Guillermo Rivera
Um mês depois de concluído o prazo para os candidatos às eleições do próximo ano trocarem de partido e continuarem elegíveis, a Câmara e o Senado terminaram de colocar os dados de mudanças de legenda em seu arquivo. O saldo final das movimentações partidárias é estarrecedor: nada menos que 37 deputados e cinco senadores aproveitaram as vésperas do prazo final para trocar de partido (leia mais).
Na Câmara, por exemplo, fica evidente que a maior bancada não pertence nem ao PT, nem ao PMDB. É formada pelos parlamentares que trocaram de partido na atual legislatura. De 2003 pra cá, foram 325 movimentações partidárias na Casa, envolvendo 185 dos 513 deputados (ou seja, 35,67% dos representantes do povo no Congresso). A relação das movimentações partidárias revela que quase sempre são os mesmos deputados que estão envolvidos no troca-troca.
Alguns deputados chegaram a trocar sete vezes de legenda, como Zequinha Marinho (PA), atualmente no PSC, e Alceste Almeida (RR), por ora no PTB. Os motivos para essa inconstância vão desde desavenças regionais até oferta de melhores condições para a reeleição, passando, raras vezes, por divergências ideológicas com a linha adotada pelo partido.
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Momentos de mudança
Os mais suscetíveis à infidelidade partidária geralmente são seduzidos em três períodos específicos, explica o analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). No primeiro ano, logo no início da sessão legislativa, para a eleição dos membros da Mesa Diretora e das comissões; no início do terceiro ano do mandato, por ocasião da nova eleição da Mesa Diretora, e no ano que antecede às eleições, para aqueles que pretendem disputá-las por outro partido.
A eleição dos membros das mesas diretoras e das comissões permanentes das duas Casas obedece ao critério da proporcionalidade partidária. Ou seja, a distribuição dos cargos é feita com base no tamanho da bancada no início do ano legislativo, ou seja, 15 de fevereiro. “Por essa razão, os partidos brigam desesperadamente para atrair novos filiados para pleitear cargos de destaque na Mesa ou a presidência de alguma comissão importante”, conta Queiroz.
Esses três momentos, ressalta o analista, têm peculiaridades diferentes. “As duas primeiras são composições dentro do Congresso. Fazem parte de um processo natural de atração de parlamentares. A terceira (e atual onda) se destina a interesses regionais”, ressalta o diretor do Diap.
Mensalão e mercado persa
Mas, depois que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), acuado por denúncias de corrupção, incluiu o mensalão no vocabulário nacional, ficou difícil não suspeitar de que o dinheiro também não esteja por trás desse constante troca-troca. Muitos deputados, inclusive alguns que trocaram de partido na atual legislatura, levantam essa suspeita nos corredores da Câmara. Comprová-la é que são elas.
Em seu terceiro partido em três anos, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) garante que a transação financeira ainda corre solta na Casa. “Existe, sim, um partido ‘comprar o passe’ de outro deputado e pagar uma taxa de manutenção”, denuncia. Jair, no entanto, apressa-se a dizer que não tem como comprovar a acusação. “Não se têm provas. Nenhum deputado está andando com malas cheias de dinheiro aqui dentro da Câmara. Todo mundo, quando questionado, diz que fez isso para melhor servir o eleitorado”, diz.
Constatação semelhante é feita, na outra ponta do espectro partidário, pelo deputado Babá (PSOL-PA). “Sempre aconteceu isso no Congresso Nacional”, diz o ex-petista. Entre as formas de cooptação mais comuns, ele lista a oferta de cargos no governo, a facilitação de liberação de emenda parlamentar e outros tipos de “apoio econômico”. “Isso envolve um verdadeiro mercado persa aqui dentro”, afirma. “O próprio PT, que antes condenava, agora incentiva essa prática, fazendo com que deputados saiam de um partido da base aliada para outra, ou saiam da falsa oposição do PSDB e do PFL para a base”, acusa.
Companheiro de legenda de Babá, o deputado Chico Alencar (RJ) também é incisivo na crítica, porém, mais cauteloso. “Muitos deputados realmente trocam apenas por ver uma oportunidade político-eleitoral, ao olharem o mapa de votações. Mas há indícios muito fortes de trocas de cargos por favores e dinheiros. Se isso se confirmar, não vai ser a primeira vez”, avalia o deputado, que recentemente trocou o PT pelo PSOL.
O escândalo do mensalão, segundo ele, pôs os parlamentares sob o olhar desconfiado do eleitor e restringiu o último troca-troca a questões estritamente regionais. “A Câmara estava reverberando todo o escândalo do mensalão. O que mais valeu, mesmo, foram as oportunidades políticas e o quadro eleitoral”. O deputado Ademir Camilo (MG), que recentemente trocou o PL pelo PDT, concorda com a avaliação de Alencar. “A desconfiança existe, mas, perto da eleição, (a mudança) é mais por causas pragmáticas mesmo”, sentencia.
A constante movimentação também é considerada motivo de constrangimento entre os parlamentares. Um deles é Nilton Baiano (PP-ES). No partido há dez anos, o deputado confessa ter ouvido conversas de trocas partidárias por favores. “Isso cria desprestígio e desgaste para a Câmara”, lamenta. “Não é possível que o parlamentar seja eleito e, antes de ser diplomado, mude de partido”, critica.
Sem consenso
Uma das alternativas para conter o troca-troca em discussão na Câmara está na mudança do regimento interno. “Basta modificar o regimento interno da Câmara para que, nas eleições dos membros da Mesa Diretora e das Comissões, valha a proporção das votações”, sugere Antonio Augusto Queiroz. A proposta está sendo discutida pelas lideranças partidárias. Outro caminho, aponta o diretor do Diap, seria dilatar o prazo eleitoral, impedindo que se candidate a cargo eletivo quem não esteja no mínimo há dois anos – e não apenas um ano, como ocorre hoje – no mesmo partido. “Ninguém vai arriscar mudar de partido com dois anos de antecedência”, pondera.
Para o relator da reforma política na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), a mudança sugerida por Queiroz é simplista e não resolve o problema, porque não oferece nenhuma solução prática para a troca mais comum: a cooptação, por parte do governo, de parlamentares para sua base de apoio.
“Um governo no segundo ano de mandato está no apogeu de seu poder. E se ele ataca um partido de oposição, consegue retirar desse partido suas melhores lideranças, e o partido não pode se recompor. Deixa a oposição sem quadros sequer para a próxima eleição. Essa proposta é um tiro no pé. Se os partidos hoje já são frágeis e vulneráveis, ao aprovarmos essa mudança, estaremos aumentando ainda mais essa situação”.
Como solução, Caiado propõe o financiamento público de campanha e o voto em lista partidária. A proposta relatada por ele mantém, no entanto, o atual prazo de um ano de filiação antes da disputa eleitoral como condição de elegibilidade, mas apenas para a primeira vinculação partidária. Em caso de troca de partido, esse prazo sobe para dois anos. A mudança, porém, corre o risco de entrar em vigor apenas nas eleições de 2008. Os deputados ainda discutem a aprovação de uma proposta de emenda constitucional para mudar as regras das eleições do ano que vem. Por enquanto, ainda não há entendimento entre os líderes partidários para a aprovação das mudanças, tampouco para definir o que seria alterado já em 2006.
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