Magnólia Azevedo Said* |
Em outubro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou documento que trata de sua cooperação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), com o objetivo de articular políticas econômicas globalmente coordenadas. Para os três organismos, o apoio mútuo entre as políticas financeiras e as políticas comerciais é fundamental, pois é uma forma de consolidar reformas de liberalização comercial nos países em desenvolvimento. O pressuposto é que a liberalização comercial funciona em todos os casos como meio infalível de combate à pobreza. Ou seja: para a OMC, o FMI e o Banco Mundial, a ampliação de mercados para grandes empresas privadas é o instrumento para se chegar ao crescimento justo a todos. Além de defender a implementação de reformas liberalizantes em políticas comerciais, a cooperação OMC-FMI-BM também inclui a adoção de reformas econômicas estruturais nas nações em desenvolvimento, abrangendo: políticas que reforcem o investimento privado; políticas macroeconômicas para a estabilidade financeira, e políticas para os setores de infra-estrutura, educação e saúde. Essas reformas são vistas no documento como centrais para a promoção da coerência entre as três instituições. Isso irá significar uma atuação de complementaridade e de concordância, na definição de políticas e de condicionalidades para os países tomadores de empréstimos. A política “articulada” sugere que reformas comerciais liberalizantes sejam mais uma fonte de “condicionalidade” imposta pelo FMI e pelo BM para seus programas de empréstimos aos países em desenvolvimento. Doravante, políticas de interesse público adotadas sofrerão restrições por não atenderem às reformas comerciais oriundas do acordo entre tais instituições. O documento estabelece que, em 2005, o FMI fará uma revisão de seu trabalho em política comercial, de modo a promover a Agenda de Doha, da OMC (o desenvolvimento via expansão do mercado), e deverá favorecer a implementação das Metas de Desenvolvimento do Milênio. A revisão tem como objetivos: identificar reformas comerciais que possam ser induzidas em países em desenvolvimento; avaliar se as modalidades de “ajuda” praticadas pelo FMI em favor de reformas comerciais são adequadas para induzir sua implementação, e buscar uma divisão de trabalho mais apropriada com outras instituições atuantes na área de política comercial, além da OMC e do BM. Está previsto, ainda para 2005, um papel importante para os programas de assistência técnica e para as atividades de capacitação administradas por essas instituições. Essas duas outras modalidades de intervenção dedicam-se a treinar autoridades e funcionários de países em desenvolvimento para a incorporação do “pensamento” orientador de suas políticas. A assistência/capacitação será feita por meio do IMF Institute, do World Bank Institute, e da Estrutura Integrada para Assistência Técnica Comercial a Países Menos Desenvolvidos (EI) – que congrega, além desses institutos, a Unctad, o Pnud e o Centro de Comércio Internacional (CCI), tendo como secretariado a OMC. À triade liberalizante, junta-se o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o papel de abertura de mercados no âmbito da integração regional, em favor da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Enfim, nenhum organismo internacional deixa de ter um papel relevante na construção da agenda do desenvolvimento. No caso do Brasil, essa agenda tem sido construída de forma “amarrada” a um acordo com o FMI que ainda não se esgotou e a recentes empréstimos contraídos com o BM, cujos desembolsos irão alcançar ainda todo o ano de 2005. A agenda comercial do FMI, estando sujeita a revisão, poderá facilmente vincular uma reformulação do que foi acordado com o governo brasileiro, em termos de reformas estruturais, notadamente naquelas políticas que mais facilmente possam levar à abertura comercial. Não podemos permitir que políticas públicas, necessárias ao desenvolvimento que queremos ter (sustentável, ético, justo) passem pelo crivo de agentes que não estão sintonizados com nossas necessidades e aspirações. Não podemos admitir que essas políticas sejam orientadas mediante valores e critérios que não foram definidos em espaços legitimados pela sociedade civil brasileira. Do nosso lado, é preciso uma atitude de alerta, a partir dos lugares de controle social onde estamos. No que se refere ao governo federal, faz-se necessário exigir outro padrão de comportamento com relação a essas instituições e às estruturas que elas vêm montando, barrando assim a sua ingerência na elaboração e efetivação das políticas que queremos para nosso país. Não podemos mais caminhar na direção do cumprimento de metas falseadoras e despolitizadoras dos sentidos e da função de uma verdadeira política de desenvolvimento. Mais informações a respeito do referido documento da OMC estão disponíveis no site da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (www.rbrasil.org.br). * Magnólia Azevedo Said é advogada, integra a Coordenação Executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e preside a ONG Esplar. |
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