Marcos Magalhães |
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Poucos temas são tratados com tanta simpatia, no Congresso Nacional, como a aproximação do Brasil com seus vizinhos sul-americanos. A construção do Mercosul e a busca de uma união política do subcontinente, para melhor negociar acordos econômicos com países e blocos mais desenvolvidos, chegam tão perto do consenso que nem mesmo a adoção de uma linguagem quase violenta por parte dos parceiros mais próximos causa maior turbulência interna. Foi assim há poucos dias, quando os negociadores argentinos ameaçaram fazer cara de cachorros zangados quando se sentassem à mesa com os colegas brasileiros, na reunião de cúpula do Mercosul, em Ouro Preto. Em defesa da combalida indústria argentina, eles propunham a adoção de salvaguardas temporárias, que permitissem às empresas de seu país se preparar melhor para a competição. A idéia ficou esquecida, ao que parece, em alguma esquina de Ouro Preto. Os governos do Uruguai e do Paraguai uniram-se ao Brasil e ajudaram a apagar qualquer menção a salvaguardas do comunicado final do encontro. A ameaça foi congelada, mas nem mesmo enquanto ela durou parece ter causado muita comoção. Poucos deputados e senadores se preocuparam em ir à tribuna denunciar a atitude argentina. Boa parte dessa passividade pode ser debitada à persistente simpatia política no Brasil com o projeto do Mercosul. Parlamentares ligados ao governo podem não gostar das ameaças do país vizinho, mas ainda assim demonstram um amplo grau de tolerância com o governo de Buenos Aires. A Argentina, recordam, ainda enfrenta problemas sérios na economia e precisa encontrar caminhos para se reerguer. Apesar das poucas vozes em contrário, essa é a posição política que prevalece no momento a respeito do Mercosul. Para que ela se mantenha no futuro, porém, será necessário um pouco mais do que meia dúzia de fotos nos jornais dos presidentes Nestor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva abraçados e sorridentes. Será preciso um pouco mais de ação por parte dos dois governos. Quando Kirchner falou de salvaguardas, a leitura feita por empresários brasileiros foi a de um retrocesso no processo de integração. Os antigos opositores do Mercosul voltaram a propor, como resposta, um passo atrás: o esquecimento do projeto de mercado comum e a adoção, pura e simples, de uma área de livre comércio. De um lado e de outro, o problema talvez seja a falta de percepção de futuro. Se a aproximação com os demais países da América do Sul inspira simpatia no meio político brasileiro, apesar de todas as ameaças de retrocesso, a aposta no progresso e no crescimento tem uma relação ainda melhor com o imaginário de deputados e senadores. Por isso, provavelmente seria bem recebida no Legislativo uma nova e mais ambiciosa aposta no futuro do Mercosul. No momento em que entram definitivamente na agenda nacional as parcerias público-privadas, que poderão ajudar a colocar em prática antigos projetos de infra-estrutura, Brasil e Argentina poderiam liderar a montagem de um projeto de parcerias continentais. Uma iniciativa que garantisse maior competitividade à economia regional diante de uma disputa cada vez mais dura pelos mercados mundiais. Enquanto aguardava a visita a Buenos Aires do presidente da China, Hu Jintao, o governo argentino incluiu entre os projetos que poderiam receber investimentos chineses a construção de uma linha de trens de alta velocidade entre Buenos Aires e Córdoba. Se os vagões entrarão ou não nos trilhos, os próximos anos vão dizer. A mesma ousadia, porém, poderia motivar novos projetos regionais. Se a idéia é construir trens de alta velocidade, por que não se pensar, então, em um projeto que una Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro? E por que não imaginar uma política comum para a indústria e a inovação tecnológica, com maior integração competitiva das empresas de ponta dos países da região? Ou a adoção de um selo de excelência para os produtos agropecuários do grupo? Ainda que leve tempo, a construção de um Mercosul voltado para o futuro parece a melhor solução contra os nostálgicos do protecionismo. |
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