A recente aprovação do projeto Ficha Limpa foi um caso exemplar de mobilização da sociedade civil em prol de uma boa causa – e de uma combinação virtuosa entre a participação popular e a democracia representativa.
A campanha Ficha Limpa foi deflagrada em abril de 2008. Ao longo de 15 meses, cerca de 1,3 milhão de eleitores aderiram ao movimento. Na forma de um projeto de lei de iniciativa popular, a proposta chegou ao Congresso em setembro de 2009.
Na prática, o projeto Ficha Limpa se propunha a aumentar as situações que impedem o registro de candidatos pelos partidos políticos – detalhadas na Lei Complementar n° 64, de 18/05/1990 (mais conhecida como Lei das Inelegibilidades).
A essência do projeto era impedir a candidatura de pessoas condenadas em primeira instância ou de políticos com denúncia recebida em tribunal. Pela legislação anteriormente em vigor, somente podiam ser impugnadas as candidaturas de políticos condenados judicialmente em última instância.
Nas eleições municipais de 2008, todas as tentativas de cassação do registro eleitoral de candidatos a prefeito ou a vereador feitas com base nas premissas do projeto Ficha Limpa foram abortadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais ou pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Eu mesmo escrevi sobre esse assunto há quase um ano aqui no Congresso em Foco (“Os candidatos ficha suja”, 22 de julho de 2009). Em defesa da jurisprudência do TSE, argumentei que, enquanto a legislação não fosse alterada, o ativismo judicial de alguns promotores e juizes eleitorais poderia abrir um perigoso precedente institucional. Estava me referindo à possibilidade de que burocratas não-eleitos pelo voto popular decidissem – com base em critérios subjetivos – quem pode e quem não pode concorrer às eleições.
Mas agora o quadro legal foi alterado. O projeto Ficha Limpa teve uma tramitação relâmpago no Congresso. Com intensa cobertura e apoio da imprensa, a matéria foi aprovada em 11 de maio na Câmara dos Deputados, e em 19 de maio pelo Senado Federal. A sanção presidencial veio, sem vetos, no final da semana passada (Lei Complementar n° 135, de 04/06/2010).
A redação final da lei contou com um importante aperfeiçoamento feito pelos congressistas, o qual não pode ser subestimado. As novas restrições para o registro de candidatos valerão apenas para aqueles que já tenham sido condenados por órgãos colegiados do poder judiciário. Desse modo, fica bem mais limitado o potencial de arbitrariedade dessa legislação. Ganhamos muito mais segurança jurídica do que estava previsto no texto original da proposta.
Esse foi apenas o terceiro projeto de iniciativa popular transformado em lei federal sob a vigência da atual Constituição. Mesmo assim, o caso demonstra que a mobilização da sociedade ainda é capaz de criar incentivos para que os políticos façam a coisa certa. Ainda que a aplicação da nova lei deva valer somente a partir das eleições municipais de 2012 – como parece mais provável – a nossa democracia saiu ganhando.
Leia ainda sobre o assunto:
A íntegra da Lei Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010)
Ficha Limpa já mudou a política
Redação dada pelo Senado pode ajudar condenados
Quem aprovou o ficha limpa: como os deputados votaram
Eles estavam lá, mas não votaram o ficha limpa
Os deputados que votaram para adiar o ficha limpa
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