No Brasil, um a cada três usuários da internet é criança ou adolescente, com 95% entre 9 e 17 anos já tendo acessado a internet, muitos antes dos seis anos, conforme a pesquisa Tics Kids. Diante dessa realidade, a influência das redes sociais e outras plataformas digitais no desenvolvimento desse público jovem se torna uma preocupação crescente. O Senado, através do Projeto de Lei 2.628 de 2022, propõe um marco regulatório para proteger integralmente os direitos desse grupo na internet, abrangendo desde serviços de mensageria até jogos eletrônicos. Hoje nós iniciamos uma série de três programas sobre o desafio da proteção da infância na internet.
Este mês, o “Papo de Futuro” foca no tratamento da infância na internet, discutindo desde os benefícios até os principais desafios como a publicidade nociva e o uso invasivo de proteção de dados. Em 2016 esse tema era de preocupação do programa devido aos riscos à saúde física e mental do uso da rede. A legislação sobre proteção de crianças e adolescentes será explorada em profundidade, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Defesa do Consumidor e tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, Comentário Geral 25.
O Projeto de Lei 2.628 de 2022, de autoria do senador Alessandro Vieira, é um bom ponto de partida. A proposta estabelece parâmetros essenciais, como a obrigação de que os direitos das crianças sejam respeitados no design das tecnologias, exigência de prestação de contas e responsabilidade das empresas em oferecer produtos que não violem esses direitos. Entre as medidas propostas, destacam-se a configuração padrão de proteção com mecanismos de acompanhamento parental e a proibição de perfis comerciais destinados a crianças.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a publicidade direcionada a crianças é considerada abusiva, aproveitando-se da falta de julgamento e experiência deste público. Além disso, é crucial que os produtos e serviços oferecidos não representem riscos à segurança das crianças, uma norma reforçada pela Resolução nº 245/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) .
Vamos ouvir especialistas como Maria Mello, coordenadora de projetos da ONG Alana, que analisa os impactos da tecnologia no desenvolvimento infantil. O Instituto Alana atua em diversos setores na proteção da infância, alinhada como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Mello destaca a Lei Geral de Proteção de Dados, que prioriza o melhor interesse das crianças e adolescentes no tratamento de seus dados pessoais.
Maria Mello lembra que, conforme o art. 227 da CF, a proteção da criança e do adolescente é um dever de todos, e não apenas do Estado.
Vamos ouvi-la:
“O que hoje está em debate, para além dessa necessidade premente, e eu queria resgatar o art. 227 da CF, que vai dizer que responsabilidade pela proteção de crianças e adolescente deve ser compartilhada, entre família, entre Estado e sociedade. E nesse lugar de sociedade, as empresas tem a sua responsabilidade Hoje a gente tem os desafios dedar contorno a todas as inovações as, grande leste-os que se apresentam no ambiente digital do ponto de vista da regulação. ”
A sociedade está cada vez mais incomodada com os riscos no uso de redes sociais por menores de idade. De quem é a responsabilidade imediata de olhar para este problema, e qual é a dimensão dele?
Não há dúvidas de que a responsabilidade maior é das empresas de comunicação digital. E vou explicar o motivo. Uma das maiores preocupações é a exploração invasiva de dados pessoais por empresas de tecnologia, particularmente através da publicidade direcionada. Este tipo de publicidade utiliza a micro segmentação para criar mensagens altamente personalizadas, explorando o estado emocional vulnerável dos jovens para influenciar seus desejos e interesses. Exemplos notórios incluem alegações contra a Meta, que foi acusada de identificar jovens que se sentem inseguros ou desvalorizados para direcionar conteúdo específico, conforme nota técnica do Instituto Alana sobre o PL 2628.
Outra prática preocupante é a promoção de “loot boxes” nos jogos, tradução de caixas supressa, que são mecanismos de manipulação projetados para gerar lucro a partir da incerteza e do desejo dos jogadores de obter vantagens, explorando a esperança em troca de gastos reais.
Em 2023, conteúdos relacionados a cultos a massacres escolares alcançaram altos índices de busca na plataforma Google, e a plataforma X ativamente recomendou conteúdos de violência, recusando-se a remover fotos e nomes de autores de ataques em escolas, apesar de alegar que tal remoção de conteúdo não violar suas políticas. Além disso, os termos de uso das plataformas digitais frequentemente não estão alinhados com a legislação brasileira e falham em prevenir a promoção de discursos de ódio e exploração sexual.
Os grupos mais vulneráveis, incluindo mulheres e meninas negras, indígenas, ativistas e aqueles socioeconomicamente desfavorecidos, são desproporcionalmente afetados pelos riscos do mundo digital. Isso se deve, em parte, ao design e funcionalidade dos sistemas que utilizam algoritmos tendenciosos. Esses algoritmos promovem a exposição ao discurso de ódio e ao racismo algorítmico, afetando especialmente os direitos de meninas negras, de mulheres, de pessoas vulneráveis e grupos de minorias.
Maria Mello crítica a falta de transparência nos sistemas das plataformas digitais, defendendo a regulação das plataformas como antídoto.
Vamos ouvi-la:
“Eu acho que o central do debate regulatório precisa partir da reivindicação de que precisa colocar a garantia de transparência por parte das mídias digitais. Hoje a gente tem pouca informação sobre a maneira como esses dados de crianças e adolescentes são usados por essas empresas, como as empresas avaliam os impactos que as crianças podem sofrer ao uso seus serviços e produtos e a gente não tem acesso a esse tipo de informação vital para gente poder endereçar as melhorais e as modificações que vem acontecendo nas maiores democracias do mundo”.
Um termo que eu escuto muito é o design manipulativo. Do que se trata e como isso pode afetar a sociedade?
Esse é justamente um dos focos do Instituto Alana, combater as práticas de design manipulativo nas plataformas digitais. Estes designs, que muitas vezes lembram táticas de jogos caça-níqueis, são criados para maximizar o engajamento contínuo dos usuários sem permitir uma filtragem eficaz de conteúdos prejudiciais. Exemplos incluem exposição a materiais violentos, sexualmente explícitos, desinformativos ou agressivos. Essas interfaces são projetadas deliberadamente para fomentar a dependência das telas, o que pode levar a comportamentos nocivos como a automutilação, especialmente em jovens. Expondo os usuários a riscos consideráveis, muitas vezes sem o seu conhecimento ou consentimento explícito.
Maria Mello lembra que as crianças e adolescentes estão profundamente expostos a diversas formas de exploração comercial nas redes socais, pela publicidade e também pelo tempo do uso de tela.
Vamos ouvi-la:
“Hoje, enfrentamos uma dupla dimensão na exploração comercial de crianças e adolescentes. Por um lado, temos a publicidade infantil, dirigida a eles com uma crueldade refinada, frequentemente de maneira implícita. Por outro lado, as próprias plataformas digitais exploram esses jovens ao lucrarem com o engajamento gerado pela presença deles nesse ambiente. No Brasil, um terço da população é composto por crianças e adolescentes, e uma parcela cada vez maior dessa faixa etária está ativa digitalmente.”
Em que medida a proibição da exploração comercial de crianças e adolescentes pode ser uma saída para este impasse?
Entre os pontos de destaque da proposta em debate no Senado, e há também vários projetos de lei em tramitação na Câmara, está a proibição da exploração comercial de crianças e adolescentes. Isso significa que o perfilamento e a análise emocional com fins publicitários serão proibidos. Como isso vai impactar as práticas atuais das plataformas digitais e a segurança online para nossos jovens é uma questão importante.
Na próxima coluna, exploraremos os impactos negativos do uso excessivo de redes sociais por crianças e adolescentes, incluindo prejuízos ao desenvolvimento cerebral, aprendizagem e saúde mental. Discutiremos também a idade adequada para começar a usar essas plataformas e o Movimento Desconecta, uma iniciativa de pais que buscam reduzir o tempo que seus filhos passam em dispositivos móveis.
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