São essas curiosidades que tornam o Brasil um país por vezes peculiar aos olhos de quem vê de fora. Nas eleições deste ano, o discurso de continuidade vem da candidata de um presidente que se classificou como uma “metamorfose ambulante”. Não poderia ser menos confiável, à primeira vista, do ponto de vista da continuidade, alguém que se autodenomina uma “metamorfose ambulante”. Mas, pelos discursos de campanha, quem quiser manter o atual rumo de desenvolvimento com estabilidade econômica deve votar em Dilma Rousseff, a candidata apoiada pela “metamorfose ambulante’.
Neste momento, a campanha do principal adversário de Dilma, o tucano José Serra, anda meio desmantelada. A firme presença de Lula ao lado de Dilma conferiu a ela o que lhe faltava aos olhos do eleitorado: a informação, que ainda não tinha chegado bem aos grotões, de que é para ela que o presidente mais popular da história pede votos. A vantagem de Serra nas pesquisas não resistiu à consolidação dessa informação. Como dizia o slogan de uma marchinha que o PT divulgou no carnaval, a “coroa” é o “cara” na eleição de outubro. Quando o eleitor recebeu de fato tal informação, a vantagem de Serra pulverizou-se.
Erros cometidos por Serra contribuíram para piorar ainda mais o quadro. O maior deles, a geração de uma expectativa que já se mostrava frustrada desde o início, em torno da possibilidade de Aécio Neves ser o vice. Como já sabia há tempos a menor limalha de ferro tirada das montanhas das Minas Gerais, Aécio não seria o vice. Gerar expectativa em torno disso transformou o “não” formal de Aécio na desnecessária primeira derrota de Serra na corrida eleitoral. E, aí, eis de volta o Serra da campanha de 2002, o candidato que não funciona bem sob pressão: irritadiço, impaciente, batendo boca desnecessariamente com jornalistas (curioso: dizem que a mídia montou um partido a favor dele, mas é Serra que se impacienta com as perguntas dos jornalistas).
Nada disso quer dizer, porém, é claro, que a eleição está definida. Todos os quadros de pesquisa – os que costumam ser mais favoráveis a Dilma, o que costumam ser mais favoráveis a Serra – apontam neste momento uma situação de empate. Se Dilma era quem antes aparecia atrás, é claro que eles apontam também para um melhor momento da candidata petista. Mas os próximos lances é que definirão a questão. E, aí, voltamos ao primeiro parágrafo deste texto: uma das estratégias discutidas no comando da campanha de Serra neste momento é explorar as contradições provocadas pelo estilo “metamorfose ambulante” do PT.
Sempre pareceu haver na estratégia petista para as atitudes que tomou um bocado de cálculo político, seja para se tornar o partido hegemônico da esquerda, em seu primeiro momento, seja para, de fato, se apresentar como alternativa de poder, em seu segundo momento antes de alcançar a Presidência. Isso gerou certas incoerências entre o discurso que o partido fazia na oposição e como se comporta agora. Para seu eleitorado, Lula tirou de letra isso com a história da “metamorfose”. Mas, para alguns tucanos, isso se deu mais porque tal falta de coerência nunca foi muito bem explorada.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) é um dos que professam a exploração dessas incoerências. Para ele, isso não deve ser a base do discurso do próprio Serra. Mas deve ser dito por aliados e nos programas eleitorais. Especialmente no que diz respeito à política econômica. A base da campanha de Dilma está em dizer que o país cresceu e alcançou melhor igualdade social a partir das escolhas feitas por Lula. “Há um bocado de apropriação indébita nesse discurso”, rebate Álvaro Dias. “É preciso se lembrar ao eleitor que nada do que foram as bases da estabilidade econômica seria realidade se dependesse do PT”.
A turma de Serra anda garimpando áudios e vídeos antigos que mostrem que o PT era contrário ao Plano Real e jurava que ele não daria certo. Quando o Plano Real fez 15 anos, no ano passado, algumas dessas frases de petistas contra o Plano Real já foram destacadas pelo PSDB.
Lembra Álvaro Dias que o PT foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Chegou a mover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei que impede a gastança dos administradores públicos. “Se a base do discurso do PT na campanha é estabelecer comparações, nós vamos lembrar esses fatos. No começo, não será Serra quem entrará nesse debate, mas nós vamos entrar. Lá na frente, quando ele estiver diretamente debatendo com Dilma, aí será a vez dele lembrar isso também”, diz Álvaro Dias.
O peso eleitoral que isso terá, Serra e o PSDB só saberão mais na frente. Seguramente, porém, debater com os petistas, que são os adversários, é mais produtivo para Serra que bater boca com jornalistas.
Leia outras colunas do autor:
Momento histórico, não momento histérico
Marina tenta preencher as lacunas
A chave do discurso de Dilma
Deixe um comentário