Uma realidade é feita de várias verdades. Quando a realidade é polêmica então, as várias verdades confundem o que é realidade, o que é ilusão, o que é mentira. Isso é o que tem acontecido em relação ao novo Código Florestal brasileiro, em debate no Congresso.
Vários leitores me perguntaram sobre a última quarta-feira (11), quando fracassou em plenário uma nova tentativa de votar o projeto do novo código, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Pois bem, aqui me proponho a apresentar uma das versões da verdade, um ponto de vista, para ajudar os leitores a juntarem as peças desse quebra-cabeça.
Era 22h10 do dia 11 de maio de 2011, quando teve início a sessão extraordinária para a votação do projeto de lei do novo Código Florestal, de autoria de Rebelo. O dia havia sido exaustivo. A sessão de votação da matéria inicialmente marcada para as 9h da manhã foi cancelada, por falta de um texto final. As negociações então tiveram que se estender por mais um dia inteiro de expectativa.
Após semanas de costuras delicadas de um acordo, de negociações intensas, de reuniões exaustivas a portas fechadas e de um entra e sai sem precedentes de ministros no Congresso, tudo parecia caminhar para o final de uma novela. Por volta das 21h, corria a informação de que o protagonista Aldo Rebelo havia chegado a um texto final, construído em consenso com o governo.
Um texto vindo da Casa Civil chegou ao Congresso poucas horas antes do início da sessão de votação, prevista para as 22h. Sob aquele texto, assessores, deputados e representantes de setores interessados na votação do novo código passavam um pente-fino na que seria a versão final do projeto. Debruçados sobre o material, eles construíam as emendas e destaques de plenário, que na prática iriam levar aos ajustes finais da proposta.
Ao lado de um desses grupos de representatividade, eu acompanhava a análise da matéria ponto-a-ponto, entendendo as mudanças feitas pelo relator e o Planalto em comparação com versões anteriores. O texto parecia uma versão mais equilibrada, que atendia parte dos interesses de todos os setores envolvidos, sem penalizar ou glorificar em sua totalidade nenhum dos grupos.
Enquanto isso, jornalistas esperavam a versão final do texto de Aldo na porta da liderança do governo na Câmara. Aldo e o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza, estariam reunidos a portas fechadas na liderança. No gabinete de Aldo, a informação era que ainda não existia uma versão final, que o relator estava fazendo os ajustes de redação no texto. Isso era por volta de 21h50.
Com cópia de um documento com pontos da versão final da Casa Civil em mãos, eu retornava ao comitê de imprensa quando cruzei nos corredores com o líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira. Está feliz, deputado?, perguntei. Estou feliz, respondeu ele com cara de satisfeito.
A pergunta se referia à versão final do projeto, se o texto final o agradara. Naquele momento, já era de domínio público a informação de que o governo tinha chegado a um acordo e uma versão final com Aldo Rebelo. Paulo Teixeira, como um dos principais responsáveis por forçar a costura de uma versão mais equilibrada do projeto no Congresso, era um termômetro para saber como decorreria a votação da matéria em plenário.
Só um adendo, foi Paulo Teixeira quem, na primeira reunião oficial de líderes de partidos com ministros, ainda em abril, pediu o prazo de uma semana para analisar a matéria. Politicamente, esse maior prazo interessava ao PT. E, dessa forma, a sociedade teria acesso ao texto final dias antes da votação, o que garantiria maior conhecimento a respeito da matéria.
Na época, no entanto, o pedido de mais tempo causou a fúria de Aldo Rebelo e da bancada ruralista, que queriam votação da matéria pra ontem, apresentando a versão e votando num mesmo dia. Na visão de parte da imprensa, o pedido do líder do PT foi visto como uma manobra ambientalista para protelar a apreciação do novo código.
De volta ao dia da votação. Do comitê, comecei a acompanhar a sessão de votação do novo código, iniciada às 22h10. Enquanto batia a matéria (gíria de jornalista para se referir a escrever uma matéria jornalística), baseada na versão final da Casa Civil, suposta versão final do projeto, deputados subiam à tribuna e discursavam contra e a favor do novo código.
Naquele momento, percebi que a versão do projeto que eu tinha em mãos trazia pontos diferentes da versão apresentada no plenário. Até então, nada parecia muito grave. Mas seria aquela mais uma versão implantada? Pela manhã, um grupo de deputados ruralistas fez circular pelo Congresso uma versão falsa do documento final do novo código. O texto trazia pontos da negociação que estava em andamento entre Aldo e a Casa Civil, mas não era uma versão final, como foi vendido. Então, podia ser aquela versão da Casa Civil que eu tinha em mãos, mais uma versão fake.
Até pouco antes das 23h, o que tomava conta do debate em plenário era uma emenda do DEM, que modificava pontos cruciais do texto costurado em acordo entre relator e governo. A emenda, que apresentava pontos relevantes para a bancada ruralista, foi apresentada por um partido de oposição, mas boa parte da base governista apoiava a proposta.
Às 23h11, veio a grande surpresa. Estava em discussão um requerimento do Psol para adiar a votação. A princípio, a base governista rechaçaria o requerimento, pois havia acordo para votar o projeto de Aldo, conforme costurado com a Casa Civil.
Da tribuna do plenário, no entanto, o líder Vaccarezza pediu apoio da base para aprovar o requerimento do Psol e adiar a votação. A postura de Vaccarezza causou estranheza geral, pois, há semanas, o líder do governo apoiava a votação imediata do novo código. Agora Vaccarezza pedia veemente apoio a um requerimento de um partido de oposição para não votar a matéria. Alguma coisa estava errada.
Nos bastidores, o que se corria era que Vaccarezza recebeu ordens do Planalto para subir à tribuna, mesmo contra sua vontade. Um telefonema bastou para que o líder pedisse o adiamento da matéria, posição controversa a suas defesas anteriores. À imprensa, até então, o líder do governo defendia votação imediata. Explicava que 98% do texto já tem acordo.
Um clima de arruaça colegial tomou conta do plenário após o discurso de Vaccarezza. Uma das cenas emblemáticas do momento era de deputados da bancada ruralista protestando aos gritos em coro contra a posição do governo. Um deles, o deputado Valdir Colatto autor do projeto do Código Ambiental Brasileiro, embrião da proposta de Aldo ria e gritava ao mesmo tempo. O caos estava gerado.
Em meio a agressões verbais e exaltação de ânimos, o governo apresentava seus argumentos para adiar a votação do novo código: o texto final de Aldo, protocolado minutos antes da votação em plenário, não era o mesmo texto construído junto à Casa Civil. Os ajustes de redação a portas fechadas resultaram em muitas pegadinhas, na avaliação do governo.
Às 0h01, sob protesto ruralista, o requerimento do Psol para adiar a apreciação do projeto de Aldo foi à votação. Uma maioria absoluta levantou os braços para derrubar o requerimento do partido socialista e votar o novo código. A votação iria acontecer… se não fosse um pedido de verificação do quorum.
Na prática, o pedido significava que os deputados que levantaram os braços para derrubar o requerimento do Psol indo, portanto, contra a orientação do governo teriam que votar nominalmente e mostrar a cara. O quem é quem assustou a maioria, o que resultou no esvaziamento do plenário. Poucos tiveram coragem de enfrentar o governo e apoiar a votação imediata do projeto de Aldo.
Era meia noite e 17, quando o presidente da Câmara, Marco Maia, encerrou a sessão. O clima era de protesto de ruralistas, euforia de ambientalistas e confusão de intermediadores. Os ajustes de redação feitos por Aldo traziam prejuízos ambientais. E as pegadinhas não estavam no acordo com o governo.
O que levou Aldo a mudar os rumos das negociações e recuar no acordo feito com o Planalto? Por que não manter o mesmo texto do acordo (e com isso ter apoio da base) e modificar o que queria por meio de emendas? O que houve foi uma resposta ao Executivo para mostrar quem manda no Legislativo? Ou foi gula de quem quer suas próprias mudanças a qualquer custo?
Bola fora de quem queria votar a matéria e virar a página. Agora não há mais previsão de quando haverá uma nova votação do Código Florestal. O mesmo líder Vaccarezza, que em várias entrevistas falava que a votação do novo código aconteceria em breve, agora afirma que não há mais data para votar.
Talvez semana que vem, talvez em nenhuma das próximas semanas… E quem ganha? Vai ver que são os cientistas, que pedem mais prazo para votar. E aí, acadêmicos, vão entrar nessa briga de vez, ou vão continuar pedindo a prorrogação desse processo? Vamos virar a página. Essas mudanças precisam ter uma definição logo. Ainda que o logo não signifique a votação açodada que se daria no último dia 11 de maio.
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