Ricardo Borges Martins *
Nas últimas décadas, acompanhamos a crescente adesão da população brasileira à democracia. Se no final da década de 80 esse regime tinha apenas 50% de apoio da população, em 2010 o número pulou para sonoros 83%, um crescimento bastante significativo. No entanto, desde a redemocratização, a nossa cultura democrática convive em plena harmonia com certas contradições.
Uma delas, talvez a maior, é a enorme desconfiança da população quanto a suas instituições representativas. Hoje, o Congresso Nacional conta com apenas um quarto da aprovação popular, isto é: senadores e deputados federais têm desempenho avaliado como regular, ruim ou péssimo por 75% da população. Não é difícil imaginar que, nesse panorama, o brasileiro acredite que o país estaria melhor se não houvesse parlamento.
É perfeitamente compreensível que uma sociedade democrática esteja descontente com suas instituições de representação. É até saudável. Contudo, é inaceitável que essa mesma sociedade não faça nada a respeito ou que se satisfaça com as eleições como único instrumento de mudança.
Afinal, o que significa aderir aos valores democráticos? Sabendo que os requisitos da democracia tornam o processo político mais custoso, por que preferir esse regime? Se perguntassem a você: “por que, entre todas as outras formas de governo, você prefere a democracia”, o que diria?
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Da perspectiva de um cidadão, o raciocínio deveria ser o seguinte: “só me vale a pena ter um governo mais dispendioso – no sentido de que a democracia requer um exaustivo e burocrático processo deliberativo – posto que eu tenha nesse regime algum meio de influir em seus processos de escolha, de maneira a tornar as decisões finais mais responsivas a minhas necessidades e preferências”.
Acreditar na democracia como melhor forma de governo não se funda apenas sobre um consentimento de valores, mas também no saber gozar o direito de ter voz dentro do processo político.
Pois é justamente aí que reside a contradição. Nossa cultura política se orgulha de poder gritar, mas não consegue ser ouvida. Temos um Congresso perfeitamente isolado: de um lado, sua arquitetura impede que a nossa voz chegue lá dentro, do outro, permite que os cochichos dos nossos representantes não ecoem. Aderimos à democracia, mas não temos como incidir nas decisões relevantes do país, pois nosso sistema de representação é incapaz de satisfazer a sua razão de ser.
Existe um vácuo entre a sociedade civil e o Congresso Nacional. Não há nenhum instrumento que faça valer os apelos da sociedade civil na Câmara e no Senado. Isto porque nosso sistema eleitoral acaba elegendo representantes cujas prioridades são absolutamente divergentes das nossas. Basta ver a discrepância entre as necessidades da população e as prioridades do Congresso. Em 2012, foram apresentados mais projetos na categoria “homenagens e datas comemorativas” do que nas áreas de saúde ou educação. Mas isso parece pouco importar.
A conclusão a que podemos chegar, diante de tal cenário, é de que nossa cultura democrática – sob risco de obsolescência – precisa encontrar meios de influir na esfera política. Pouco vale aceitar a importância do Legislativo, se não houver instrumentos eficientes para promover a relação entre ele e a sociedade civil.
Se o Congresso Nacional é uma instituição precária, é porque quando ata as próprias mãos, pune outros. Em 2012, foi aprovado menos de 1% dos projetos de lei apresentados. Essa inoperância fere a todos, menos ao próprio Congresso. Uma instituição inoperante porque pode se fazer de surda diante da sociedade civil, que, sem saber como influir, acaba desistindo da política.
Acredito que esse quadro não é perpétuo. Aqueles 83% que preferem a democracia já estão maduros para exercer maior controle sobre seus representantes, mas isso requer uma reforma no atual sistema de representação. Desse ponto de vista, o voto distrital seria a melhor estratégia da sociedade civil para romper com o isolamento do Congresso. Nesse sistema, sabendo quem representa quem, os cidadãos encontrariam meios diretos de influenciar a política.
O voto distrital não é a panaceia da política brasileira, não resolverá todos os problemas, mas sua adoção representaria um grande avanço para nossa democracia. Já está mais do que na hora de nosso espírito democrático ultrapassar o âmbito dos valores e se manifestar em nosso comportamento político cotidiano.
* Ricardo Borges Martins, formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Argumentação e Influência Social pela Université d’Aix-Marseille (França), é um dos organizadores do movimento #EuVotoDistrital.
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