futuro espera por dias melhores, ou serviços melhores. Simplificar é também um bom verbo para as telecomunicações no Brasil.
Texto produzido originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara.
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