O escritor paquistanês Tariq Ali, em artigo recente, pergunta o que é possível esperar de Obama? Lembrando que o significado histórico de sua eleição não pode ser subestimado num país onde a Ku-Klux-Klan chegou a ter milhões de membros capazes de executar uma campanha de terror e morte contra cidadãos negros com o apoio dum sistema jurídico discriminatório. É um momento horrível para assumir a presidência, mas também é um desafio. Que tipo de mudanças podemos esperar com Obama que assume um país em processo de desindustrialização e fortemente dependente das finanças globais?
Assim é que, focalizando a coisa de outro ângulo, a pergunta a ser feita não é o que esperar de Obama mas sim o que o espera no núcleo do poder dos Estados Unidos deixado por Bush & Curriola, um coroamento de três décadas de “reaganismo” desregulado e sucateamento máximo do estado mais poderoso do mundo?
Rigorosamente, a resposta é: um estado corporatista literalmente “oco”. Começando pelos serviços de saúde e terminando no Pentágono. De forma que é isso aí: sobrou para Barak Obama. (Entrementes, nossa grande mídia não desiste: durante toda a sexta-feira, 14/11, a primeira página do UOL veiculou, como se fosse uma piada engraçadíssima com o título “Críticos do Capitalismo”, as fotos de Hugo Chavez e Lula, este dizendo: “As pessoas vêem me perguntar sobre a crise, eu respondo: vai perguntar pro Bush, a crise é dele, não minha”. Após décadas de exploração imperialista ianque e estando o país em posição vantajosa, não é maravilhoso poder dizer isso finalmente? Claro, sempre existe Sacher-Masoch e quem prefira continuar sendo explorado, gosto não se discute.)
Voltando a Obama: o fato é que desde 1998, segundo Naomi Klein, ficou cada vez mais difícil a imposição de reformas no estilo terapia de choque por meios pacíficos (aqui, leia-se “continuar roubando os outros países”) – ou seja, com a usual intimidação do FMI e as quedas de braço nas cúpulas de comércio. O novo estado de espírito rebelde que vinha do Sul fez sua estréia quando a rodada da OMC fracassou em Seattle em 1999. Em poucos anos, a profundidade da mudança tornou-se inegável: o sonho ambicioso do governo dos Estados Unidos de criar uma zona de livre comércio englobando toda a Ásia do Pacífico foi abandonado, assim como um tratado global de investidores e os planos de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), se estendendo do Chile ao Alasca.
De forma que os senhores do poder – mais especificamente a trinca Bush, Rumsfeld & Cheney – voltaram-se para dentro, um conversão especialmente nefasta no sentido de privatizar literalmente tudo nos Estados Unidos, a ponto de se dizer que se fosse possível patentear o Sol, Donald Rumsfeld teria apresentado sua solicitação ao U.S.Patent and Trademark Office, órgão oficial norte-americano encarregado de registrar marcas e patentes. E naturalmente tudo devidamente financiado pelo contribuinte norte-americano.
Não é um nó fácil de desfazer. Podem apostar.
Mas concluo com Tariq Ali: e o que dizer da América do Sul? Seguramente Obama deveria imitar a viagem de Nixon a Pequim, voar para Havana e acabar com o bloqueio diplomático e econômico de Cuba. Agora tornou-se praticamente impossível para ele louvar as virtudes de livre mercado, mas os cubanos podem ajudá-lo a estabelecer um sistema de saúde decente nos EUA. Aliás, outros países da América do Sul (os PRIMEIROS a sofrer a Terapia do Choque dos garotos de Chicago) prevendo a megacrise do capitalismo neoliberal, que começaram a reconstruir suas economias há uma década, também poderiam oferecer algumas lições.
Se a prometida mudança de Obama acabar em nenhuma mudança (o que não seria de se estranhar), quem o apoiou para a Casa Branca talvez compreenda que a questão crucial não é o homem mas a criação dum partido progressista nos Estados Unidos.
Afinal, o New Deal de Franklin Roosevelt, um regime social-democrata de regulação da economia baseado em empregos públicos e num apelo imaginativo à cultura popular, só foi possível graças à existência de um sólido movimento operário e à atuação da esquerda. Pelo lado de dentro e de fora.
Ressalvadas todas essas (e outras) questões, s.m.j., sobrou.
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